Eu gosto muito de ficar longe do carnaval. Pelo que eu me lembro, isso vem desde os meus quinze anos de idade. Não aconteceu nenhum trauma, nem nada. É que sempre fui um sujeito sem paciência de vestir um estereótipo. Não tenho samba no pé. Axé music me dá erisipela. Acho música de trio elétrico uma forma de tortura que começa pela fissura dos tímpanos. Marchinha, para mim, é sinal para arrumar as coisas e dar o fora, batendo o pé.
Além disso, detesto aquela falsa alegria, aquela ostentação de entusiasmo do carnaval. E não suporto mais a batucadinha. Todo brasileiro é metido a saber batucar, até eu já me meti a percursionista de caixa-de-fósforo. A ritmista de colher e garfo em beirada de copo e prato. Hoje não tolero mais o repique do timbal, a pancada do pandeiro e a gravidade do atabaque. Quero distância até do pé-de-pato mangalô, as tradicionais três batidas na madeira. Para mim, o melhor carnaval é estar longe da folia, do ziriguidum, do ilê, do alá-lá-ô.
Por isso, foi com perplexidade que outro dia me peguei assobiando um samba-enredo. Os dedos indicadores apontando para o alto. Só consegui interromper a avalanche sambista depois de beliscar a minha própria bochecha, durante o estribilho da bateria. Cacilda! Aumentei a minha auto-vigilância, procurei o anti-contágio carnavalesco. Passei a escutar só os clássicos do rock no automóvel. Led, Who, Stones, Guns, Metallica, Queen, Beatles, Raulzito, só coisa boa.
Passaram-se duas semanas e não aconteceu mais nada. Me julguei curado. Tudo não teria passado de uma leve intoxicação.
Então, ó minha Kombi de leitores, tive uma recaída fenomenal. Na sexta da semana passada, durante todo o dia, meu cérebro fez repinique com o clássico Bumbum-paticundum-bungurundum. Fiquei com um eco do grito de guerra do Neguinho da Beija-Flor ecoando nos meus ouvidos: Olha a Portela aí, minha gente!Ma-du-rei-rei-rá!
Para me concentrar no trabalho, tratei de organizar um arquivo morto que, um dia depois da crise, precisará ser ressuscitado. Mas esse trabalho envolvente, acolhedor, favoreceu, de algum modo, a germinação e efervescência de pequenos e antigos sambas de Caetano e Chico Buarque na minha cabeça. Caramba! Era como se alguém tivesse enfiado um sonrisal de sambas no meu ouvido e todos eles começassem a espumar dentro da minha cachola. Vai passar nessa avenida um samba popular, com samba, suor e cerveja, um dia, página feliz da nossa história, atrás do trio elétrico....
É lógico que reagi com doses estratosféricas de rock, jazz, blues, bossa nova e até mesmo MPB. Mas não deu certo. Quando eu estava quase bom, lá vinha o Neguinho: Olha o nosso samba aí, gente! E imediatamente a minha mente era povoada por um desfile interminável dos carnavais vividos, vistos e imaginados da minha vida. Todas as mulheres fantásticas. Toda a nudez não castigada. Todos os desejos e prazeres loucos sonhados para os carnavais que não pulei, que pulei pouco e que agora já não dá mais para pular.
Desde então, tenho evitado ligar o rádio. Também estou dando um tempo na TV. E só agora estou me dando conta de que isso é como no samba do Chico. No fundo, estou me guardando pra quando o carnaval chegar.
4 comentários:
GENIAL, careca.
Texto cheio de suingue!
ops! desculpa.
texto rock ´n roll do caralho!
YEAH!
abraço
Ô Careca, que saudades! To vendo que vc continua ótimo e agora na nova versão: sambando! Isso aê mermão.
Aê Beija Florrrrrrrrrrrrr, Mangueira Estação Primeira!!!!
um grande abraço e capricha na evolução! rs
Maria
Bono, grande abraço.
Maria, também estava com saudades. Agora sim vai ter carnaval, abç,
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