quinta-feira, 25 de abril de 2013

Comparando Larry David e Raymond Carver



Etta James - I've Gone Too Far

Um vez pensei em fazer um livro sobre as conversas imaginárias que eu costumo ter com alguém da minha Kombi de leitores ou com amigos e amigas distantes. Isso não chegou a virar um projeto, só rabisquei algumas folhas com esboços iniciais desses diálogos. Costumo deixar essas idéias anotadas em papéis que uso para marcar os livros que estou lendo e depois acabo me esquecendo delas. Um belo dia, quando menos espero, ao folhear um livro qualquer encontro esses pedaços de folhas soltas com anotações na minha letra horrorosa.

Hoje, por exemplo, estava folheando “Fique Quieta, Por Favor”, do Raymond Carver, publicado pela Rocco, em 1988, tradução de Maria Helena Torres da edição original norte-americana de 1963. É um dos meus livros prediletos. Tenho a edição revista pela mulher do autor, com os contos integrais, sem os cortes radicais do editor de Carver, mas, sinceramente, prefiro as versões antigas. Acho que elas calaram mais fundo, como se diz. Ao folhear o livro, de dentro caiu uma filipeta com a seguinte anotação:

“Haveria outro homem, ele se perguntou embriagado, capaz de perceber através de um acontecimento qualquer, as conseqüências catastróficas que certos detalhes desencadeiam em suas vidas?” (Raymond Carver)

Depois disso eu escrevi “Larry David” e coloquei um pequeno ponto de interrogação.

Larry David(Curb Your Enthusiasm e Seinfeld) é um dos comediantes que mais admiro. Seu humor cáustico tem origem nas mesmas pequenas coisas, nos pecadilhos que cometemos todos os dias. A partir dos desatinos mais simplórios, ele descasca cebolas bem humoradas, rola bolas de neve e desenrola novelos de lã impossíveis de se desembaraçar. Se ele, sem querer, fecha a porta do carro com a chave, acabará sendo obrigado a enfrentar, a pé, a fila do drive-trough da lanchonete. Se o cachorro rosna para a colega de trabalho negra, David tentará provar, com advogado e tudo, que não é um racista desprezível.

Raymond Carver é parecido, só que ao contrário. Carver é um devoto dos pequenos sinais que as tragédias e pesadelos emitem antes que se abatam sobre nós. Ele é bem detalhista na construção de seus enredos, onde situações banais se convertem em dissecações pormenorizadas de sentimentos que preferiríamos não saber que temos. Mas onde Raymond Carver vê drama e catástrofe com a sua tristeza alcoólatra, Larry David vê uma oportunidade para fazer com que cada um ria de si mesmo.

Eu consigo perceber que meu humor no dia-a-dia oscila entre os dois. Gostaria de rir mais de mim mesmo como Larry David, mas às vezes sinto uma propensão invencível para o drama, tal qual Carver. Na verdade, no mundo real, sou um desajeitado para sair de pequenas situações constrangedoras.

Outro dia mesmo eu estava numa longa fila para comprar pipocas no cinema. Minha mulher estava com as crianças na outra fila para comprar os ingressos, o filme começaria em alguns poucos minutos. Eu me virei para procurar por eles um segundo e no instante seguinte lá estava uma mulher enorme na minha frente. Putz! Fiquei colérico e tive que cruzar os braços para conter a raiva. Fiquei pensando em Moby Dick, Orca e Free Willy, mas nada fazia passar o ódio por estar sendo passado para trás até mesmo numa coisa tão idiota quanto a fila para comprar pipocas. Rapidamente, a fila cresceu atrás de mim. Para piorar a situação, um grandalhão ainda maior do que a mulher se emparedou ao lado dela e ambos começaram a fazer sinais para uma dupla de rapazes de roupas bem apertadas que se aproximaram rapidamente.

_Com licença – eu disse em voz alta, chamando a atenção de Moby e Willy. Vocês estão atrás de mim nessa fila.

Willy olhou para mim como se eu fosse uma castanha-do-Pará pronta para ser quebrada. Eu virei os olhos para Moby e repeti mentalmente para mim mesmo que aquele era um pequeno passo para o homem, mas um grande passo para a humanidade. Acho que Moby não estava se sentindo muito bem, de modo que tive sorte e ela assentiu com a cabeça.

_Tudo bem, tudo bem, não precisa brigar por causa de um lugar na fila – ela disse.

_Eu não estou brigando – eu disse, com firmeza.

A mulher deu de ombros e os quatro se instalaram atrás de mim. Em seguida chegaram minha mulher e meus filhos.

Devo confessar que o desfecho surpreendentemente positivo me deixou bastante orgulhoso de mim mesmo. Então, por um breve momento, eu me senti bem como Larry David, com um sorriso interior enorme, quase gargalhando. Mas depois pensei que se Moby Dick tivesse resistido um pouco mais, minha mulher e meus filhos teriam testemunhado o marido e pai sofrer uma humilhação pública. Aí fiquei acabrunhado e senti uma sede enorme, como Raymond Carver.

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