Há um ano, eu estava tomando muito café. Eu entrava nas ante-salas e ficava esperando uma eternidade. Aí, de repente, a secretária se lembrava de ser gentil. Era sempre uma secretária diferente. Também era sempre um lugar diferente. Só eu estava igual. Eu levava o currículo. Tinha feito a barba na véspera. Estava de terno e gravata. E a secretária, quando se lembrava de ser gentil, me oferecia um café. Eu sempre aceitava. Me disseram que não é bom começar uma entrevista recusando alguma coisa. Eu acreditei.
Além disso, eu sempre usei a xícara de café como um teste de nervosismo. Se eu estivesse nervoso, minhas mãos tremeriam e eu teria que usar as duas mãos para segurar a xícara. A mesma coisa com a água. Nunca recuso a água que me oferecem. Tem alguma coisa a ver com aquele famoso ditado: Nunca diga desta água não beberei. Eu não digo. E aceito a água.
Lembro que na primeira vez, em janeiro, eu estava tremendo um pouco. Fazia tempo que não fazia uma entrevista. A secretária notou. Não demonstrou a menor simpatia. Na verdade, tentou disfarçar um leve sorriso, que eu tomei por desdém. Por causa disso, nem bebi o café todo. E até pensei em recusar a água. Mas o ditado é forte. Ele ecoou na minha cabeça. Fiz uma péssima entrevista por causa daquele sorriso. E quando eu saí da sala de entrevista, não pude evitar um olhar raivoso para a secretária. Ela fingiu que não viu.
Depois da décima entrevista, a coisa começa virar rotina. Você já olha a secretária sem muita consideração. Calcula rapidamente a idade das senhoras pelo coque, observa as unhas e as roupas. E dá um jeito de ver os sapatos da secretária. É possível descobrir tudo de uma empresa só olhando para os sapatos da secretária. Você também faz uma avaliação mais criteriosa das cadeiras da ante-sala. Observa o tapete. Vê se a mesa de centro combina com o resto da mobília. E depois critica os quadros das paredes.
_Caramba! Quem pintou esse quadro?
_Hã?
_Esse quadro amarelo aqui.
_Foi o filho do chefe – e aqui se acendeu o sinal de alerta do aranha.
_Um neo-psicodélico maravilhoso! E a moldura é simplesmente perfeita! Valoriza as cores e realça a temática. Esse cara vai longe.
_Você acha?
_Sim. (Ele deveria estudar pintura bem longe daqui. E estudar muito – eu pensava).
_Hã? – ela perguntou, como se estivesse escutando eu pensar alto.
Dei de ombros.
_Já vi fraldas mais bonitas - eu disse, olhando para a secretária. Um brilho de malícia cintilou naqueles olhos de meia-idade. Ela sorriu um sorriso divertido.
Então pegou o telefone e pediu para o garçom trazer café e água. Não sei se foi coincidência, mas as entrevistas começaram a ficar mais longas depois daquele dia.
2 comentários:
entrevistas...
gordos sofrem, Careca.
abraço
Careca,
Você foi neossincero radical!
As secretárias são quase sempre oprimidas...
Aposto que fez um curso de psicologia do secretariado aos sábados com a sua amiga milionária!
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