Eu me considero um pai amador. Tenho dois filhos, um casal. E pai profissional tem, no mínimo, três. Eu conheço uns caras que têm três filhos. E um ou outro que têm quatro. Admiro muito. Se usasse chapéu, eu tiraria para esses caras. É preciso muita coordenação. Também é preciso ter uma certa disciplina, que reconheço faltar em mim. É muita responsabilidade.
Também é preciso ter auto-controle, coisa que às vezes me escapa. Sou meio explosivo. Criança observa tudo e com dois filhos já é difícil, é difícil. Principalmente manter a pose de durão e sabichão. Até os dez anos de idade, é muito importante manter essa pose, dizem os especialistas em paternidade. Os pais profissionais que eu conheço assinam embaixo. Eles também explicam que o bom exemplo de dureza e sabidice só dura até essa idade, depois os meninos desandam a desafiar a autoridade, viram comunistas rebeldes revolucionários e colam poster do Che Guevara na parede. Sem falar que exigem aumento de mesada.
Por tudo isso, eu sei que eu sou um pai amador. Especialmente se vamos todos ao cinema. Manter a pose de durão e sabichão é fogo. Porque aí eu preciso tomar cuidados redobrados, ler a sinopse do filme. É que eu não posso ver abraço de pai e filho em filme de Hollywood. É uma fraqueza minha, tenho de admitir. É bem verdade que os americanos capricham demais nessas cenas. A música fica exultante, no melhor estilo "Jesus-alegria-dos-homens". Os olhos dos atores brilham, a fotografia fica mais tenra que alface recém-tirada da horta. É uma beleza. Nessa hora eu procuro disfarçar com uns espirros, mas a minha mulher já me conhece e sempre aperta a minha mão no cinema, numa espécie de afago de consolo. Não adianta nada, é claro. Mas no escuro do cinema, os meninos não vêm e tudo passa despercebido, graças. Daí a pouco eu tiro os óculos e fico esfregando os olhos.
_Esses meus óculos não valem nada - eu digo para minha mulher.
_É, eles sempre te fazem lacrimejar no cinema - ela diz, como se me avisasse que é melhor eu ficar por aí, senão o gato sobe no telhado.
E eu fico. Cena de abraço de pai e filho no cinema é demais. É demais.
(Feliz Dia dos Pais a todos os pais e ao Meu Pai e ao Meu Irmão, profissionais com mais de três)
sexta-feira, 31 de julho de 2009
quinta-feira, 30 de julho de 2009
O meu sentido-de-aranha
Às vezes eu acho que estou me repetindo nesse blog. Mas talvez não. Talvez ainda não tenha falado do meu sentido-de-aranha. Naturalmente, percebi com a tenra idade de oito anos que o meu destino e o de Peter Parker, o Homem-Aranha dos quadrinhos, estavam unidos por uma singularidade.
Lembro de passar manhãs e tardes de alguns dias das férias mergulhado no mar de gibis que havia dentro de um cofre. A parte de cima do cofre era inacessível em altura e tranca de segredo. Mas ali, por trás da portinhola de aço, na parte de baixo, protegida por uma fechadura simples, havia uma porção de revistas em quadrinhos do Peter Parker. Naquela parte do cofre meu primo escondia ,de mim e dos outros primos, a sua preciosa coleção de revistas em quadrinhos.
Eu era um menino franzino e míope. Catarrento. Asmático. Pés chatos. E perebento. Comparado com a bailarina da música do Chico, eu tinha tudo o que ela não tinha, mais as frieiras, chulé, caspas e verrugas, montes de verrugas. O cofre ficava no laboratório do consultório do meu tio e padrinho Izaías. Ele era dentista prático. Na época, dentista formado morava na capital. E meu tio morava numa cidadezinha, lá no interior da caixa prego. E um dia, um belo dia, meu tio me deu uma cópia da chavinha do cofre.
Mergulhado nas aventuras de Peter Parker descobri em mim o fantástico sentido-de-aranha. Nos quadrinhos, o sentido era uma espécie de vibra-call que alertava o Peter sobre os vilões. Era um aviso dos perigos que se aproximavam.
Só que em mim, o sentido-de-aranha nunca foi um vibra-call. Sempre foi mais um frio na barriga, um zumbido nos ouvidos, uma coceira macabra. Era como um calafrio que me dizia para ficar calado, de vez em quando. Era ele que me recomendava cautela e caldo de galinha quando tinha vontade de mandar alguém implodir. Era físico-mental, uma eletricidade que me congelava o coração. Me ajudou muitas vezes. Me salvou a pele. Sobrevivi a diversos desastres graças ao meu sentido-de-aranha. Mas às vezes, ele falhava, esse sexto sentido.
As falhas começaram na mesma época em que descobri o meu sentido-de-aranha. Ele falhou quando eu ainda era menino, no dia em que um cachorro entrou na frente da minha bicicleta. Quebrei dois dentes. Falhou quando não percebi que Sidão, o professor de Educação Física da sétima série, estava olhando enquanto eu o imitava. Duzentas flexões de braço e quase uma semana sem nem conseguir escovar os dentes, os braços doíam muito. Falhou quando tive que brigar na saída da escola. Uma cicatriz no rosto, sete pontos na cabeça.
Falhou miseravelmente durante a adolescência, quando levei a pior em muitas situações. Falhou quando eu entrei para a universidade e quebraram o meu nariz. Falhou depois que eu me formei e quebrei a cara. Depois disso, aliás, falhou várias e várias vezes.
E é engraçado como é mais fácil lembrar mais dos fracassos do que dos sucessos.
Até que eu achei que tinha perdido o meu sentido-de-aranha.
Até ontem, quando acordei de madrugada, suando frio. Fui até a janela e olhei para todos os lados. Não consegui perceber nada de diferente no horizonte. Mas poucos minutos antes, o meu universo havia se desintegrado enquanto eu estava sob as cobertas. Tomara que tenha sido só um sonho ruim. Tomara que não seja o sentido-de-aranha. Tomara que esse sentido esteja falhando. Tomara que tenha sido apenas um ataque de pânico. Essas coisas acontecem. Ou então estou com uma alergia qualquer, a dipirona sódica, igual ao Bono.
Lembro de passar manhãs e tardes de alguns dias das férias mergulhado no mar de gibis que havia dentro de um cofre. A parte de cima do cofre era inacessível em altura e tranca de segredo. Mas ali, por trás da portinhola de aço, na parte de baixo, protegida por uma fechadura simples, havia uma porção de revistas em quadrinhos do Peter Parker. Naquela parte do cofre meu primo escondia ,de mim e dos outros primos, a sua preciosa coleção de revistas em quadrinhos.
Eu era um menino franzino e míope. Catarrento. Asmático. Pés chatos. E perebento. Comparado com a bailarina da música do Chico, eu tinha tudo o que ela não tinha, mais as frieiras, chulé, caspas e verrugas, montes de verrugas. O cofre ficava no laboratório do consultório do meu tio e padrinho Izaías. Ele era dentista prático. Na época, dentista formado morava na capital. E meu tio morava numa cidadezinha, lá no interior da caixa prego. E um dia, um belo dia, meu tio me deu uma cópia da chavinha do cofre.
Mergulhado nas aventuras de Peter Parker descobri em mim o fantástico sentido-de-aranha. Nos quadrinhos, o sentido era uma espécie de vibra-call que alertava o Peter sobre os vilões. Era um aviso dos perigos que se aproximavam.
Só que em mim, o sentido-de-aranha nunca foi um vibra-call. Sempre foi mais um frio na barriga, um zumbido nos ouvidos, uma coceira macabra. Era como um calafrio que me dizia para ficar calado, de vez em quando. Era ele que me recomendava cautela e caldo de galinha quando tinha vontade de mandar alguém implodir. Era físico-mental, uma eletricidade que me congelava o coração. Me ajudou muitas vezes. Me salvou a pele. Sobrevivi a diversos desastres graças ao meu sentido-de-aranha. Mas às vezes, ele falhava, esse sexto sentido.
As falhas começaram na mesma época em que descobri o meu sentido-de-aranha. Ele falhou quando eu ainda era menino, no dia em que um cachorro entrou na frente da minha bicicleta. Quebrei dois dentes. Falhou quando não percebi que Sidão, o professor de Educação Física da sétima série, estava olhando enquanto eu o imitava. Duzentas flexões de braço e quase uma semana sem nem conseguir escovar os dentes, os braços doíam muito. Falhou quando tive que brigar na saída da escola. Uma cicatriz no rosto, sete pontos na cabeça.
Falhou miseravelmente durante a adolescência, quando levei a pior em muitas situações. Falhou quando eu entrei para a universidade e quebraram o meu nariz. Falhou depois que eu me formei e quebrei a cara. Depois disso, aliás, falhou várias e várias vezes.
E é engraçado como é mais fácil lembrar mais dos fracassos do que dos sucessos.
Até que eu achei que tinha perdido o meu sentido-de-aranha.
Até ontem, quando acordei de madrugada, suando frio. Fui até a janela e olhei para todos os lados. Não consegui perceber nada de diferente no horizonte. Mas poucos minutos antes, o meu universo havia se desintegrado enquanto eu estava sob as cobertas. Tomara que tenha sido só um sonho ruim. Tomara que não seja o sentido-de-aranha. Tomara que esse sentido esteja falhando. Tomara que tenha sido apenas um ataque de pânico. Essas coisas acontecem. Ou então estou com uma alergia qualquer, a dipirona sódica, igual ao Bono.
quarta-feira, 29 de julho de 2009
A volta às aulas e o Careca
A volta às aulas de anteontem não valeu. Minha pequena princesa ficou em casa. Foi porque ela esteve doente, com febre, da quinta-feira passada até o sábado. A dor de ouvido exigiu até antibiótico.
Minha valente guerreira comeu iscas, feito um passarinho, nesses dias de dor de ouvido. E só no domingo voltou a ficar elétrica, como sempre. Agora já passou tudo, passou tudo. Mas o apetite ainda demora. Aí, na segunda-feira, por precaução, nós resolvemos deixar ela de molho no dia da volta às aulas. Assim, no dia da volta às aulas foi só o menino. Ele achou legal, mas sentiu falta da irmã.
Eu não saí de férias, então para mim não fez diferença. Acordei só um pouco mais cedo, para alguns minutos de leitura matinal no banheiro. Encontrei os conhecidos de sempre da escola nem tão alternativa, que é cara pra dedéu. Para mim e as torcidas reunidas, a volta às aulas foi só uma volta à rotina. Mas só até o final da tarde.
Parece que o bicho pegou lá em casa, na hora do jantar, lá pelas seis e meia. Rose, a governanta-cozinheira-babá-estudante-universitária-serviço-social, se disse ultrajada, quase aos prantos, num telefonema.
_As crianças se rebelaram. Elas nem comeram direito –reclamou a Rose para a minha mulher.
A Primeira Dama e Esposa Predileta, imediatamente acionou os serviços da irmã, a Tia Dê, que foi substituir a babá-faxineira-graduanda em dificuldades.
A volta às aulas afeta todo mundo. O trânsito piora. As pessoas voltam a olhar para o relógio o tempo todo. E a tensão aumenta.
As crianças sentem essas coisas no ar e ficam mais ariscas e sensíveis. Os adultos também. Além disso, a educação superior começa a afetar a segurança metodológica da Rose. Ela agora hesita entre as possíveis abordagens a adotar quando as crianças começam a berrar que não querem feijão às seis e meia da tarde.
_Oh! – diz a Rose. Quando antes ela driblava as crianças numa boa.
Quando cheguei em casa, tudo já estava tranqüilo. Agradeci a Tia Dê e depois que ela saiu tentei esclarecer a crise, mas tenho convicção de que jamais alcançarei a verdade. Até porque, não importa.
Mesmo assim, perguntei ao meu filho o que havia acontecido.
_Nada, eu só fiquei contanto piadas – ele me disse, lampeiro e fagueiro.
_É paiê, só piadas. Piu! – disse a menina, toda sabida.
Por via das dúvidas, o vídeo-game está suspenso até comprovação de bom comportamento.
Minha valente guerreira comeu iscas, feito um passarinho, nesses dias de dor de ouvido. E só no domingo voltou a ficar elétrica, como sempre. Agora já passou tudo, passou tudo. Mas o apetite ainda demora. Aí, na segunda-feira, por precaução, nós resolvemos deixar ela de molho no dia da volta às aulas. Assim, no dia da volta às aulas foi só o menino. Ele achou legal, mas sentiu falta da irmã.
Eu não saí de férias, então para mim não fez diferença. Acordei só um pouco mais cedo, para alguns minutos de leitura matinal no banheiro. Encontrei os conhecidos de sempre da escola nem tão alternativa, que é cara pra dedéu. Para mim e as torcidas reunidas, a volta às aulas foi só uma volta à rotina. Mas só até o final da tarde.
Parece que o bicho pegou lá em casa, na hora do jantar, lá pelas seis e meia. Rose, a governanta-cozinheira-babá-estudante-universitária-serviço-social, se disse ultrajada, quase aos prantos, num telefonema.
_As crianças se rebelaram. Elas nem comeram direito –reclamou a Rose para a minha mulher.
A Primeira Dama e Esposa Predileta, imediatamente acionou os serviços da irmã, a Tia Dê, que foi substituir a babá-faxineira-graduanda em dificuldades.
A volta às aulas afeta todo mundo. O trânsito piora. As pessoas voltam a olhar para o relógio o tempo todo. E a tensão aumenta.
As crianças sentem essas coisas no ar e ficam mais ariscas e sensíveis. Os adultos também. Além disso, a educação superior começa a afetar a segurança metodológica da Rose. Ela agora hesita entre as possíveis abordagens a adotar quando as crianças começam a berrar que não querem feijão às seis e meia da tarde.
_Oh! – diz a Rose. Quando antes ela driblava as crianças numa boa.
Quando cheguei em casa, tudo já estava tranqüilo. Agradeci a Tia Dê e depois que ela saiu tentei esclarecer a crise, mas tenho convicção de que jamais alcançarei a verdade. Até porque, não importa.
Mesmo assim, perguntei ao meu filho o que havia acontecido.
_Nada, eu só fiquei contanto piadas – ele me disse, lampeiro e fagueiro.
_É paiê, só piadas. Piu! – disse a menina, toda sabida.
Por via das dúvidas, o vídeo-game está suspenso até comprovação de bom comportamento.
terça-feira, 28 de julho de 2009
Igual a Ahab
Runaway Train, um filme dos anos 80 estrelado por Jon Voight, tem uma cena que não sai da minha cabeça. Voight faz um presidiário que foge da prisão e vai parar num trem, junto com um estuprador(Eric Roberts) e uma improvável mocinha clandestina fugindo de alguma coisa(Rebecca DeMornay). Não lembro direito o que ela faz no filme, mas não tem importância. A cena inesquecível não inclui a Rebecca.
Para mim, o trem de Runaway Train é uma espécie de Moby Dick de metal retorcido, gelado e congelado, que não vai parar até levar você para o abismo infernal. Moby Dick, convenhamos, é das melhores coisas da literatura ocidental. Eu soube de literatos que se ajoelham e recorrem ao silício quando mencionam Moby Dick. Soube que em alguns círculos, o culto a Moby Dick de Melville já extrapolou a auto-flajelação, os incensos e tílbures, e exige rituais mais elaborados, com virgens e eunucos entoando canções à capela, ao fundo. Alguns fissurados usam trajes especiais e só abrem as páginas do livro ao som de línguas mortas acompanhadas por cítaras com “Don´t kill the whale”, do Yes, numa versão em minimug.
Ou seja, para falar dessa cena, eu tenho que dar uma volta por Moby Dick, de Herman Melville e também pela versão cinematográfica de John Houston, de 1956, com roteiro do mestre da ficção científica Ray Bradbury. Richard Basehart, que na TV mais tarde faria o Almirante Nelson de “Viagem ao Fundo do Mar”, está no papel do jovem marujo narrador de Melville. Quequeg, o índio fatalista, é sensacional(todo livro genial tem um índio fatalista). No filme, Gregory Peck faz o melhor e mais terrível Ahab de todos os tempos. O blasfemo, o praguejador, o homem obcecado com uma grande baleia branca.
Mas é aí que está o engano. Os não iniciados lêem o romance de Melville como se fosse apenas a história de uma vingança contra um monstro da natureza. Não é apenas isso, ó minha Kombi de leitores. Depois que eu li pela quinta vez esse maravilhoso livro e vi, pela terceira vez, esse fantástico filme, percebi os motivos que levam tantos homens e mulheres de bem aos limites do culto profano a esta obra. Lá pelo final, Gregory Peck/Ahab irrompe em impropérios contra a baleia e pragueja contra os céus ao arremessar o arpão, furioso, contra o gigantesco cachalote branco. O monstro o arrasta, com o olho maligno aberto, para as profundezas. Preso às cordas no lombo da baleia, com apenas um braço solto, Ahab parece convidar a todos para segui-lo. O único que escapa é o jovem marujo. Mas ali, antes de arremessar o arpão, eu percebi um sorriso no rosto de Ahab. Seria mesmo um sorriso, ou uma careta, um esgar?
Pois na minha cabeça, essa imagem do Ahab também se mistura com a cena inesquecível de Runaway Train. Jon Voight está sobre o trem, a grande velocidade. Neve e gelo por todos os lados. Um oceano de brancura. Faz um frio horroroso. E você vê Voight, o fugitivo, retesar todos os músculos do rosto marcado de cicatrizes. Caramba! É mesmo uma careta e um sorriso, ao mesmo tempo. É a expressão de um homem que segue em frente com uma disposição tão inexorável quanto o seu próprio destino. Ele perdeu. Mas venceu. E o sorriso careta é porque ele sabe que só vencerá se perder. Mas é ele que decide ir até o fim. Só ele. Igual ao Ahab.
segunda-feira, 27 de julho de 2009
Não ponha aspartame no meu café
Em outras plagas se toma chá. Aqui é café. Preto. Forte. E eu prefiro com açúcar. Aliás, eu e todo mundo preferimos com açúcar. Mas alguns não podem. Eu ainda acho que posso. Mas estou começando a duvidar, porque de uns tempos pra cá sempre me perguntam:
_Açúcar ou adoçante?
_Açúcar - eu digo. E aí a pessoa faz cara de surpresa e diz “oh”!
_Açúcar ou adoçante?- a pessoa insiste, mais alto, com a convicção de que eu não escuto bem.
_Açúcar – eu repito. E a pessoa faz aquela cara de “o-surdo-quer-morrer-o-problema-é-dele” e libera um envelopinho de açúcar. Um só. Dos pequenos.
Antes não era assim. Não, senhor.
As pessoas nem perguntavam. Olhavam para mim e a minha careca ainda nascente e traziam o café e os envelopinhos com açúcar. Havia inclusive algumas ocasiões em que eu dava bronca.
_Garçom, que coisa marrom é essa aqui?
_É açúcar mascavo, doutor!
_Ah, bom! Mas parecia rapadura ralada.
Agora querem me empurrar o aspartame. Às vezes me distraio e misturo esse adoçante diaraque. O arrependimento é instantâneo. É uma droga esse aspartame. Sempre deixa um gosto azedo no final, bem no fundo da boca. E o gosto ruim não passa fácil. Então, prefiro açúcar. Mesmo que as minhas veias já não sejam mais as mesmas.
_Você está ficando barrigudo, Careca! – diz a minha consciência.
_Quiéisso! Estou em forma! – eu falo para mim mesmo.
_De pêra! Está em forma de pêra! Ou então de barril! – ela insiste.
_Eu vou voltar a malhar! – eu digo para a minha consciência.
_Voltar? Você não malha nem o Judas, Careca!
_Malho. Malho. Malho muito.
_Nem governo, Careca! Ultimamente, nem governo você tem malhado – reclama a minha consciência.
E é verdade. Tenho que dar o braço a torcer. Ando meio com preguiça de malhar. Até governo. Para se ter uma idéia, nem senador eu tenho malhado. Mas desde que não coloquem aspartame no meu café!
_Açúcar ou adoçante?
_Açúcar - eu digo. E aí a pessoa faz cara de surpresa e diz “oh”!
_Açúcar ou adoçante?- a pessoa insiste, mais alto, com a convicção de que eu não escuto bem.
_Açúcar – eu repito. E a pessoa faz aquela cara de “o-surdo-quer-morrer-o-problema-é-dele” e libera um envelopinho de açúcar. Um só. Dos pequenos.
Antes não era assim. Não, senhor.
As pessoas nem perguntavam. Olhavam para mim e a minha careca ainda nascente e traziam o café e os envelopinhos com açúcar. Havia inclusive algumas ocasiões em que eu dava bronca.
_Garçom, que coisa marrom é essa aqui?
_É açúcar mascavo, doutor!
_Ah, bom! Mas parecia rapadura ralada.
Agora querem me empurrar o aspartame. Às vezes me distraio e misturo esse adoçante diaraque. O arrependimento é instantâneo. É uma droga esse aspartame. Sempre deixa um gosto azedo no final, bem no fundo da boca. E o gosto ruim não passa fácil. Então, prefiro açúcar. Mesmo que as minhas veias já não sejam mais as mesmas.
_Você está ficando barrigudo, Careca! – diz a minha consciência.
_Quiéisso! Estou em forma! – eu falo para mim mesmo.
_De pêra! Está em forma de pêra! Ou então de barril! – ela insiste.
_Eu vou voltar a malhar! – eu digo para a minha consciência.
_Voltar? Você não malha nem o Judas, Careca!
_Malho. Malho. Malho muito.
_Nem governo, Careca! Ultimamente, nem governo você tem malhado – reclama a minha consciência.
E é verdade. Tenho que dar o braço a torcer. Ando meio com preguiça de malhar. Até governo. Para se ter uma idéia, nem senador eu tenho malhado. Mas desde que não coloquem aspartame no meu café!
domingo, 26 de julho de 2009
Uma longa tira de desenhos
Numa dessas andanças pela Internet, aprendi a fazer uma longa tira de papel a partir de uma folha A4 qualquer. É uma tira sanfonada. Com esse papel e minha imaginação limitada, desenhei uma girafa com um longo pescoço sanfonado. Depois desenhei uma cobra com muitas curvas. Também fiz um coqueiro muito comprido. E um prédio muito, muito cheio de andares e janelas. Depois fiz uma escada. Bem comprida.
E com essa sanfoninha minha filha passa uma hora a desenhar. E eu vou conferir.
_O que é que você tanto desenha?
_Gelatinas! - ela responde.
Ela fez uma longa tira de gelatinas, muito coloridas.
E com essa sanfoninha minha filha passa uma hora a desenhar. E eu vou conferir.
_O que é que você tanto desenha?
_Gelatinas! - ela responde.
Ela fez uma longa tira de gelatinas, muito coloridas.
sábado, 25 de julho de 2009
O aniversário da minha irmã
É aniversário da minha irmã mais velha, neste domingo. Naturalmente, não me lembrei de comprar presente. Eu nunca lembro. Quer dizer, eu sempre lembro com grande antecedência e depois vou adiando, adiando, até que me esqueço e só me lembro na véspera ou no próprio dia do aniversário. O que não é a mesma coisa que esquecer. Uma vez cunhei um termo técnico para isso. Como é mesmo o nome desse fenômeno? É mesmo muito comum. Chega a acontecer muitas vezes comigo e até no mesmo dia.
Sim, eu sei, o resultado é igual. Todo mundo leva uma lembrança e eu, o Mano Mané, chego de mãos abanando. Mas, veja bem. Eu realmente me lembro de todos os aniversários da família. Tenho isso anotado em algum lugar. É uma lista bem feita, manuscrita. Preferi escrever a mão, que a minha memória é bem visual, até hoje lembro de uma revista que tinha a Matilde Mastrangi na capa. Também não sei mais quem é ela, mas lembro das fotos dela numa revista. Os cabelos curtos. Fevereiro de 1984.
Encontrei. A minha lista. Estava bem aqui, na gaveta da mesinha do computador. Tenho todos os aniversários da família e de alguns amigos anotados nessa folha de papel. Caprichei na letra. Usei uma caneta gel, preta, Uniball Vision Elite. Tenho certeza absoluta. Até porque costumo usar essa caneta para anotações a mão e é ela que fica de plantão na mesinha do computador. Está aqui agora. Confirmei na lista. É neste domingo.
Penso num monte de desculpas. Penso num monte de flores. Mas aqui nessa cidade as floriculturas não costumam abrir aos domingos. Seres humanos desesperados muitas vezes são obrigados a ir até ao Campo da Esperança, o cemitério da cidade, para comprar umas flores de última hora. Prefiro não fazer mais isso. Levar flores com cheiro de “Descanse em paz” para aniversário não é legal. E depois do episódio com os jornais do meu vizinho, é melhor não correr riscos desnecessários. Afinal, toda família tem seus melindres.
O melhor é dizer a verdade. Pois é. Não foi esquecimento. Eu chamo esse fenômeno de procastinação relativizada. Isso não diminui, nem um pouco, o mico de chegar no aniversário de mãos abanando. Mas para que serve um vocabulário de mais de 4 mil palavras se você não usa os poucos verbos e substantivos que você sabe?
Sim, eu sei, o resultado é igual. Todo mundo leva uma lembrança e eu, o Mano Mané, chego de mãos abanando. Mas, veja bem. Eu realmente me lembro de todos os aniversários da família. Tenho isso anotado em algum lugar. É uma lista bem feita, manuscrita. Preferi escrever a mão, que a minha memória é bem visual, até hoje lembro de uma revista que tinha a Matilde Mastrangi na capa. Também não sei mais quem é ela, mas lembro das fotos dela numa revista. Os cabelos curtos. Fevereiro de 1984.
Encontrei. A minha lista. Estava bem aqui, na gaveta da mesinha do computador. Tenho todos os aniversários da família e de alguns amigos anotados nessa folha de papel. Caprichei na letra. Usei uma caneta gel, preta, Uniball Vision Elite. Tenho certeza absoluta. Até porque costumo usar essa caneta para anotações a mão e é ela que fica de plantão na mesinha do computador. Está aqui agora. Confirmei na lista. É neste domingo.
Penso num monte de desculpas. Penso num monte de flores. Mas aqui nessa cidade as floriculturas não costumam abrir aos domingos. Seres humanos desesperados muitas vezes são obrigados a ir até ao Campo da Esperança, o cemitério da cidade, para comprar umas flores de última hora. Prefiro não fazer mais isso. Levar flores com cheiro de “Descanse em paz” para aniversário não é legal. E depois do episódio com os jornais do meu vizinho, é melhor não correr riscos desnecessários. Afinal, toda família tem seus melindres.
O melhor é dizer a verdade. Pois é. Não foi esquecimento. Eu chamo esse fenômeno de procastinação relativizada. Isso não diminui, nem um pouco, o mico de chegar no aniversário de mãos abanando. Mas para que serve um vocabulário de mais de 4 mil palavras se você não usa os poucos verbos e substantivos que você sabe?
sexta-feira, 24 de julho de 2009
As coisas funcionam
Carta para a Mag-lite
Prezados Senhores,
Gostaria de congratulá-los pela fabricação desse excelente produto. Possuo duas MagLites (uma pequena Solitaire e uma grande) e sempre estive satisfeito com o que elas me oferecem, especialmente a Solitaire, que me acompanha há 10 anos. Não sou um tolo para achar que uma lanterna serve apenas para iluminar um ambiente. As Mag-Lites fazem mais do que isso, como vocês devem saber muito bem. Além de prover uma iluminação portátil e eficiente, com uma luz de intensa clareza e beleza, as Mags que possuo sempre me transmitiram a sensação de estar iluminando um ambiente com grande segurança, intensidade, conforto e estilo. Mas, hoje, a pequena Solitaire também participa freqüentemente da minha vida familiar.
Tenho dois filhos (uma menina de 4 e um menino de 6 anos) e a principal brincadeira depois de ler uma história antes de dormir consiste em desligar a luz e brincar de sombras nas paredes do quarto. A iluminação, não preciso dizer, vem da Mag-Lite Solitaire. O sistema de ajuste do facho de luz, que permite regular a intensidade do belo jato luminiscente da lanterna é especialmente divertido nessa hora.
O ponto luminoso pode ser a pupila do olho de um dinossauro. O largo círculo de luz, com suas franjas esbranquiçadas, parece a íris gigantesca de um ogro que nos olha do teto. A seguir, as sombras dos bichos que conseguimos fazer com a ajuda da Solitaire nos levam da África para a Ásia, e depois nos trazem de volta para casa. A pequena Solitaire e seu cordão de chaveiro nos ajudam a voltar em segurança, pendurados no bico do pássaro Roca.
As duas lanternas já nos auxiliaram em diversas situações, sendo a mais corriqueira a falta de luz no bairro em que vivo. Mas, efetivamente, a lembrança da brincadeira de luz e sombra com as crianças será sempre a mais forte ligação entre a marca Mag-Lite e a minha família. Por gostar tanto da pequena Solitaire e pelo que ela representa para mim e meus filhos, gostaria perguntar a vocês se é possível comprar somente a lâmpada dessa lanterna. A lâmpada original se queimou e a lâmpada-estepe embutida na rosca da Solitaire está sendo utilizada há dois anos.
Agradeço a atenção.
Continuem com o ótimo trabalho de vocês.
CARECA
No mesmo dia, recebi a resposta da matriz americana da Mag-lite, indicando o endereço eletrônico e o físico para correspondência com um representante nacional.
Vinte e quatro horas depois eu recebi uma resposta muito atenciosa do representante nacional das Lanternas Mag-lite, a Victorinox.
Pô, eu queria que as coisas do meu país também funcionassem assim, de bate-pronto.
Prezados Senhores,
Gostaria de congratulá-los pela fabricação desse excelente produto. Possuo duas MagLites (uma pequena Solitaire e uma grande) e sempre estive satisfeito com o que elas me oferecem, especialmente a Solitaire, que me acompanha há 10 anos. Não sou um tolo para achar que uma lanterna serve apenas para iluminar um ambiente. As Mag-Lites fazem mais do que isso, como vocês devem saber muito bem. Além de prover uma iluminação portátil e eficiente, com uma luz de intensa clareza e beleza, as Mags que possuo sempre me transmitiram a sensação de estar iluminando um ambiente com grande segurança, intensidade, conforto e estilo. Mas, hoje, a pequena Solitaire também participa freqüentemente da minha vida familiar.
Tenho dois filhos (uma menina de 4 e um menino de 6 anos) e a principal brincadeira depois de ler uma história antes de dormir consiste em desligar a luz e brincar de sombras nas paredes do quarto. A iluminação, não preciso dizer, vem da Mag-Lite Solitaire. O sistema de ajuste do facho de luz, que permite regular a intensidade do belo jato luminiscente da lanterna é especialmente divertido nessa hora.
O ponto luminoso pode ser a pupila do olho de um dinossauro. O largo círculo de luz, com suas franjas esbranquiçadas, parece a íris gigantesca de um ogro que nos olha do teto. A seguir, as sombras dos bichos que conseguimos fazer com a ajuda da Solitaire nos levam da África para a Ásia, e depois nos trazem de volta para casa. A pequena Solitaire e seu cordão de chaveiro nos ajudam a voltar em segurança, pendurados no bico do pássaro Roca.
As duas lanternas já nos auxiliaram em diversas situações, sendo a mais corriqueira a falta de luz no bairro em que vivo. Mas, efetivamente, a lembrança da brincadeira de luz e sombra com as crianças será sempre a mais forte ligação entre a marca Mag-Lite e a minha família. Por gostar tanto da pequena Solitaire e pelo que ela representa para mim e meus filhos, gostaria perguntar a vocês se é possível comprar somente a lâmpada dessa lanterna. A lâmpada original se queimou e a lâmpada-estepe embutida na rosca da Solitaire está sendo utilizada há dois anos.
Agradeço a atenção.
Continuem com o ótimo trabalho de vocês.
CARECA
No mesmo dia, recebi a resposta da matriz americana da Mag-lite, indicando o endereço eletrônico e o físico para correspondência com um representante nacional.
Vinte e quatro horas depois eu recebi uma resposta muito atenciosa do representante nacional das Lanternas Mag-lite, a Victorinox.
Pô, eu queria que as coisas do meu país também funcionassem assim, de bate-pronto.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
O Careca e a pílula dourada do Patolino
Muita gente faz um esforço extraordinário para que uma coisa simples pareça extremamente difícil e complicada.
Eu também.
Eu procuro dourar a minha pílula ao máximo. Se eu não fizer isso, ninguém fará por mim. É lógico que me sinto um chato, dourando a minha própria pílula. Enchendo a minha própria bola. Inflando a minha linguiça. Puxando a brasa para a minha sardinha. Fazendo a minha marola. Pegando a castanha com a mão do gato.
Na minha cabeça, fico parecendo o Patolino. Sabe aquele pato preto, que tem inveja do Pernalonga? Pois então. Às vezes eu me sinto como o Patolino, sapateando e depois pulando do trampolim dentro de um copo dágua. Dali de dentro vejo os Pernalongas, sorridentes e tranquilos, mais valorizados e levando a melhor.
Muitas vezes eu torço contra o Pernalonga e o Bip-bip(aquele avestruz psicodélico super-veloz que enlouquece um lobo no deserto). Mas eles sempre vencem. Os dois são criações de roteiristas velhacos.
Sim, senhor. Às vezes eu acho que o gigantesco complô anti-Careca realmente existe e que só falta um minuto para que ele aconteça. Às vezes eu olho para o lado e imagino que daí a pouco dezenas de paraquedistas descerão dos helicópteros e me cercarão, as metralhadoras automáticas apontadas para a minha barriga. Sou um alvo fácil demais, eu penso. As forças ocultas e misteriosas que já vitimaram figuras históricas também agem contra mim.
Mas passa depressa.
Eu também.
Eu procuro dourar a minha pílula ao máximo. Se eu não fizer isso, ninguém fará por mim. É lógico que me sinto um chato, dourando a minha própria pílula. Enchendo a minha própria bola. Inflando a minha linguiça. Puxando a brasa para a minha sardinha. Fazendo a minha marola. Pegando a castanha com a mão do gato.
Na minha cabeça, fico parecendo o Patolino. Sabe aquele pato preto, que tem inveja do Pernalonga? Pois então. Às vezes eu me sinto como o Patolino, sapateando e depois pulando do trampolim dentro de um copo dágua. Dali de dentro vejo os Pernalongas, sorridentes e tranquilos, mais valorizados e levando a melhor.
Muitas vezes eu torço contra o Pernalonga e o Bip-bip(aquele avestruz psicodélico super-veloz que enlouquece um lobo no deserto). Mas eles sempre vencem. Os dois são criações de roteiristas velhacos.
Sim, senhor. Às vezes eu acho que o gigantesco complô anti-Careca realmente existe e que só falta um minuto para que ele aconteça. Às vezes eu olho para o lado e imagino que daí a pouco dezenas de paraquedistas descerão dos helicópteros e me cercarão, as metralhadoras automáticas apontadas para a minha barriga. Sou um alvo fácil demais, eu penso. As forças ocultas e misteriosas que já vitimaram figuras históricas também agem contra mim.
Mas passa depressa.
quarta-feira, 22 de julho de 2009
Os belos lustres daqui de casa
Minha mulher escolheu belos lustres aqui pra casa. E também já instalamos os rodapés. Eles não são de madeira. Parecem à beça com os de madeira, mas não são. São de uma espécie de plástico. Uma máquina enorme e barulhenta instalou todos os rodapés numa tarde dessas. A máquina parecia daquelas máquinas que fazem rosca em PVC. Era verde. Fez um barulho infernal, mas eu não estava em casa.
Com essas duas coisas, terminou a reforma. Quando começou, parecia que não ia ter mais fim. Mas acabou bem antes do meu pessimismo admitir.
E agora eu estou na varanda, onde montei uma nova mesa de trabalho, super bonita. E eu olho para os lustres, que são lindos. Quer dizer, não são lustres. São luminárias. Têm o formato de uma mesa de dois pés, de cabeça para baixo. E iluminam bem. Mas não são lustres, eu acho.
Aí eu reparo na mesinha. Tem uma mesinha aqui em casa que, na verdade, é uma espécie de um mistura de um revisteiro com um carrinho de bebidas. Tem rodinhas, essa coisa. E embaixo dela tinha um monte de jornais. Eu só compro jornal na quinta-feira. Então presumi que os jornais eram do vizinho de frente, que está viajando.
_Mulher, você pegou os jornais do vizinho? - eu pergunto, só para puxar conversa.
_Ele está viajando. E a pilha estava tão grande que não dava para abrir a porta do elevador.
_Hum, hum. Sei. Mas os jornais são dele.
_Depois a gente devolve.
_Mas ele vai achar que eu peguei para ler.
_Então não devolve.
_Aí, é pior. Ele vai achar que eu roubei mesmo.
_Deixa disso. É só devolver.
_Não senhora. Vai parecer que eu fico roubando jornal o vizinho.
_Não seja bobo. Não é você que vive dizendo que jornal velho só serve para embrulhar peixe.
_Eu digo isso a você e não ao vizinho. Vai ver, ele nem conhece esse dito.
_Até parece!
_Já posso ver ele conversando com o porteiro. Comentando com os outros vizinhos, com as empregadas e babás. Falando que eu sou um "careca e ladrão de jornais".
_Ai, Careca, não complica. Os jornais estavam entulhando o corredor. Não dava para abrir a porta do elevador. Eu peguei e coloquei aqui em casa, em segurança. Ninguém mexeu nos jornais.
_ Ah, mas vai parecer que isso tudo é desculpa. E das mais furadas. É melhor prevenir do que remediar. Vou lá devolver tudo, agora mesmo.
E é lógico que assim que abri a porta, com o monte de jornais nas mãos, o elevador chegou com o vizinho de volta das férias.
Com essas duas coisas, terminou a reforma. Quando começou, parecia que não ia ter mais fim. Mas acabou bem antes do meu pessimismo admitir.
E agora eu estou na varanda, onde montei uma nova mesa de trabalho, super bonita. E eu olho para os lustres, que são lindos. Quer dizer, não são lustres. São luminárias. Têm o formato de uma mesa de dois pés, de cabeça para baixo. E iluminam bem. Mas não são lustres, eu acho.
Aí eu reparo na mesinha. Tem uma mesinha aqui em casa que, na verdade, é uma espécie de um mistura de um revisteiro com um carrinho de bebidas. Tem rodinhas, essa coisa. E embaixo dela tinha um monte de jornais. Eu só compro jornal na quinta-feira. Então presumi que os jornais eram do vizinho de frente, que está viajando.
_Mulher, você pegou os jornais do vizinho? - eu pergunto, só para puxar conversa.
_Ele está viajando. E a pilha estava tão grande que não dava para abrir a porta do elevador.
_Hum, hum. Sei. Mas os jornais são dele.
_Depois a gente devolve.
_Mas ele vai achar que eu peguei para ler.
_Então não devolve.
_Aí, é pior. Ele vai achar que eu roubei mesmo.
_Deixa disso. É só devolver.
_Não senhora. Vai parecer que eu fico roubando jornal o vizinho.
_Não seja bobo. Não é você que vive dizendo que jornal velho só serve para embrulhar peixe.
_Eu digo isso a você e não ao vizinho. Vai ver, ele nem conhece esse dito.
_Até parece!
_Já posso ver ele conversando com o porteiro. Comentando com os outros vizinhos, com as empregadas e babás. Falando que eu sou um "careca e ladrão de jornais".
_Ai, Careca, não complica. Os jornais estavam entulhando o corredor. Não dava para abrir a porta do elevador. Eu peguei e coloquei aqui em casa, em segurança. Ninguém mexeu nos jornais.
_ Ah, mas vai parecer que isso tudo é desculpa. E das mais furadas. É melhor prevenir do que remediar. Vou lá devolver tudo, agora mesmo.
E é lógico que assim que abri a porta, com o monte de jornais nas mãos, o elevador chegou com o vizinho de volta das férias.
terça-feira, 21 de julho de 2009
O plano
Meu filho e minha filha, seis e quatro anos respectivamente, estavam me esperando na porta do apartamento. É sinal de que estão tramando alguma coisa.
_Qual é o plano? - eu pergunto aos dois.
_Vamos esperar a mamãe chegar para dormir - eles dizem, juntos. Ensaiados. Planejaram cuidadosamente todos os passos. O plano é não fazer nada até a mãe chegar da universidade, onde leciona.
-Ótimo! É uma idéia excelente. Mas primeiro vamos jantar - eu digo.
_Mas paiê, vamos esperar a mamãe.
_Claro que vamos. Mas primeiro vamos jantar, que senão a barriga dói.
E depois do jantar, eu digo:
_Agora vamos escovar os dentes.
_Mas pai, nós vamos esperar a mamãe.
_Sim, isso mesmo. Vamos esperar de dentes limpos. É muito melhor.
_Ah, pai.
_E depois vamos colocar o pijama.
_Mas paiê, vamos...
_Sim, vamos esperar. Mas já vamos esperar de pijama, que fica mais fácil para dormir, depois.
E foi assim.
Eu os convenci a esperar já deitados. E depois, no meio da leitura de uma das histórias, eles dormiram.
Esta é a última semana de férias das crianças. Caramba, como passa rápido!
_Qual é o plano? - eu pergunto aos dois.
_Vamos esperar a mamãe chegar para dormir - eles dizem, juntos. Ensaiados. Planejaram cuidadosamente todos os passos. O plano é não fazer nada até a mãe chegar da universidade, onde leciona.
-Ótimo! É uma idéia excelente. Mas primeiro vamos jantar - eu digo.
_Mas paiê, vamos esperar a mamãe.
_Claro que vamos. Mas primeiro vamos jantar, que senão a barriga dói.
E depois do jantar, eu digo:
_Agora vamos escovar os dentes.
_Mas pai, nós vamos esperar a mamãe.
_Sim, isso mesmo. Vamos esperar de dentes limpos. É muito melhor.
_Ah, pai.
_E depois vamos colocar o pijama.
_Mas paiê, vamos...
_Sim, vamos esperar. Mas já vamos esperar de pijama, que fica mais fácil para dormir, depois.
E foi assim.
Eu os convenci a esperar já deitados. E depois, no meio da leitura de uma das histórias, eles dormiram.
Esta é a última semana de férias das crianças. Caramba, como passa rápido!
segunda-feira, 20 de julho de 2009
O Careca também queria ir à lua
O Careca é um lunático, tal como descrito por Cyrano de Bergerac, numa de suas maravilhosas declamações. O Careca é um pirado. Mas não é tão maluco quanto os caras que dizem que aquele "grande passo para a humanidade" nunca foi dado, que tudo não passou de invenção dos gringos.
Os caras foram lá, meu irmão. Hastearam a bandeira. Acamparam. Dizem até que fizeram xixi numa cratera, só para marcar território. E eu também queria ter ido. Simplesmente porque eu achava que nos dias de hoje isso já seria possível. Mas eu não era o único. Só pra citar alguém, Stanley Kubrick, com 2001, também achava que isso seria uma banalidade.
Viajar pelo espaço não tem o mesmo glamour, para dizer o mínimo. Para as mulheres, não tem a liberação afrodisíaca de Barbarella, elas já se liberaram. Para os homens, acabou-se a fantasia de descobertas mirabolantes , à Marco Polo. Para homens e mulheres, a mística espacial se dissipou no cipoal de informações das sondas espaciais, dos telescópios longínquos e nos estilingues keplerianos. O espaço é árido demais. É infinito demais em sua infinitude. Com extrema sorte, quem sabe, esbarramos numa bactéria inteligente, antes que a Terra esquente demais.
Aliás, acho que esse planeta já se cansou da humanidade. É por isso que está cada vez mais tórrido.
Sim, eu queria ter ido à lua se isso fosse possível. Nesse caso, certamente, eu iria à lua de classe econômica, numa excursão de muita gente, aproveitando uma queda no dólar. Dividiriaem dez vezes, no cartão, aproveitando umas milhagens e pontos.
Embarcaria, provavelmente, numa nave russa ou chinesa, que esquentaria muito na reentrada. O serviço de bordo deixaria a desejar e os americanos e alemães já teriam ficado com os melhores quartos, nos melhores hotéis, nas melhores crateras. Mas eu iria, sim. E lá, eu iria procurar pelos manos brazucas, que estariam reunidos e dando pulinhos, com os atabaques e pandeiros espaciais. É, minha gente, lá fora, no estrangeiro lunar, eu levaria minha caixinha de fósforo, só para fazer, bem de leve, a minha participação na percussão.
E quando ninguém estivesse olhando, com muito cuidado, também deixaria na areia da lua a marca da minha mão.
Os caras foram lá, meu irmão. Hastearam a bandeira. Acamparam. Dizem até que fizeram xixi numa cratera, só para marcar território. E eu também queria ter ido. Simplesmente porque eu achava que nos dias de hoje isso já seria possível. Mas eu não era o único. Só pra citar alguém, Stanley Kubrick, com 2001, também achava que isso seria uma banalidade.
Viajar pelo espaço não tem o mesmo glamour, para dizer o mínimo. Para as mulheres, não tem a liberação afrodisíaca de Barbarella, elas já se liberaram. Para os homens, acabou-se a fantasia de descobertas mirabolantes , à Marco Polo. Para homens e mulheres, a mística espacial se dissipou no cipoal de informações das sondas espaciais, dos telescópios longínquos e nos estilingues keplerianos. O espaço é árido demais. É infinito demais em sua infinitude. Com extrema sorte, quem sabe, esbarramos numa bactéria inteligente, antes que a Terra esquente demais.
Aliás, acho que esse planeta já se cansou da humanidade. É por isso que está cada vez mais tórrido.
Sim, eu queria ter ido à lua se isso fosse possível. Nesse caso, certamente, eu iria à lua de classe econômica, numa excursão de muita gente, aproveitando uma queda no dólar. Dividiriaem dez vezes, no cartão, aproveitando umas milhagens e pontos.
Embarcaria, provavelmente, numa nave russa ou chinesa, que esquentaria muito na reentrada. O serviço de bordo deixaria a desejar e os americanos e alemães já teriam ficado com os melhores quartos, nos melhores hotéis, nas melhores crateras. Mas eu iria, sim. E lá, eu iria procurar pelos manos brazucas, que estariam reunidos e dando pulinhos, com os atabaques e pandeiros espaciais. É, minha gente, lá fora, no estrangeiro lunar, eu levaria minha caixinha de fósforo, só para fazer, bem de leve, a minha participação na percussão.
E quando ninguém estivesse olhando, com muito cuidado, também deixaria na areia da lua a marca da minha mão.
domingo, 19 de julho de 2009
O clima global
Não sei vocês, mas eu, de vez em quando, me dá uma descrença de tudo e a coisa baixa o astral. É só começar a ver aqueles programas de TV sobre o derretimento da calota polar, do aquecimento global, que começa a me dar uma leseira. E aí eu olho as noticias da gripe suína, também me dá uma paúra danada. Então eu procuro um livro na estante, é para isso que eu tenho uma estante. E aí eu encontro aquele livro que e queria tanto ter encontrado há duas semanas. Mas nem tenho mais vontade de ler.
sábado, 18 de julho de 2009
Quinhentos gigabites
Comprei hoje um hard-disk portátil de 500 GB. É do tamanho de uma carteira de cigarros. Nunca tinha pensado que um dia poderia ter tanta quantidade de informação disponível no bolso. É muito mais do que andar com a Biblioteca de Alexandria no bolso. E muito menos.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Mendigar não é mais crime
Foi publicada hoje a Lei 11.983. Em seu artigo primeiro ela diz:
"É revogado o art. 60 do Decreto-Lei no 3.688, de 3 de outubro de 1941 - Lei de Contravenções Penais. "
O tal artigo dizia o seguinte:
Art. 60. Mendigar, por ociosidade ou cupidez:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.
Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um sexto a um terço, se a contravenção é praticada:
a) de modo vexatório, ameaçador ou fraudulento.
b) mediante simulação de moléstia ou deformidade;
c) em companhia de alienado ou de menor de dezoito anos.
"É revogado o art. 60 do Decreto-Lei no 3.688, de 3 de outubro de 1941 - Lei de Contravenções Penais. "
O tal artigo dizia o seguinte:
Art. 60. Mendigar, por ociosidade ou cupidez:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.
Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um sexto a um terço, se a contravenção é praticada:
a) de modo vexatório, ameaçador ou fraudulento.
b) mediante simulação de moléstia ou deformidade;
c) em companhia de alienado ou de menor de dezoito anos.
quinta-feira, 16 de julho de 2009
Nossos canalhas e o canibalismo
Até mesmo nossos melhores canalhas choram. Já reparou? Por isso, aqui vai um trecho de um dos melhores poemas. É o canto oitavo do I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias. É a parte que o velho guerreiro, pai do Tupi chorão, o amaldiçoa.
I-Juca-Pirama
VIII
"Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
"Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
"Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
"Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."
Depois, no final do poema, o Tupi chorão acaba provando que possui valentia.
Mas não sei, não. Sempre achei o final meio remendão. Acho que os Aimorés piscaram o olho e cruzaram os dedos. E decidiram comer uns pedaços assados do guerreiro chorão, só de piedade e em respeito ao pai Tupi, que teve a decência de levar o filho para ser devorado, como se devia. Vai ver, sobrou um tantão de cozido daquele Tupi canalha. Não valia um canapé.
Hoje em dia, na terra tupiniquim, os Aimorés deixariam passar pais, filhos, netos e apaniguados de um monte de gente. Diriam assim:
"— Mentiste, que um Tupi não chora nunca,
E tu choraste!... parte; não queremos
Com carne vil enfraquecer os fortes. "
Mas acho que nossos melhores guerreiros canibais já se aposentaram ou então aderiram ao vegetarianismo mais verde, covarde e pusilânime.
I-Juca-Pirama
VIII
"Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
"Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
"Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
"Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d’argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."
Depois, no final do poema, o Tupi chorão acaba provando que possui valentia.
Mas não sei, não. Sempre achei o final meio remendão. Acho que os Aimorés piscaram o olho e cruzaram os dedos. E decidiram comer uns pedaços assados do guerreiro chorão, só de piedade e em respeito ao pai Tupi, que teve a decência de levar o filho para ser devorado, como se devia. Vai ver, sobrou um tantão de cozido daquele Tupi canalha. Não valia um canapé.
Hoje em dia, na terra tupiniquim, os Aimorés deixariam passar pais, filhos, netos e apaniguados de um monte de gente. Diriam assim:
"— Mentiste, que um Tupi não chora nunca,
E tu choraste!... parte; não queremos
Com carne vil enfraquecer os fortes. "
Mas acho que nossos melhores guerreiros canibais já se aposentaram ou então aderiram ao vegetarianismo mais verde, covarde e pusilânime.
quarta-feira, 15 de julho de 2009
No meio do caminho havia um Careca
Acho que tenho cara de "passagem".
Isso sempre acontece comigo. Já reparei. Em geral é mega-sena acumulada. Lá estou eu na fila, junto com trezentos outros esperançosos. A fila é longa, daquelas de fazer curvas. Como sempre acontece, estou na fila quando o boy daquela repartição leva um bolo de jogos dos colegas do trabalho. Também estou na fila quando alguém resolve pagar adiantado as contribuições sociais, pagar as contas do mês.
Essas coisas embolam a fila. Que acaba entrando no meio do caminho das pessoas. Então eu fico ali, na perpendicular de um caminho, no cruzamento de uma linha horizontal imaginária. Ali estou eu, no centro do xis. E é na minha frente que todo mundo vem passar.
Não é sacanagem. A fila anda alguns centímetros e mesmo assim continuo no xis do eixo imaginário dos passantes. Está devagar pra caramba. E eu sou a passagem. Penso então que é porque estou fazendo contato visual. As pessoas quando querem passar por um local procuram fazer contato visual, para se sentir seguras. Faço cara de paisagem. Olho sem foco para o infinito.
Não adianta. Todo mundo só passa por mim. Ando um metro e a coisa não se modifica. Coloco as mãos nos bolso. Assobio. Nada. Eu sou uma espécie de porta humana. Uma brecha na fila. Podem ser ferormônios. Sei lá. Olho para baixo. Fico pensando em luta de jiu-jitsu. Faço cara de mau. Nada funciona.
Será a minha careca? Será que ela é uma referência segura de passagem? Tento pensar como um transeunte qualquer. Eu evitaria cruzar uma fila no careca de terno e gravata. Carecas são muito enfezados. Faço cara de bad boy. Cruzo os braços. Não funciona. Eu sou uma espécie de guardião da vereda maneira. Se eu dissesse "passe por aqui" era bem capaz de obter o efeito inverso. Mas um guarda do shopping, pois estou no shopping, parece que adivinha o meu pensamento e se aproxima da fila.
_Xii - eu penso.
A proximidade do guarda aumenta a sensação de segurança dos transeuntes, só pode ser. O fluxo de pessoas que passam pela fila, exatamente onde estou, aumenta vertiginosamente. Felizmente, o guarda se afasta. O fluxo de pessoas diminui um pouco. A fila é uma enguia que se move muito lentamente. Ando mais um pouco. Em dez minutos mais meio metro. E mais meio. E mesmo assim, só passam por mim. Estou na boca do caixa e vem um sujeito querendo atravessar. É a minha vez e um sujeito se esgueira à minha frente e fala para a caixa:
_Moça, como é que eu faço? Paguei uma conta aqui, mas continua constando que não paguei.
_Leva o comprovante para uma agência que fica ok.
_Tem certeza?
_Claro.
Finalmente, é a minha vez. Consigo fazer a minha aposta. Olho para a fila e ali está ela, incólume. Ninguém atravessa a fila. Os passantes, todos eles, desviam da fila.
_Caramba! - eu penso. Caramba!
E quando estou quase chegando à escada rolante, onde já existe um pequena fila, uma manada de gente apressada cruza a minha frente. E só então eu entendo aquele poema do Drummond.
Isso sempre acontece comigo. Já reparei. Em geral é mega-sena acumulada. Lá estou eu na fila, junto com trezentos outros esperançosos. A fila é longa, daquelas de fazer curvas. Como sempre acontece, estou na fila quando o boy daquela repartição leva um bolo de jogos dos colegas do trabalho. Também estou na fila quando alguém resolve pagar adiantado as contribuições sociais, pagar as contas do mês.
Essas coisas embolam a fila. Que acaba entrando no meio do caminho das pessoas. Então eu fico ali, na perpendicular de um caminho, no cruzamento de uma linha horizontal imaginária. Ali estou eu, no centro do xis. E é na minha frente que todo mundo vem passar.
Não é sacanagem. A fila anda alguns centímetros e mesmo assim continuo no xis do eixo imaginário dos passantes. Está devagar pra caramba. E eu sou a passagem. Penso então que é porque estou fazendo contato visual. As pessoas quando querem passar por um local procuram fazer contato visual, para se sentir seguras. Faço cara de paisagem. Olho sem foco para o infinito.
Não adianta. Todo mundo só passa por mim. Ando um metro e a coisa não se modifica. Coloco as mãos nos bolso. Assobio. Nada. Eu sou uma espécie de porta humana. Uma brecha na fila. Podem ser ferormônios. Sei lá. Olho para baixo. Fico pensando em luta de jiu-jitsu. Faço cara de mau. Nada funciona.
Será a minha careca? Será que ela é uma referência segura de passagem? Tento pensar como um transeunte qualquer. Eu evitaria cruzar uma fila no careca de terno e gravata. Carecas são muito enfezados. Faço cara de bad boy. Cruzo os braços. Não funciona. Eu sou uma espécie de guardião da vereda maneira. Se eu dissesse "passe por aqui" era bem capaz de obter o efeito inverso. Mas um guarda do shopping, pois estou no shopping, parece que adivinha o meu pensamento e se aproxima da fila.
_Xii - eu penso.
A proximidade do guarda aumenta a sensação de segurança dos transeuntes, só pode ser. O fluxo de pessoas que passam pela fila, exatamente onde estou, aumenta vertiginosamente. Felizmente, o guarda se afasta. O fluxo de pessoas diminui um pouco. A fila é uma enguia que se move muito lentamente. Ando mais um pouco. Em dez minutos mais meio metro. E mais meio. E mesmo assim, só passam por mim. Estou na boca do caixa e vem um sujeito querendo atravessar. É a minha vez e um sujeito se esgueira à minha frente e fala para a caixa:
_Moça, como é que eu faço? Paguei uma conta aqui, mas continua constando que não paguei.
_Leva o comprovante para uma agência que fica ok.
_Tem certeza?
_Claro.
Finalmente, é a minha vez. Consigo fazer a minha aposta. Olho para a fila e ali está ela, incólume. Ninguém atravessa a fila. Os passantes, todos eles, desviam da fila.
_Caramba! - eu penso. Caramba!
E quando estou quase chegando à escada rolante, onde já existe um pequena fila, uma manada de gente apressada cruza a minha frente. E só então eu entendo aquele poema do Drummond.
terça-feira, 14 de julho de 2009
Ninguém merece
Existem coisas que eu abomino. Uma delas é menosprezo. Prefiro a desconsideração total ao tratamento condescendente. Em geral, quando sou menosprezado, reajo com fúria e destempero. Com exagero.
Demorei a perceber que reagia dessa maneira. Era uma coisa tão natural e automática que eu nem mensurava. Nem percebia. Era uma reação desmedida.
Isso me trouxe fama de esquentado. Mas também me trouxe algum respeito.
Aí, veja só, comecei a achar que era orgulho besta. Que não precisava ser assim.
_Deixa de onda, Careca. Não vai criar caso só porque alguém insinuou que você hesitou - eu pensava.
_Não liga para isso, não. Você está acima de picuinhas - eu pensava.
-O quê? Perder tempo com besteira? Discutir por causa de migalhas é coisa de otário - eu pensava.
-Isso? Mas isso é tão pequeno! Mantenha o foco na floresta e não nas árvores. - eu pensava.
Mas pensava errado.
Quem insinua que você hesita, firma a convicção de que você não passa de um bunda-mole.
Quem vê você deixar passar as picuinhas, também acha que você deixará passar qualquer coisa.
E se você não discutir as migalhas da vida, corre o risco de só ter grandes filósofos com quem conversar, no hospício.
Por último, e não menos importante, com o foco na floresta, você vai topar numa árvore, com certeza.
Não espere respeito de quem não te trata com o devido respeito. Em geral,o desrespeito parte da pessoa que deseja que só você, o otário, seja condescendente, sem o ser nem um pouquinho.
Mas também não aporrinha. Se você vacilou, levante o braço e assuma a culpa, foi você, mesmo, pô, foi mal, prometa que vai melhorar, vai consertar e coisa e tal. Mas jamais, nunca, em tempo algum, permita, sem protesto, que alguém insinue falhas e omissões da sua parte. Porque esse alguém só espera a sua condescendência, o seu dar de ombros, para justificar, ainda que irrefletidamente, o péssimo tratamento que já lhe concede. E se você deixar passar, da próxima vez, a ofensa será maior.
Demorei a perceber que reagia dessa maneira. Era uma coisa tão natural e automática que eu nem mensurava. Nem percebia. Era uma reação desmedida.
Isso me trouxe fama de esquentado. Mas também me trouxe algum respeito.
Aí, veja só, comecei a achar que era orgulho besta. Que não precisava ser assim.
_Deixa de onda, Careca. Não vai criar caso só porque alguém insinuou que você hesitou - eu pensava.
_Não liga para isso, não. Você está acima de picuinhas - eu pensava.
-O quê? Perder tempo com besteira? Discutir por causa de migalhas é coisa de otário - eu pensava.
-Isso? Mas isso é tão pequeno! Mantenha o foco na floresta e não nas árvores. - eu pensava.
Mas pensava errado.
Quem insinua que você hesita, firma a convicção de que você não passa de um bunda-mole.
Quem vê você deixar passar as picuinhas, também acha que você deixará passar qualquer coisa.
E se você não discutir as migalhas da vida, corre o risco de só ter grandes filósofos com quem conversar, no hospício.
Por último, e não menos importante, com o foco na floresta, você vai topar numa árvore, com certeza.
Não espere respeito de quem não te trata com o devido respeito. Em geral,o desrespeito parte da pessoa que deseja que só você, o otário, seja condescendente, sem o ser nem um pouquinho.
Mas também não aporrinha. Se você vacilou, levante o braço e assuma a culpa, foi você, mesmo, pô, foi mal, prometa que vai melhorar, vai consertar e coisa e tal. Mas jamais, nunca, em tempo algum, permita, sem protesto, que alguém insinue falhas e omissões da sua parte. Porque esse alguém só espera a sua condescendência, o seu dar de ombros, para justificar, ainda que irrefletidamente, o péssimo tratamento que já lhe concede. E se você deixar passar, da próxima vez, a ofensa será maior.
segunda-feira, 13 de julho de 2009
sábado, 11 de julho de 2009
Ao vencedor, as buzinas II
Ali, na lojinha, uma multidão de sujeitos de capacetes, luvas, óculos escuros e tênis especiais foram se juntando dentro da loja para acompanhar, ao vivo, o grande prêmio de ciclismo da França ou seja lá o que fosse aquilo. Isso também complicou a aquisição da bicicleta da minha filha, porque o dono da loja era um torcedor fanático de alguém chamado Latour, ou Latourfe, não entendi direito. Então a coisa ficava assim:
_Vai Latour! E o CPF?
_Meu?
_Latour!Latourfe, cést lê melhér! É o seu.
_Meu o quê?
_CPF! Latour, olha a frente!É à vista?
_Já falei o CPF.
_Pode repetir? Latour, Latourfe! Vai! Pode?
E assim por diante. Demoramos duas horas para adquirir a primeira bicicleta. E isso só ocorreu porque a corrida acabou e a malta de ciclistas torcedores saiu da loja. Afinal de contas, estava ficando tarde e a turma da bicicleta gosta muito de pedalar ao sol. Quando estávamos saindo, minha mulher fez uma pergunta ao vendedor.
_Cadê a fita que parece o cinto de segurança da cadeira de boneca?
_Não tem isso, senhora.
_Tem, sim. Pega lá o manual que eu mostro.
E lá se foi o vendedor e dono da loja a buscar o manual. Ele não sabia com quem estava se metendo. Minha mulher desenvolveu naquele coitado os famosos golpes secretos ninjas que humilham o oponente, derrubam o moral e fazem o ser humano desejar ser um mero roedor de queijo. Basta dizer que, no final, ele pediu desculpas balbuciantes e babuínas sob o olhar triunfante da minha mulher e da minha filha. As duas sabiam tudo o que havia na bicicleta, no manual e na caixa do manual e da bicicleta.
Já eram onze e meia e quando eu achava que tudo estava resolvido, minha filha faz uma pergunta ao vendedor.
_Não tem buzina?
Dessa vez, já vacinado, o vendedor e dono da loja correu a buscar uma buzina linda, colorida e bem feminina na prateleira da loja. Custava uma grana, a danada da buzina.
_É um brinde.
Ao vencedor, as buzinas, eu pensei comigo mesmo. Mal sabia eu que ainda era muito cedo para cantar vitória, embora já fosse tarde pra dedéu. Na verdade, já havia meia hora que a luz do sol já não era recomendável para camelos e beduínos e eu não havia saído de boné. Mesmo assim, enfrentando os riscos de uma insolação, resolvemos estender os trabalhos até a próxima loja de bicicletas, onde já havíamos feito o mapeamento do terreno e descoberto uma bicicleta considerada perfeita para o meu filho.
Felizmente, eu pensei, as duas horas de aprendizado intensivo de como funcionam as lojas de bicicletas já haviam me preparado para o que me aguardava.
_Vou querer aquela aro 20 ali, para o meu filho. Nem precisa embrulhar, nem nada. Ele vai pedalar daqui pra casa. Vou pagar em três vezes neste cartão e aqui está a minha carteira de motorista com o meu endereço, identidade e todas as informações necessárias.
_E qual é mesmo o seu CPF, senhor?
Mas antes que eu respondesse, escutei as vozes atrás de mim.
_Ei, você tem capacete cor-de-rosa?
_Tem câmbio shimano?
_Freios...
_Vai Latour! E o CPF?
_Meu?
_Latour!Latourfe, cést lê melhér! É o seu.
_Meu o quê?
_CPF! Latour, olha a frente!É à vista?
_Já falei o CPF.
_Pode repetir? Latour, Latourfe! Vai! Pode?
E assim por diante. Demoramos duas horas para adquirir a primeira bicicleta. E isso só ocorreu porque a corrida acabou e a malta de ciclistas torcedores saiu da loja. Afinal de contas, estava ficando tarde e a turma da bicicleta gosta muito de pedalar ao sol. Quando estávamos saindo, minha mulher fez uma pergunta ao vendedor.
_Cadê a fita que parece o cinto de segurança da cadeira de boneca?
_Não tem isso, senhora.
_Tem, sim. Pega lá o manual que eu mostro.
E lá se foi o vendedor e dono da loja a buscar o manual. Ele não sabia com quem estava se metendo. Minha mulher desenvolveu naquele coitado os famosos golpes secretos ninjas que humilham o oponente, derrubam o moral e fazem o ser humano desejar ser um mero roedor de queijo. Basta dizer que, no final, ele pediu desculpas balbuciantes e babuínas sob o olhar triunfante da minha mulher e da minha filha. As duas sabiam tudo o que havia na bicicleta, no manual e na caixa do manual e da bicicleta.
Já eram onze e meia e quando eu achava que tudo estava resolvido, minha filha faz uma pergunta ao vendedor.
_Não tem buzina?
Dessa vez, já vacinado, o vendedor e dono da loja correu a buscar uma buzina linda, colorida e bem feminina na prateleira da loja. Custava uma grana, a danada da buzina.
_É um brinde.
Ao vencedor, as buzinas, eu pensei comigo mesmo. Mal sabia eu que ainda era muito cedo para cantar vitória, embora já fosse tarde pra dedéu. Na verdade, já havia meia hora que a luz do sol já não era recomendável para camelos e beduínos e eu não havia saído de boné. Mesmo assim, enfrentando os riscos de uma insolação, resolvemos estender os trabalhos até a próxima loja de bicicletas, onde já havíamos feito o mapeamento do terreno e descoberto uma bicicleta considerada perfeita para o meu filho.
Felizmente, eu pensei, as duas horas de aprendizado intensivo de como funcionam as lojas de bicicletas já haviam me preparado para o que me aguardava.
_Vou querer aquela aro 20 ali, para o meu filho. Nem precisa embrulhar, nem nada. Ele vai pedalar daqui pra casa. Vou pagar em três vezes neste cartão e aqui está a minha carteira de motorista com o meu endereço, identidade e todas as informações necessárias.
_E qual é mesmo o seu CPF, senhor?
Mas antes que eu respondesse, escutei as vozes atrás de mim.
_Ei, você tem capacete cor-de-rosa?
_Tem câmbio shimano?
_Freios...
Ao vencedor, as buzinas I
Ao vencedor, as buzinas I
As crianças esperaram quase trinta dias pela manhã deste sábado. E ele nasceu perfeito. O sol brilhou, o céu estava azul e com nuvens, os passarinhos cantavam e os Secos e Molhados cantavam na minha cabeça (Leve, como leve pluma, leve e pousa...). Maravilha, nós fomos comprar as bicicletas novas. Fomos a pé, é lógico. O plano era comprar as bicicletas previamente examinadas, cheiradas, observadas, testadas, sentadas e namoradas e voltar para casa a pedalar. E assim foi feito. Mas não exatamente como o planejado.
Acontece que não é possível alguma coisa sair como o planejado numa loja de bicicletas. Isso é dessa maneira porque não existe nada mais amador do que o mais profissional dos lojistas de bicicletas. Isso é lógico, para começar, porque se o cara fosse realmente um profissional, ele estaria vendendo veículos de verdade. Não que os caras das lojas de carros sejam o supra-sumo do glacê do marrom-glacê. Eles não são. Mas os vendedores de automóveis, na maioria das vezes, se concentram numa única venda. Numa loja de bicicletas, isso não acontece.Os vendedores ficam atrás do balcão. É atendido primeiro quem tem a venda mais rápida e ao alcance da mão. Como resultado, você espera muito e é mal-atendido ao mesmo tempo. Foi mais ou menos assim que aconteceu.
Entramos na loja confiantes, já havíamos localizado a primeira das bicicletas a serem adquiridos na manhã de sábado. Uma bela bicicleta aro 16, com rodas, cor-de-rosa com lilás, com cesto à frente e banco para boneca atrás. Minha filha, de quatro anos, já havia definido que aquela era a bicicleta dela há muito tempo, então não tivemos nenhum problema de indecisão. Enquanto minha mulher perscrutava a bicicleta em busca dos detalhes perdidos, eu iniciava via crucis do pagamento. É que não basta estar disposto a pagar numa loja de bicicletas. Você tem que esperar para o sujeito do caixa parar de atender qualquer pessoa que chega.
_Qual é o seu nome, senhor? – perguntou o sujeito no caixa, com pinta de dono da loja.
_Meu nome é .... – comecei.
_Desculpe, o senhor vai querer uma câmara de ar? – perguntou o mesmo cara.
_Não, eu vou levar...- eu dizia.
_Não, senhor, é com o senhor atrás do senhor, quer uma câmara? Ah, uma bomba de ar?
_Ei, você tem capacete cor-de-rosa? – disse uma mulher com algum excesso de peso que também surgiu de repente no balcão.
_Tem rodinha avulsa? – disse um sujeito com uma barriga maior do que a minha.
_Claro, o capacete é da Hello, Kitty? E o seu CPF?
_O meu CPF é...
_Não, não é o seu CPF, é o da senhora do capacete.
_Eu também quero um capacete.
_Tem câmbio?
_É shimano? Mas o dólar voltou a subir, então está mais caro.
_Você consertam corrente quebrada?
_Depende. Olha, ainda tem da Hello Kitty, vai querer?
_Nãum, da Hello Kitty não quero. Tem da
Para resumir, levei cerca de quarenta minutos para que o dono da loja preenchesse meu cadastro com nome, telefone, endereço, identidade, cpf e número de série da bicicleta. Essa última informação, sozinha, levou vinte minutos para ser obtida, porque a toda hora chegava um freguês novo na loja. E eram sempre coisas mais importantes: regulagem de freios, ajuste da pressão de pneus, uma capa de banco nova, dois pitos de pneus, uma garrafinha dágua que precisou ser substituída e um cara que queria ver quem tinha levado a volta da França. Aliás, eu nem sabia que as provas de ciclismo tinham tantos fãs na pátria amada. Mas aparentemente, em qualquer assunto, temos fãs e especialistas brasileiros. Até mesmo na Volta da França. (continua )
As crianças esperaram quase trinta dias pela manhã deste sábado. E ele nasceu perfeito. O sol brilhou, o céu estava azul e com nuvens, os passarinhos cantavam e os Secos e Molhados cantavam na minha cabeça (Leve, como leve pluma, leve e pousa...). Maravilha, nós fomos comprar as bicicletas novas. Fomos a pé, é lógico. O plano era comprar as bicicletas previamente examinadas, cheiradas, observadas, testadas, sentadas e namoradas e voltar para casa a pedalar. E assim foi feito. Mas não exatamente como o planejado.
Acontece que não é possível alguma coisa sair como o planejado numa loja de bicicletas. Isso é dessa maneira porque não existe nada mais amador do que o mais profissional dos lojistas de bicicletas. Isso é lógico, para começar, porque se o cara fosse realmente um profissional, ele estaria vendendo veículos de verdade. Não que os caras das lojas de carros sejam o supra-sumo do glacê do marrom-glacê. Eles não são. Mas os vendedores de automóveis, na maioria das vezes, se concentram numa única venda. Numa loja de bicicletas, isso não acontece.Os vendedores ficam atrás do balcão. É atendido primeiro quem tem a venda mais rápida e ao alcance da mão. Como resultado, você espera muito e é mal-atendido ao mesmo tempo. Foi mais ou menos assim que aconteceu.
Entramos na loja confiantes, já havíamos localizado a primeira das bicicletas a serem adquiridos na manhã de sábado. Uma bela bicicleta aro 16, com rodas, cor-de-rosa com lilás, com cesto à frente e banco para boneca atrás. Minha filha, de quatro anos, já havia definido que aquela era a bicicleta dela há muito tempo, então não tivemos nenhum problema de indecisão. Enquanto minha mulher perscrutava a bicicleta em busca dos detalhes perdidos, eu iniciava via crucis do pagamento. É que não basta estar disposto a pagar numa loja de bicicletas. Você tem que esperar para o sujeito do caixa parar de atender qualquer pessoa que chega.
_Qual é o seu nome, senhor? – perguntou o sujeito no caixa, com pinta de dono da loja.
_Meu nome é .... – comecei.
_Desculpe, o senhor vai querer uma câmara de ar? – perguntou o mesmo cara.
_Não, eu vou levar...- eu dizia.
_Não, senhor, é com o senhor atrás do senhor, quer uma câmara? Ah, uma bomba de ar?
_Ei, você tem capacete cor-de-rosa? – disse uma mulher com algum excesso de peso que também surgiu de repente no balcão.
_Tem rodinha avulsa? – disse um sujeito com uma barriga maior do que a minha.
_Claro, o capacete é da Hello, Kitty? E o seu CPF?
_O meu CPF é...
_Não, não é o seu CPF, é o da senhora do capacete.
_Eu também quero um capacete.
_Tem câmbio?
_É shimano? Mas o dólar voltou a subir, então está mais caro.
_Você consertam corrente quebrada?
_Depende. Olha, ainda tem da Hello Kitty, vai querer?
_Nãum, da Hello Kitty não quero. Tem da
Para resumir, levei cerca de quarenta minutos para que o dono da loja preenchesse meu cadastro com nome, telefone, endereço, identidade, cpf e número de série da bicicleta. Essa última informação, sozinha, levou vinte minutos para ser obtida, porque a toda hora chegava um freguês novo na loja. E eram sempre coisas mais importantes: regulagem de freios, ajuste da pressão de pneus, uma capa de banco nova, dois pitos de pneus, uma garrafinha dágua que precisou ser substituída e um cara que queria ver quem tinha levado a volta da França. Aliás, eu nem sabia que as provas de ciclismo tinham tantos fãs na pátria amada. Mas aparentemente, em qualquer assunto, temos fãs e especialistas brasileiros. Até mesmo na Volta da França. (continua )
sexta-feira, 10 de julho de 2009
Corre Jacaré!
quinta-feira, 9 de julho de 2009
As corridas de São Firmino
Esse meu amigo, de vez em quando, falava nas corridas de touros. Ele se lembrava, é claro, de ter visto uma corrida pela TV. Mas não se lembrava de quando se imaginou, pela primeira vez, descalço, correndo a plenos pulmões na frente dos touros. Mas era assim que se via. Ultimamente, era só assim que se via. Um lenço vermelho amarrado no pescoço, como os espanhóis. Uma camisa branca e uma calça preta, enrolada à marinheiro. Ou então, com os sapatos de sola de borracha, terno e gravata. Pra dizer a verdade, a maneira como estava vestido não importava.
_No meio de umas quinhentas pessoas! – ele dizia. Ele tinha uma fixação com o número quinhentos.
Em geral, quando esse meu amigo falava nas corridas de touros, a mulher dele sorria. As filhas também achavam aquilo uma loucura engraçada do pai. Ninguém levava a sério. Era só mais um devaneio do marido. Mais uma coisa engraçada que o pai dizia na frente dos amigos.
Mas a verdade é que as corridas de São Firmino, em Pamplona, sempre estiveram em seus planos. Ele não se lembrava de como a idéia tinha aparecido na cabeça. Parecia apenas que sempre esteve lá. Era uma coisa que tinha que fazer. Como fazem, todos os anos, os milhares de turistas que vão a Pamplona. É bem verdade que muitos não se atrevem a correr à frente dos touros. Mas ele não desperdiçaria a oportunidade. Não, senhor. Ele correria. Nossa, como ele correria. Ele vivia dizendo isso.
Mas naquela noite, não. Naquela noite esse meu amigo estava tomando cerveja. Muita cerveja. A maioria dos homens enche a cara de birita quando está triste. Uma boa parte também enche a cara de birita quando está feliz. Então fica difícil saber se o cara bebe porque está feliz ou se está triste e por isso bebe. Mas no caso desse meu amigo, ele não estava feliz. Eu sabia o motivo. Eu e todos os outros. Mas os homens não falam sobre isso, você sabe.
Homens falam muito pouco sobre as coisas do coração. E o que não falam geralmente é mais importante do que o que dizem. O único problema é que tem muita adivinhação e chute errado sobre o que não é dito. E sobre algumas coisas é melhor não errar.
Por causa disso, eu estava em silêncio, perto desse meu amigo. Era óbvio que ele estava sofrendo. Era óbvio que falar sobre a mulher não estava nos planos dele. Também não estava nos meus planos mencionar alguma coisa sobre as meninas. Longe de mim. É triste. Separação é uma coisa muito triste.
_Rapaz, eu poderia muito bem correr na frente daqueles touros! – ele disse, batendo a mão na coxa, com muita força. Achei que podia ser efeito da cerveja, aquela emoção extravasada. Talvez fosse apenas uma maneira de encher o silêncio com o som de alguma coisa. Afinal, estávamos todos calados.
Esse meu amigo acabou cochilando um pouco. Nós, os outros amigos, os caras que tinham ido ali, falamos de outras coisas, de rock, de filmes piratas, de música, política, de filmes que a gente queria ver. Ninguém mencionou as corridas de touros. Acho que foi por respeito.
Depois, quando eu já estava em casa, um pouco bêbado, dormi pesado, aos roncos. Sonhei que estava à frente dos touros. O que importava, a única coisa que importava, era correr mais do que aquele sentimento no peito. Correr mais do que aquele desespero. Mas é impossível.
_No meio de umas quinhentas pessoas! – ele dizia. Ele tinha uma fixação com o número quinhentos.
Em geral, quando esse meu amigo falava nas corridas de touros, a mulher dele sorria. As filhas também achavam aquilo uma loucura engraçada do pai. Ninguém levava a sério. Era só mais um devaneio do marido. Mais uma coisa engraçada que o pai dizia na frente dos amigos.
Mas a verdade é que as corridas de São Firmino, em Pamplona, sempre estiveram em seus planos. Ele não se lembrava de como a idéia tinha aparecido na cabeça. Parecia apenas que sempre esteve lá. Era uma coisa que tinha que fazer. Como fazem, todos os anos, os milhares de turistas que vão a Pamplona. É bem verdade que muitos não se atrevem a correr à frente dos touros. Mas ele não desperdiçaria a oportunidade. Não, senhor. Ele correria. Nossa, como ele correria. Ele vivia dizendo isso.
Mas naquela noite, não. Naquela noite esse meu amigo estava tomando cerveja. Muita cerveja. A maioria dos homens enche a cara de birita quando está triste. Uma boa parte também enche a cara de birita quando está feliz. Então fica difícil saber se o cara bebe porque está feliz ou se está triste e por isso bebe. Mas no caso desse meu amigo, ele não estava feliz. Eu sabia o motivo. Eu e todos os outros. Mas os homens não falam sobre isso, você sabe.
Homens falam muito pouco sobre as coisas do coração. E o que não falam geralmente é mais importante do que o que dizem. O único problema é que tem muita adivinhação e chute errado sobre o que não é dito. E sobre algumas coisas é melhor não errar.
Por causa disso, eu estava em silêncio, perto desse meu amigo. Era óbvio que ele estava sofrendo. Era óbvio que falar sobre a mulher não estava nos planos dele. Também não estava nos meus planos mencionar alguma coisa sobre as meninas. Longe de mim. É triste. Separação é uma coisa muito triste.
_Rapaz, eu poderia muito bem correr na frente daqueles touros! – ele disse, batendo a mão na coxa, com muita força. Achei que podia ser efeito da cerveja, aquela emoção extravasada. Talvez fosse apenas uma maneira de encher o silêncio com o som de alguma coisa. Afinal, estávamos todos calados.
Esse meu amigo acabou cochilando um pouco. Nós, os outros amigos, os caras que tinham ido ali, falamos de outras coisas, de rock, de filmes piratas, de música, política, de filmes que a gente queria ver. Ninguém mencionou as corridas de touros. Acho que foi por respeito.
Depois, quando eu já estava em casa, um pouco bêbado, dormi pesado, aos roncos. Sonhei que estava à frente dos touros. O que importava, a única coisa que importava, era correr mais do que aquele sentimento no peito. Correr mais do que aquele desespero. Mas é impossível.
quarta-feira, 8 de julho de 2009
Sobre voar
Li ontem, mais um conto do Joe Hill, chamado “A Capa”. Conta a história de um rapaz que voa. É de arrepiar. Falta uns dois ou três contos para acabar o livro. Estou relendo alguns dos contos, prolongando o tempo do livro, antes que desapareça na minha estante.
Acho que todo mundo que escreve tem uma história de gente que voa. Dos contos brasileiros, tem um chamado “O iniciado do Vento”, que é uma maravilha. O cinema está cheio de história de vôo. Eu já vi uma porção no cinema, uma das melhores, é claro, é a da bicicleta do ET. Mas tem muitas. Tem, por exemplo, aquela cena memorável do “Birdy”, um filme de Alan Parker. Naquela época, em 1984, Nicholas Cage e Mathew Modine, que fazia o papel do rapaz que pirava e imaginava que era um pássaro, eram só dois garotões. É mais uma história de Vietnã, coisa recorrente naqueles tempos. Os americanos começavam a cutucar as feridas. E o cinema ianque começava a fazer uma revisão radical de como retratar uma guerra perdida.
A cena memorável é a última cena do filme. Modine, o rapaz passarinho, está correndo por cima do teto do hospital psiquiátrico, junto com Cage. De repente, ele se empolga e dispara a correr batendo asa. Cage se desespera porque acha que Birdy vai tentar decolar de cima do prédio. Na poltrona do cinema, eu torci para que ele realmente decolasse.
Eu também tinha uma história de gente que voa. Era bem curta. Era a história de um menino que deseja muito voar. Ele rezava. Chorava. Fazia promessa. E nada. Tentava construir asas igual a Ícaro. Não funcionava. Nada dava certo. Ele não voava nem a pau. E em cada tentativa quebrava alguma coisa. Quebrava o nariz. O braço. A perna. A outra perna. O outro braço. O nariz, de novo.
Aí, um dia, já é quase noite, esse menino está andando no meio da rua e começava a levitar. Quando ele se dá conta, está passando por cima de um semáforo. Ele tenta se agarrar ao semáforo. Mas não consegue, parece que está sendo puxado para cima. Tudo o que consegue fazer é ficar por alguns segundos na frente das luzes. Ele provoca a maior confusão no trânsito. E depois continua a subir. Ele sobe muito alto, mas bem devagar. E depois, lentamente, começa a descer. E aí aterrissa, suave. Ninguém acredita nesse menino quando ele conta que voou.
E pelo resto da vida ele vai tentar voar de novo. Sempre se quebrando todo. Até que um dia o médico alerta o ex-menino, que agora é um tiozão.
_Olhaí, ô Mané, você não tem mais nenhum osso inteiro no corpo. Sua coluna não agüenta mais nenhum tranco. A sua próxima queda poderá ser fatal.
O tiozão não se emenda, mesmo assim. A vida inteira ele só fez aquilo. Perseguiu o sonho de voar igual ao menino que um dia foi. Ele não pode parar. Então ele se prepara para saltar de uma montanha. Coloca um para-quedas e vai para a beira de um precipício. E quando ele vai pular percebe que está levitando, igual àquela vez, só que muito mais rápido. Ele começa a subir vertiginosamente e só quando está no meio das nuvens é que descobre o segredo. O que o fez levitar foi um pensamento, uma coisa em que pensou uma única vez, quando era criança. E nessa hora ele percebe que está caindo em grande velocidade. E já é tarde demais para abrir o para-quedas.
Acho que todo mundo que escreve tem uma história de gente que voa. Dos contos brasileiros, tem um chamado “O iniciado do Vento”, que é uma maravilha. O cinema está cheio de história de vôo. Eu já vi uma porção no cinema, uma das melhores, é claro, é a da bicicleta do ET. Mas tem muitas. Tem, por exemplo, aquela cena memorável do “Birdy”, um filme de Alan Parker. Naquela época, em 1984, Nicholas Cage e Mathew Modine, que fazia o papel do rapaz que pirava e imaginava que era um pássaro, eram só dois garotões. É mais uma história de Vietnã, coisa recorrente naqueles tempos. Os americanos começavam a cutucar as feridas. E o cinema ianque começava a fazer uma revisão radical de como retratar uma guerra perdida.
A cena memorável é a última cena do filme. Modine, o rapaz passarinho, está correndo por cima do teto do hospital psiquiátrico, junto com Cage. De repente, ele se empolga e dispara a correr batendo asa. Cage se desespera porque acha que Birdy vai tentar decolar de cima do prédio. Na poltrona do cinema, eu torci para que ele realmente decolasse.
Eu também tinha uma história de gente que voa. Era bem curta. Era a história de um menino que deseja muito voar. Ele rezava. Chorava. Fazia promessa. E nada. Tentava construir asas igual a Ícaro. Não funcionava. Nada dava certo. Ele não voava nem a pau. E em cada tentativa quebrava alguma coisa. Quebrava o nariz. O braço. A perna. A outra perna. O outro braço. O nariz, de novo.
Aí, um dia, já é quase noite, esse menino está andando no meio da rua e começava a levitar. Quando ele se dá conta, está passando por cima de um semáforo. Ele tenta se agarrar ao semáforo. Mas não consegue, parece que está sendo puxado para cima. Tudo o que consegue fazer é ficar por alguns segundos na frente das luzes. Ele provoca a maior confusão no trânsito. E depois continua a subir. Ele sobe muito alto, mas bem devagar. E depois, lentamente, começa a descer. E aí aterrissa, suave. Ninguém acredita nesse menino quando ele conta que voou.
E pelo resto da vida ele vai tentar voar de novo. Sempre se quebrando todo. Até que um dia o médico alerta o ex-menino, que agora é um tiozão.
_Olhaí, ô Mané, você não tem mais nenhum osso inteiro no corpo. Sua coluna não agüenta mais nenhum tranco. A sua próxima queda poderá ser fatal.
O tiozão não se emenda, mesmo assim. A vida inteira ele só fez aquilo. Perseguiu o sonho de voar igual ao menino que um dia foi. Ele não pode parar. Então ele se prepara para saltar de uma montanha. Coloca um para-quedas e vai para a beira de um precipício. E quando ele vai pular percebe que está levitando, igual àquela vez, só que muito mais rápido. Ele começa a subir vertiginosamente e só quando está no meio das nuvens é que descobre o segredo. O que o fez levitar foi um pensamento, uma coisa em que pensou uma única vez, quando era criança. E nessa hora ele percebe que está caindo em grande velocidade. E já é tarde demais para abrir o para-quedas.
terça-feira, 7 de julho de 2009
Ainda antes que cresçam
Ainda antes que as crianças cresçam, sinto falta de quando eram pequenas. É uma ausência sentida das mesmas coisas que, de vez em quando, também me deixam cansado. Acordar de noite por causa de menino, por exemplo, é meio chato. Mas também é muito bom ajeitar o cobertor até a medida do ombro do seu filho e observá-lo dormir novamente, com um sorriso nascendo no canto da boca.
A mesma coisa quando um deles vem dormir na cama de casal. Estava tão confortável e quentinho antes da menina chegar e mudar a geografia dos corpos na cama. Mas sentir o perfume do cabelo encaracolado é um sonífero dos mais gostosos. Ou então prestar atenção na respiração e perceber que o nariz não está mais entupido ou que agora ela está tendo bons sonhos, só pode ser, porque agora ela parece brilhar no escuro.
Da época em que eram bebês, tenho saudades de dar banho, de cuidar do umbigo, de tomar cuidado com a moleira e de cortar as unhas, para evitar que se ferissem com as mãos desajeitadas. Unhas finíssimas e tão afiadas quanto papel.
Embora não sinta muita saudade de trocar fraldas, até mesmo disso guardo boas lembranças, boas risadas e até uma pequena vingança. Lembro daquela vez em que troquei a fralda do meu filho na poltrona do avião lotado, só porque os caras da frente fizeram careta quando viram as crianças. Foi uma vingança barata, é verdade, mas não quis esperar a fila do banheiro. Em todas as viagens as crianças se comportaram super-bem, nem dor de ouvido tiveram, porque a minha mulher sempre usou os macetes para evitar dor de ouvido.
De todos os banhos dados na banheira, tenho saudades. De embrulhar o bebê, com o fraldão em triângulo, fazendo um pacotinho que só deixava o rosto de fora. Tento recordar como é mesmo que se dobra a fralda e no filme da minha memória vem a lição da enfermeira, repassada na voz da minha mãe.
_Olha, é assim que se faz, tem que ficar um “xarutinho”, para que o nenê se sinta aquecido e seguro – e era isso mesmo, porque se fizesse errado, se ficasse bambo, o bebê disparava a chorar.
Também gosto muito de lembrar dos banhos de luz, dos bebês ainda de olhos puxados se esticando para absorver o sol. Toda aquela luz do início dos dias, na varanda. Era tão bacana apoiar os calcanhares para que se arrastassem e esticassem. Era o prenúncio de um engatinhar. Era tão gostoso.
E ainda é, com as pequenas coisas de agora. Vejo o entusiasmo do meu filho, que lê tudo o que se coloca na frente, empolgado por ter conseguido ler as placas dos nomes dos bichos do zoológico. E também a menina, com sua tagarelice fantástica. Ela emenda as frases uma na outra para chamar a atenção até se esquecer do que está falando. É puro nonsense, mas os olhos brilham inteligentes e ela abre um sorriso lindo, deliciada de perceber que eu presto atenção e a vejo, só a ela, naquele instante. E ela se orgulha de si mesma, eu noto. Eu também me orgulho.
Não é verdade que ter filhos encha as pessoas de amor e que isso transborda e se espalha e torna as pessoas mais humanas e, de alguma maneira, melhores, mais gente e mais transcendentais. Mas quero acreditar que isso um dia poderá acontecer comigo.
A mesma coisa quando um deles vem dormir na cama de casal. Estava tão confortável e quentinho antes da menina chegar e mudar a geografia dos corpos na cama. Mas sentir o perfume do cabelo encaracolado é um sonífero dos mais gostosos. Ou então prestar atenção na respiração e perceber que o nariz não está mais entupido ou que agora ela está tendo bons sonhos, só pode ser, porque agora ela parece brilhar no escuro.
Da época em que eram bebês, tenho saudades de dar banho, de cuidar do umbigo, de tomar cuidado com a moleira e de cortar as unhas, para evitar que se ferissem com as mãos desajeitadas. Unhas finíssimas e tão afiadas quanto papel.
Embora não sinta muita saudade de trocar fraldas, até mesmo disso guardo boas lembranças, boas risadas e até uma pequena vingança. Lembro daquela vez em que troquei a fralda do meu filho na poltrona do avião lotado, só porque os caras da frente fizeram careta quando viram as crianças. Foi uma vingança barata, é verdade, mas não quis esperar a fila do banheiro. Em todas as viagens as crianças se comportaram super-bem, nem dor de ouvido tiveram, porque a minha mulher sempre usou os macetes para evitar dor de ouvido.
De todos os banhos dados na banheira, tenho saudades. De embrulhar o bebê, com o fraldão em triângulo, fazendo um pacotinho que só deixava o rosto de fora. Tento recordar como é mesmo que se dobra a fralda e no filme da minha memória vem a lição da enfermeira, repassada na voz da minha mãe.
_Olha, é assim que se faz, tem que ficar um “xarutinho”, para que o nenê se sinta aquecido e seguro – e era isso mesmo, porque se fizesse errado, se ficasse bambo, o bebê disparava a chorar.
Também gosto muito de lembrar dos banhos de luz, dos bebês ainda de olhos puxados se esticando para absorver o sol. Toda aquela luz do início dos dias, na varanda. Era tão bacana apoiar os calcanhares para que se arrastassem e esticassem. Era o prenúncio de um engatinhar. Era tão gostoso.
E ainda é, com as pequenas coisas de agora. Vejo o entusiasmo do meu filho, que lê tudo o que se coloca na frente, empolgado por ter conseguido ler as placas dos nomes dos bichos do zoológico. E também a menina, com sua tagarelice fantástica. Ela emenda as frases uma na outra para chamar a atenção até se esquecer do que está falando. É puro nonsense, mas os olhos brilham inteligentes e ela abre um sorriso lindo, deliciada de perceber que eu presto atenção e a vejo, só a ela, naquele instante. E ela se orgulha de si mesma, eu noto. Eu também me orgulho.
Não é verdade que ter filhos encha as pessoas de amor e que isso transborda e se espalha e torna as pessoas mais humanas e, de alguma maneira, melhores, mais gente e mais transcendentais. Mas quero acreditar que isso um dia poderá acontecer comigo.
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Cristiano Ronaldo e a crise na Europa
Oitenta mil espanhóis foram ver a apresentação desse cara no Real Madri.
Ou a crise atingiu a Espanha em cheio, ou tem muitcha gente com tempo livre à beça na capital espanhola.
Ou a crise atingiu a Espanha em cheio, ou tem muitcha gente com tempo livre à beça na capital espanhola.
A lingüística enquanto vetor dos laços familiares
No domingo, eu, minha mulher e as crianças fomos a outro circo peba que está na cidade. Esse tem mais estrutura, um letreiro mais caprichado, mas também é peba que só.
É bem verdade que gostei de dois números. O primeiro foi o de um palhaço, que fez uma homenagem ao Michael Jackson. Muito engraçada. O segundo foi do mesmo palhaço, que fez uma apresentação hilariante numa cama elástica. Ele fazia um Vagabundo Chaplin bebum e todo cambaleante. Fez as coisas mais incríveis, pulando e quase caindo o tempo todo.
Ao final, quando perguntamos para as crianças qual tinha sido o número predileto, venceu o Chaplin bebum. Meu filho, de seis anos, não economizou elogios ao acrobata.
_Foi i-ra-do! – ele disse.
_Foi muitcho lôko! – disse a minha princesinha.
_É véi, foi i-ra-da-ço! – eu disse.
_Careca! – disse a minha mulher.
_Pôxa, estou tentando me enturmar, ué?!
Boas perguntas
“Onde estão os cientistas sociais que demarcaram os debates públicos em anos passados? Por que se refugiaram no comodismo das universidades públicas e se conformaram à domesticação de seu papel crítico? Por que se confinam, cada vez mais, aos estudos hiperespecializados, ao hermetismo narcísico ou à produção estéril que se repete em guetos de autoexaltação?”
Este é só um trecho do artigo “ A ciência da sociedade está à deriva”, de Zander Navarro, publicado na Folha de São Paulo de hoje, dia 06 de julho. As perguntas são excelentes e extrapolam o nicho da sociologia.
Acho difícil escapar da imposição de uma superficialidade cultural e do culto à celebridade que vivemos nos dias de hoje. Mas quem sabe um dia o “cada um na sua” volta à moda?
É bem verdade que gostei de dois números. O primeiro foi o de um palhaço, que fez uma homenagem ao Michael Jackson. Muito engraçada. O segundo foi do mesmo palhaço, que fez uma apresentação hilariante numa cama elástica. Ele fazia um Vagabundo Chaplin bebum e todo cambaleante. Fez as coisas mais incríveis, pulando e quase caindo o tempo todo.
Ao final, quando perguntamos para as crianças qual tinha sido o número predileto, venceu o Chaplin bebum. Meu filho, de seis anos, não economizou elogios ao acrobata.
_Foi i-ra-do! – ele disse.
_Foi muitcho lôko! – disse a minha princesinha.
_É véi, foi i-ra-da-ço! – eu disse.
_Careca! – disse a minha mulher.
_Pôxa, estou tentando me enturmar, ué?!
Boas perguntas
“Onde estão os cientistas sociais que demarcaram os debates públicos em anos passados? Por que se refugiaram no comodismo das universidades públicas e se conformaram à domesticação de seu papel crítico? Por que se confinam, cada vez mais, aos estudos hiperespecializados, ao hermetismo narcísico ou à produção estéril que se repete em guetos de autoexaltação?”
Este é só um trecho do artigo “ A ciência da sociedade está à deriva”, de Zander Navarro, publicado na Folha de São Paulo de hoje, dia 06 de julho. As perguntas são excelentes e extrapolam o nicho da sociologia.
Acho difícil escapar da imposição de uma superficialidade cultural e do culto à celebridade que vivemos nos dias de hoje. Mas quem sabe um dia o “cada um na sua” volta à moda?
domingo, 5 de julho de 2009
A estafa de museu do Cabeça
O meu amigo multimilionário e bon vivant Cabeça pediu desculpas, ele não conseguiu trazer a pizza que eu pedi da Itália. Ele e a Esposa do Cabeça foram a Lisboa, Roma e Florença. Passaram vinte dias viajando e chegaram muito cansados de torrar grana em euro.
_Além disso, extraviaram a minha mala - ele me disse, no sábado, quando nos encontramos.
_Tudo bem, Cabeça, na próxima vez traga uma torre inclinada, já que a pizza é tão difícil.
Ele e a Esposa gostaram muito da viagem.
_Foi uma das melhores viagens que já fizemos. Só estou um pouco estressado de ver museu.
_Como assim? - eu perguntei. É importante subir nas escadas que os amigos colocam pra gente.
_Bom, nós visitamos o Museu do Vaticano e aquilo é realmente maravilhoso. Você vai andando nos corredores e ali estão as estátuas, os quadros,as tapeçarias, toda aquela arte e é lindo, magnífico. Até o primeiro quilômetro. Depois começa a doer o pescoço. Mas aquilo é um mar de gente e tem as estátuas do Michelangelo, que eles guardam para o final, então você continua. E depois tem os vigias de foto. Não pode tirar foto de nada, mas todo mundo sempre tenta tirar uma foto ou outra, especialmente na estátua do Davi. E ali tomei um berro de guarda na orelha, porque tentei tirar foto daquela estátua maravilhosa e não pode. Mas pô, eu nem tinha flash nem nada, era foto de celular. Mas o Museu do Vaticano foi assim, como direi, o início de uma maratona de história e arte. Nós andamos uma barbaridade todos os dias, fizemos uma verdadeira peregrinação na estatuaria clássica, nos aquedutos, coliseus, teatros, domos e anfiteatros.
_E Florença? - eu perguntei.
_É a cidade mais bonita do mundo, é claro. E uma das mais cheias de história também. Mas foi ali que bateu o cansaço de Museu na gente. Depois dos muitos dias de arte e museu de Roma, eu fiquei com estafa de ver coisa histórica e artística. Começou a me dar dor-de-cabeça, coceira, erisipela. No final, bastava alguém falar em Leonardo da Vinci e eu começava a espirrar e me abanar todo. Uma coisa de louco. Aí resolvemos voltar.
_Caravaggio!- eu disse, ainda incrédulo. E o Cabeça começou a espirrar feito doido. Espirrou tanto que a Esposa do Cabeça veio para a sala, ver o que estava acontecendo.
_O que aconteceu?
_O Cabeça começou a espirrar na hora em que eu falei Caravaggio!
E a Esposa do Cabeça começou a espirrar também. Aí minha mulher me chamou para ir embora.
_Eu te conheço, Careca! Você está com aquele sorriso maquiavélico... - disse a minha mulher. E do elevador ainda dava para ouvi os espirros.
_Além disso, extraviaram a minha mala - ele me disse, no sábado, quando nos encontramos.
_Tudo bem, Cabeça, na próxima vez traga uma torre inclinada, já que a pizza é tão difícil.
Ele e a Esposa gostaram muito da viagem.
_Foi uma das melhores viagens que já fizemos. Só estou um pouco estressado de ver museu.
_Como assim? - eu perguntei. É importante subir nas escadas que os amigos colocam pra gente.
_Bom, nós visitamos o Museu do Vaticano e aquilo é realmente maravilhoso. Você vai andando nos corredores e ali estão as estátuas, os quadros,as tapeçarias, toda aquela arte e é lindo, magnífico. Até o primeiro quilômetro. Depois começa a doer o pescoço. Mas aquilo é um mar de gente e tem as estátuas do Michelangelo, que eles guardam para o final, então você continua. E depois tem os vigias de foto. Não pode tirar foto de nada, mas todo mundo sempre tenta tirar uma foto ou outra, especialmente na estátua do Davi. E ali tomei um berro de guarda na orelha, porque tentei tirar foto daquela estátua maravilhosa e não pode. Mas pô, eu nem tinha flash nem nada, era foto de celular. Mas o Museu do Vaticano foi assim, como direi, o início de uma maratona de história e arte. Nós andamos uma barbaridade todos os dias, fizemos uma verdadeira peregrinação na estatuaria clássica, nos aquedutos, coliseus, teatros, domos e anfiteatros.
_E Florença? - eu perguntei.
_É a cidade mais bonita do mundo, é claro. E uma das mais cheias de história também. Mas foi ali que bateu o cansaço de Museu na gente. Depois dos muitos dias de arte e museu de Roma, eu fiquei com estafa de ver coisa histórica e artística. Começou a me dar dor-de-cabeça, coceira, erisipela. No final, bastava alguém falar em Leonardo da Vinci e eu começava a espirrar e me abanar todo. Uma coisa de louco. Aí resolvemos voltar.
_Caravaggio!- eu disse, ainda incrédulo. E o Cabeça começou a espirrar feito doido. Espirrou tanto que a Esposa do Cabeça veio para a sala, ver o que estava acontecendo.
_O que aconteceu?
_O Cabeça começou a espirrar na hora em que eu falei Caravaggio!
E a Esposa do Cabeça começou a espirrar também. Aí minha mulher me chamou para ir embora.
_Eu te conheço, Careca! Você está com aquele sorriso maquiavélico... - disse a minha mulher. E do elevador ainda dava para ouvi os espirros.
sábado, 4 de julho de 2009
A unanimidade não-musical
Sou fã do Caetano Veloso. Acho um grande artista. E aí outro dia estava lá no cafezinho do trabalho, conversando com o Mr.Flowers quando, sem querer, falei no Caetano.
_Caetano é unanimidade - eu disse.
_Detesto - disse o Flowers.
_Peraí, Flowers. É o Caetano. Super artista, cara!
_Acho ele um mala rebolador - disparou o Mr. Flowers.
_O cara é um gênio, Flowers!
_Só se for para as meninas do tabuleiro da baianidade. Não colocaria moeda naquele chapéu.
_E de que artista você gosta,ô Flowers?
_A maioria já morreu. Dos vivos, acho que só o Lobão.
_Lobão? Boa, também gosto do Lobão.
_E João Bosco, é claro!
_Também gosto muito - eu disse.
_João Bosco é unani...
_Detesto - disse o C3PO, entrando na conversa.
Saí de banda. Duas horas depois, voltei ao cafezinho.
_Chico Buarque - disse o Mr. Flowers, chegando em seguida.
_Chico é unanimidade - eu disse.
_Detesto - disse o C3PO, entrando na conversa.
Saí de banda, novamente. Depois, lá no meu cubículo, o Mr. Flowers veio dizer, baixinho.
_O C3PO é uma unanimidade não-musical. Um dia ainda vão amarrar uma caixa-preta no pescoço desse infeliz para que ele desapareça no oceano.
Mr. Flowers é um poeta.
_Caetano é unanimidade - eu disse.
_Detesto - disse o Flowers.
_Peraí, Flowers. É o Caetano. Super artista, cara!
_Acho ele um mala rebolador - disparou o Mr. Flowers.
_O cara é um gênio, Flowers!
_Só se for para as meninas do tabuleiro da baianidade. Não colocaria moeda naquele chapéu.
_E de que artista você gosta,ô Flowers?
_A maioria já morreu. Dos vivos, acho que só o Lobão.
_Lobão? Boa, também gosto do Lobão.
_E João Bosco, é claro!
_Também gosto muito - eu disse.
_João Bosco é unani...
_Detesto - disse o C3PO, entrando na conversa.
Saí de banda. Duas horas depois, voltei ao cafezinho.
_Chico Buarque - disse o Mr. Flowers, chegando em seguida.
_Chico é unanimidade - eu disse.
_Detesto - disse o C3PO, entrando na conversa.
Saí de banda, novamente. Depois, lá no meu cubículo, o Mr. Flowers veio dizer, baixinho.
_O C3PO é uma unanimidade não-musical. Um dia ainda vão amarrar uma caixa-preta no pescoço desse infeliz para que ele desapareça no oceano.
Mr. Flowers é um poeta.
sexta-feira, 3 de julho de 2009
quinta-feira, 2 de julho de 2009
O curió/sabiá subterrâneo
Falando de pássaros, não falei do famosíssimo curió subterrâneo. João Ubaldo inventou esse bicho numa crônica de 1984 de "O Globo". Fiquei anos com a história na cabeça. Um dia comprei o melhor livro de crônicas que eu li na minha vida, "Arte e Ciência de Roubar Galinha", do João Ubaldo, e lá estava ela, a história do curió subterrâneo. Ou sabiá, não lembro. Na verdade, é só um parágrafo de crônica. Mas é um dos melhores parágrafos de crônica que já li. Nele, João Ubaldo sintetiza a quintessência da ornitologia. É super-engraçado.
Passei meia hora procurando o livro na estante. Não encontrei. Desisti.
Caramba, preciso organizar os livros. Preciso dar uma geral no depósito da garagem. Também preciso ler e escrever mais. Também preciso parar de enrolar e dedicar mais que alguns minutos ao blog. Só que hoje não vai dar.
Passei meia hora procurando o livro na estante. Não encontrei. Desisti.
Caramba, preciso organizar os livros. Preciso dar uma geral no depósito da garagem. Também preciso ler e escrever mais. Também preciso parar de enrolar e dedicar mais que alguns minutos ao blog. Só que hoje não vai dar.
quarta-feira, 1 de julho de 2009
O meu passaredo
_Fiu – eu assobiei, olhando da varanda do restaurante, no Parque Nacional de Itatiaia.
Centenas de observadores de pássaros de todo o mundo passam pelo parque, todos os anos. Vêem da Europa, dos países sem-floresta. Ávidos por escutar o canto dos pássaros ou só vislumbrar o colorido das aves e disparar clics das máquinas -binóculos gigantescos. Em geral, são mais velhos. São os velhos das cidades da Europa que ainda tinham pássaros. Que um dia ainda puderam escutar as aves ao amanhecer, na hora do almoço, no retorno do trabalho. Trazem os filhos adolescentes, branquelos, aquosos, que muitas vezes não disfarçam a insatisfação de estar ali. Mas não penso em nada disso, nessa época. Ainda faltam dois anos para o casamento.
_Aquele ali, como chama? – ela pergunta.
_Sanhaço – eu respondo de bate-pronto, sem um milésimo de vacilo.
_E o outro que canta bonito, lá naquele galho?
_Rouxinol, é claro.
_E aquele ali, pequenino?
_Pintassilgo.
_Nossa, você sabe todos?!
_Sei tudo de passarinho.
_Aquele de asa preta e amarela, como chama?
_Xexéu.
_Xexéu?
_Isso mesmo.
_Não tem esse passarinho. Você está inventando.
_Também é chamado de Japim. Ou Japuíra. Em alguns lugares chamam de João-conguinho.
_Boa, essa! Eu aqui pensando que você sabia tudo de passarinho e você me fazendo de boba.
_Mas é verdade.
_Conta outra.
_Olha o colibri!
_Que mané colibri, que nada. Vá chatear outra.
_Nossa, olha ali, olha ali. É um pixarro, também conhecido como João-Velho. “Saltator similis”. Esse sim é o verdadeiro trinca-ferro.
_Que trinca-ferro é o cacete! Perdeu a graça. Chega.
Passaredo- Composição: Francis Hime e Chico Buarque
“Ei, pintassilgo, Oi, pintaroxo, Melro, uirapuru, Ai, chega-e-vira, Engole-vento, Saíra, inhambu, Foge asa-branca, Vai, patativa, Tordo, tuju, tuim, Xô, tié-sangue, Xô, tié-fogo, Xô, rouxinol sem fim, Some, coleiro, Anda, trigueiro, Te esconde colibri, Voa, macuco, Voa, viúva, Utiariti, Bico calado, Toma cuidado, Que o homem vem aí, O homem vem aí,O homem vem aí. Ei, quero-quero, Oi, tico-tico, Anum, pardal, chapim, Xô, cotovia, Xô, ave-fria, Xô, pescador-martim, Some, rolinha, Anda, andorinha, Te esconde, bem-te-vi, Voa, bicudo, Voa, sanhaço, Vai, juriti, Bico calado, Muito cuidado, Que o homem vem aí, O homem vem aí, O homem vem aí.”
Centenas de observadores de pássaros de todo o mundo passam pelo parque, todos os anos. Vêem da Europa, dos países sem-floresta. Ávidos por escutar o canto dos pássaros ou só vislumbrar o colorido das aves e disparar clics das máquinas -binóculos gigantescos. Em geral, são mais velhos. São os velhos das cidades da Europa que ainda tinham pássaros. Que um dia ainda puderam escutar as aves ao amanhecer, na hora do almoço, no retorno do trabalho. Trazem os filhos adolescentes, branquelos, aquosos, que muitas vezes não disfarçam a insatisfação de estar ali. Mas não penso em nada disso, nessa época. Ainda faltam dois anos para o casamento.
_Aquele ali, como chama? – ela pergunta.
_Sanhaço – eu respondo de bate-pronto, sem um milésimo de vacilo.
_E o outro que canta bonito, lá naquele galho?
_Rouxinol, é claro.
_E aquele ali, pequenino?
_Pintassilgo.
_Nossa, você sabe todos?!
_Sei tudo de passarinho.
_Aquele de asa preta e amarela, como chama?
_Xexéu.
_Xexéu?
_Isso mesmo.
_Não tem esse passarinho. Você está inventando.
_Também é chamado de Japim. Ou Japuíra. Em alguns lugares chamam de João-conguinho.
_Boa, essa! Eu aqui pensando que você sabia tudo de passarinho e você me fazendo de boba.
_Mas é verdade.
_Conta outra.
_Olha o colibri!
_Que mané colibri, que nada. Vá chatear outra.
_Nossa, olha ali, olha ali. É um pixarro, também conhecido como João-Velho. “Saltator similis”. Esse sim é o verdadeiro trinca-ferro.
_Que trinca-ferro é o cacete! Perdeu a graça. Chega.
Passaredo- Composição: Francis Hime e Chico Buarque
“Ei, pintassilgo, Oi, pintaroxo, Melro, uirapuru, Ai, chega-e-vira, Engole-vento, Saíra, inhambu, Foge asa-branca, Vai, patativa, Tordo, tuju, tuim, Xô, tié-sangue, Xô, tié-fogo, Xô, rouxinol sem fim, Some, coleiro, Anda, trigueiro, Te esconde colibri, Voa, macuco, Voa, viúva, Utiariti, Bico calado, Toma cuidado, Que o homem vem aí, O homem vem aí,O homem vem aí. Ei, quero-quero, Oi, tico-tico, Anum, pardal, chapim, Xô, cotovia, Xô, ave-fria, Xô, pescador-martim, Some, rolinha, Anda, andorinha, Te esconde, bem-te-vi, Voa, bicudo, Voa, sanhaço, Vai, juriti, Bico calado, Muito cuidado, Que o homem vem aí, O homem vem aí, O homem vem aí.”
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