segunda-feira, 3 de março de 2008

Coleções inesquecíveis




Teve uma época que eu gostava de tomar vinho. E eu bebia numa boa, sem me meter a conhecedor. E sem fins reprodutivos. E eu juntava as rolhas das garrafas. Quando casei com a Patroa, trouxe a minha coleção de rolhas de garrafas comigo. Éramos inseparáveis.
_Quê qué isso, Careca?
_São lembranças doces e amargas dos momentos essenciais da minha vida – eu disse, com um suspiro.
_Para mim parece um monte de rolha velha. Você lavou essa porcaria? – cortou a Patroa.
_Claro. Um dia elas serão muito úteis.
_Úteis é o caramba! Isso não serve nem para jogar no lixo.
Se a minha veia poética fosse uma carótida, a Patroa já teria provocado uma hemorragia fatal há muitos anos.
Um dia cheguei em casa e não vi a minha coleção de rolhas de garrafas de vinho.
_Você viu, bem? Estava bem aqui, do lado da orquídea?
_Viu o quê?
_A minha coleção.
_A mamãe veio visitar a gente, pediu uma rolha e eu dei para ela.
_E o que fez com as outras?
_Bom, não sei, ela só estava precisando de uma, então eu pedi para ela jogar o resto fora.
_E ela jogou na lixeira, benhê?
_Não, ela jogou direto num caminhão de lixo que estava passando na hora.
_Muito, muito gentil da parte dela.
_Mamãe é su-per-le-gal.
_Não te disse que as rolhas seriam úteis? Quer dizer, pelo menos uma delas foi.
_Ela ligou agora. Não serviu na garrafa. A mamãe teve que jogar fora.

Aí eu entrei numa fase esportiva. Fazia exercícios como Frei Tuck e tomava Gatorade. Na época eles tinham uma garrafa legal, bonita, toda trabalhada. Eu achava bacana à beça. E comecei a juntar.
_Pô, Careca, porque você está juntando isso?
_São lembranças de dias suados e de esforços fantásticos – eu disse, fungando o nariz.
_É um monte de garrafa feia.
_ É um modo de ver as coisas. Mas um dia elas serão muito úteis.
_Útéis é o caramba! Essa nhaca não serve nem para reciclar!
Se eu tivesse mesmo uma veia de atleta, a Patroa já teria infartado ela.
Um dia cheguei em casa e não vi a minha coleção de garrafas de Gatorade.
_Você viu, benhê? Tava bem aqui, perto sua coleção de orquídeas.
_A mamãe veio visitar a gente, pediu uma garrafa e eu dei para ela.
_Acho que já tivemos uma conversa parecida. E o que fez com as outras?
_Pois é, quando fui pegar uma, tropecei e esbarrei nas outras 158 garrafas. Caíram todas no chão e quebraram. Tinha caco em tudo que é lugar!
_E você machucou, amor?
_Não, mas minha mãe teve um corte no dedinho!
_Eu sabia que iam servir para alguma coisa.

Aí, um dia a Patroa chegou em casa e não viu a coleção de orquídeas...

6 comentários:

Maína Junqueira disse...

Nossa, que guerra!
Sabe que aqui em Sampa tem um restaurante com uma varanda. Pois o revestimento interno do telhado da varanda é feito de? ROLHAS!
É lindo. O restaurante chama-se Pascuale:

http://secondotucci.blogspot.com/2007/
12/20-pasquale.html

Careca disse...

Que guerra que nada, M.J.. As orquídeas estão bem, estão com pessoas de confiança.

Unknown disse...

Careca, meu marido tem uma vasta coleção de garrafas de cervejas vazias e eu não deixo minha mãe nem chegar perto delas :)

Careca disse...

Márcia, seu marido é um sujeito de sorte. Continue assim...

Anônimo disse...

os filhos da bê e os meus filhos, quando eram pequenos, nas férias na praia no reveillon, recolhiam rolhas, pintavam umas carinhas e brincavam de ROLHÓPOLIS. hahahaha

Careca disse...

Franka, sei tudo sobre essa cidade. Eu moro nela.

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