quarta-feira, 26 de março de 2008

Os pássaros e o trenó de Orson Welles



Li em algum lugar que está em gestação um remake do filme “Os Pássaros“,de 1963, de Alfred Hitchcock. A nova versão terá Naomi Watts no papel que foi de Tippi Hedren, a mocinha aparentemente fútil que chega a Bodega Bay para perseguir o solteirão Mitch Brenner (Rod Taylor), quando é inexplicavelmente atacada por uma gaivota.
Inexplicavelmente.
Morri de medo quando vi “Os pássaros” pela primeira vez. Na segunda vez, também morri de medo e levei um tapão. Na terceira, idem e só saí do cinema porque chamaram o corpo de bombeiros.
Tenho medo até hoje. Aliás, depois que vi o filme do Hitchcock eu nunca mais olhei para uma galinha do mesmo jeito. Nem me lembro de como eu olhava antes, mas depois do filme, eu olho com respeito. O mesmo vale para pardais, pombos e outras aves. Observo com o maior respeito. Nem mafiosos teriam tanto respeito da minha parte. Mantenho uma distância segura. Não sou daqueles seres humanos metidos, que acham que não vão levar bicada só porque sabem usar uma calculadora feita na China, com mão-de-obra semi-escravizada. Não. Eu nem mesmo dou o dedo para passarinho bicar. Não. Comigo não. Eu fico longe. Evito até contato visual. No máximo, assobio em acompanhamento, à distância. Isso, se o pássaro for do tipo que canta. Assim, “só danço samba, só danço samba, vaivaivaivaivai...” Se for do tipo que fica calado, na dele, eu faço companhia, longe da gaiola. Nesse caso, nem assobio. Eu também não gosto de gaiolas. Nem de loucas. Nem de gaiola de loucas. Mas eu sou educado.
_Bon giorno, Don Vito Corleone – eu cumprimento o pombo na janela.
_Bom giorno, Don Michael Corleone – eu cumprimento o pardal na janela.
E os passarinhos nem precisam gorjear em resposta.
Mas eu me perco. Digressões, digressões, diria Salinger.
“Os pássaros”! É um filmaço! Tem cenas cuidadosamente construídas, é uma aula de direção, inventou efeitos especiais, blá, blá, blá. Mas o mais interessante do filme é que ninguém consegue ter uma mesma opinião sobre os motivos que levam os pássaros a atacar as pessoas. É um mistério. E isso não alivia em nada a tensão. Acho que isso é que provoca a tensão. Os pássaros podem atacar qualquer um, em qualquer lugar, num momento qualquer. Eles nem precisam de motivo. Eles são pássaros, caramba! Eles são seres que não usam as pequenas cabeças e cérebros do mesmo jeito que nós. Não. Eles só pensam em comer, beber e botar ovo. Eles costumam fazer o que o gato enterra sobre nossas cabeças. Eles são terríveis, os pássaros.

Na primeira vez que eu vi, eu achei que os pássaros estavam com fome. Mas, na verdade, eu é que estava com fome. Eu tinha levado um bolo de uma moça e ido a um Festival Hitchcock à noite, sem jantar. Fiquei com tanto medo que derrubei a pipoca que eu tinha comprado. Aí pensei melhor e achei que a fome era outra, de ordem sexual, como quase tudo em Hitchcock. Mas era uma interpretação tão cerebral e com o pé na realidade que resolvi deixar de lado.

Na segunda vez, eu entrei no cinema com uma namorada. Achei que ela e os pássaros obviamente tinham preferido Psicose, o filme anterior de Hitchcock. Até porque em Psicose tinha uma cena sensacional de chuveiro. E aqui, a melhor cena era de uma cabine telefônica, onde não dá para ver nem o decote de ninguém. E a namorada me deu um chutaço depois do cinema.

Na terceira, eu achei que tinha ido com uma galera. Mas acordei sozinho, com os pássaros já mais calmos, taciturnos, vigiando as pessoas dentro da casa. E aí, depois que o filme acabou, tive que ser retirado à força do cinema por um time de lanterninhas. Eu queria ficar dentro do cinema, que era escuro e seguro. Eu queria ficar dentro de um lugar sem janelas, onde os pássaros não pudessem me perseguir. Eu queria a minha mãe. Eu queria não ter experimentado daquele chá! E, aos poucos, com minha camisa de mangas compridas, muito compridas, voltei para a realidade.

A revolta misteriosa dos pássaros contra os seres humanos, em Bodega Bay, estava condenada a ser um mistério eterno! Mas eu li hoje essa notícia e ofereço aqui e agora, o verdadeiro significado do filme, o Rosebud para entender “Os Pássaros”. Sim, porque aconteceu de verdade. E nem é preciso ter penas. Basta o primeiro fazer, para que os outros comecem a imitar. E, se já começou, vai acontecer ainda mais. E eu ainda nem falei da gripe aviária. Atchim! Socorro!

22 comentários:

macost disse...

Careca
depois da arraia assassina acho melhor a gente sambar lá na montanha com os gorilas. Ouvi dizer que lá a gente pode fazer uns chás bem bons. E parece que por lá não tem muito passarinho não. Que tu acha? Ramu?
;)

Careca disse...

Maria,
já estou fazendo as malas. Ainda mais agora, que a Península Antártica está por um fio...

macost disse...

Então ta combinado. pega a patroa (vo levar o patrão, né?), o principe, a princesa e bora!
Remake de filme é sempre chato, eu acho (ou eu sou chata, sei lá...), ainda mais remake de filme de cineasta famoso. Bah.

Careca disse...

Maria, só espero o OK da Patroa para ir sambar. Ela não vai porque alguém tem que trabalhar...
Mas tudo na vida tem exceção, inclusive remake. Ex: Infiltrados ("The Departed" - M. Scorcese), que é muito bom, é remake do filme Infernal Affairs, de Hong Kong. Outro remake bom é Perfume de Mulher. O original é italiano. Tem muitos.
:)

Anônimo disse...

Hahaha, Careca! Além de talentosíssimo escrevinhador, você é completamente maluco!! E ao menos no seu caso, essas coisas estão intimamente relacionadas, 'I suppose...'

Careca disse...

Márcio,
eu não sou completamente maluco.
Ainda. Mas o médico falou que eu chego lá...

Anônimo disse...

careca, sabe o que é?
eu não entro em linque de blog.
tenho preguiça. demora. tenho que raciocinar demais. blog é raciocinar pouco, só na hora do comentário que a gente se esforça pra fazer sucesso. é uma coisa minha, tipo não passar corrente nunca.
dai fico sem entender uns posts.

Maína Junqueira disse...

Ahahahahahah, adorei adorei!
Nossa, depois de horas trabalhando sem parar, a parada aqui é o melhor negócio.
Também morro de medo desse filme, nunca consegui assistir até o fim.

E tu é louco de pedra!

Careca disse...

Franka,
link de blog é que nem letreiro de filme. Lê quem quiser.
Um Rosebud,

Careca disse...

M.J.,
pare. Continue parada. Calma. Parada. Parada. Firme. M.J.? M.J?Acorda!

Anônimo disse...

Hahahahha, minha barriga tá doendo de tanto rir. E o pior de tudo é que eu morro de aflição desse filme.

A dúvida que não quer calar: a arraia que voa não se parece com aquele tal de pterodáctilo que a gente aprendeu na escola?

Careca disse...

Mawá,
e eu vi a notícia no seu blog! Essa arraia é o próprio sub-voador, de Viagem ao Fundo do Mar.

Anônimo disse...

Careca,

Tente baixar "The Perverts' Guide to Cinema", de Slavoy Zizek. Você vai aprender tudo sobre a psicologia dos pássaros (e de uma perspectiva lacaniana!!), sobre o trenó de Welles e, de quebra, um bocado de coisa sobre Lynch, Kubrick e os irmãos Marx. Lacanismos à parte, o documentário é muuuuito legal.

Beijo e você e na patroa.

Careca disse...

Cynthia,
muito obrigado. Esses nomes polacos são difíceis pacas de lembrar, não é mesmo? Conto com a sua ajuda para me tornar um intelectual cinergético e sinérgico. Ou vice-versa.
Beijo,

Anônimo disse...

É melhor não: de maneira geral, intelectuais escrevem mal à beça.

Olha lá um pedacinho do guia do pervertido:

http://www.youtube.com/watch?v=j9cLaGX8xb8&feature=related

Beijo

Careca disse...

Cynthia,
como diria Schopenhauer, putzgrilla!! Muito bom. Valeu a dica.

Anônimo disse...

E então! Eu gosto especialmente da parte onde o Zizek sugere que o ataque dos pássaros é um simbolismo para expressar o desejo de cometer incesto. Aposto que você não tinha pensado nisso, hein, hein? Agora que sabe, já pode superar a sua ornitofobia.

Careca disse...

Cynthia,
Ave Maria!!
Eu sempre fui ruim de basquete. Não incesto nada.Hein?Hein? Convivo bem com a minha ornitofobia graças a uma espingarda de chumbo.

Anônimo disse...

caraca! careca! quando eu era criancinha no barco com meus pais uma arraia imensa voou na frente do barco e passou por baixo. lembro da sombra negra muito maior que nós e a cara de pavor dos pais e tios.
ahn... esqueci o que eu ia dizer dos pássaros.

Anônimo disse...

ah sim! eu ia outro dia pela fernão dias e um pombo voando morreu no ar e caiu no capô do carro!

Careca disse...

Leila,
é fogo, eu também esqueço muito, toda hora.

Careca disse...

Leila,
é terrível,desligou em pleno vôo!
Já vi isso acontecer em aquários. Os peixinhos nadando e, de repente, o pequeno Nemo vira de cabeça pra baixo e começa a boiar. Triste, triste.

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