sábado, 6 de abril de 2013

Descendo o rio



The Fall - Totally Wired

Meu mundo não é mais correr entre um amontoado de prateleiras com milhares de mercadorias expostas. Já não tenho loucura para comprar muita coisa. Tive meus surtos por livros, fui um maluco atrás de discos, filmes, músicas e todas as coisas bonitas e gostosas que o dinheiro pode comprar. Mas não sou mais, diminuiu a minha vontade de consumo e perdi um pouco do pique para viver atrás de dinheiro. Ou talvez isso seja só uma incapacidade. Às vezes acho que estou farto. Em outras situações, percebo que sou irremediavelmente insaciável. Tenho uma lista de coisas que devo evitar.

Gosto de viajar, é verdade, mas o meu mundo não é mais um refazer de aventuras e trajetos, de buscar alcançar lugares em que nunca estive e de ver o que nunca vi, muito menos de sentir novamente o que já senti. Não é mais uma corrida sem fim. Tenho as minhas lembranças dos lugares e tempos em que me senti mais humano e vivo, orgulhoso de ser bom e pequeno. E algumas são mesmo insuperáveis: ver um sorriso feliz em alguns rostos. Meus olhos estão bem abertos agora, os melhores lugares em que estive procuro mantê-los bem perto de mim.

Minha vida também não é mais alcançar metas e vencer desafios. Eu já me impus um monte deles e também venci alguns que me foram impostos. Minhas recompensas foram variadas, mas as últimas não valeram a pena. Fui derrotado muitas vezes, até mesmo em algumas ocasiões em que pensava ter vencido. Deixei de fazer o que acreditava para fazer o que outras pessoas acreditavam ser o melhor. Na época me pareceu uma boa decisão, o que hoje percebo ser um absurdo. Mas estará sempre errado aquele que deixa outro traçar o seu caminho? Existem mesmo pessoas que sabem o que é melhor para a sua própria vida? Seja como for, perdi aquela capacidade de confiar cegamente. Hoje sou assaltado por dúvidas.

Cada vez mais, minha vida é também uma forma de escrever, nem sempre bem. Deixei de perseguir um estado da mente, de buscar uma concentração especial, de procurar fazer o melhor. Corto palavras com preguiça, me deixo pautar pelas coisas jogadas à beira do caminho. Escrever não deve ser um castigo, nem uma provação. Do mesmo modo, não é sempre um prazer, não é obrigatoriamente um exercício feliz de criatividade. Às vezes pego impulso numa frase solta antes de saltar para o tronco e descer o rio. Quem sabe para onde seremos levados?

Imagino a minha vida como um antigo mapa que refaço com a geografia que um dia eu soube, mas que esqueci durante um longo tempo. Estou me recuperando, estou sempre me recuperando da enorme quantidade de tempo perdido. Mas ainda assim, acordo de madrugada sobressaltado com a certeza de que a minha tarefa, apesar de não ser impossível, será apenas um grão minúsculo numa tonelada de areia despejada na praia. No entanto, é a minha tarefa ínfima, inútil e sem serventia. Sou eu o único responsável por esse pequeníssimo grão que passará despercebido. É como a partícula que me deixa vivo.

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