sábado, 7 de fevereiro de 2009

O crítico do hall

Há um ano, eu estava tomando muito café. Eu entrava nas ante-salas e ficava esperando uma eternidade. Aí, de repente, a secretária se lembrava de ser gentil. Era sempre uma secretária diferente. Também era sempre um lugar diferente. Só eu estava igual. Eu levava o currículo. Tinha feito a barba na véspera. Estava de terno e gravata. E a secretária, quando se lembrava de ser gentil, me oferecia um café. Eu sempre aceitava. Me disseram que não é bom começar uma entrevista recusando alguma coisa. Eu acreditei.

Além disso, eu sempre usei a xícara de café como um teste de nervosismo. Se eu estivesse nervoso, minhas mãos tremeriam e eu teria que usar as duas mãos para segurar a xícara. A mesma coisa com a água. Nunca recuso a água que me oferecem. Tem alguma coisa a ver com aquele famoso ditado: Nunca diga desta água não beberei. Eu não digo. E aceito a água.

Lembro que na primeira vez, em janeiro, eu estava tremendo um pouco. Fazia tempo que não fazia uma entrevista. A secretária notou. Não demonstrou a menor simpatia. Na verdade, tentou disfarçar um leve sorriso, que eu tomei por desdém. Por causa disso, nem bebi o café todo. E até pensei em recusar a água. Mas o ditado é forte. Ele ecoou na minha cabeça. Fiz uma péssima entrevista por causa daquele sorriso. E quando eu saí da sala de entrevista, não pude evitar um olhar raivoso para a secretária. Ela fingiu que não viu.

Depois da décima entrevista, a coisa começa virar rotina. Você já olha a secretária sem muita consideração. Calcula rapidamente a idade das senhoras pelo coque, observa as unhas e as roupas. E dá um jeito de ver os sapatos da secretária. É possível descobrir tudo de uma empresa só olhando para os sapatos da secretária. Você também faz uma avaliação mais criteriosa das cadeiras da ante-sala. Observa o tapete. Vê se a mesa de centro combina com o resto da mobília. E depois critica os quadros das paredes.

_Caramba! Quem pintou esse quadro?
_Hã?
_Esse quadro amarelo aqui.
_Foi o filho do chefe – e aqui se acendeu o sinal de alerta do aranha.
_Um neo-psicodélico maravilhoso! E a moldura é simplesmente perfeita! Valoriza as cores e realça a temática. Esse cara vai longe.
_Você acha?
_Sim. (Ele deveria estudar pintura bem longe daqui. E estudar muito – eu pensava).
_Hã? – ela perguntou, como se estivesse escutando eu pensar alto.
Dei de ombros.
_Já vi fraldas mais bonitas - eu disse, olhando para a secretária. Um brilho de malícia cintilou naqueles olhos de meia-idade. Ela sorriu um sorriso divertido.
Então pegou o telefone e pediu para o garçom trazer café e água. Não sei se foi coincidência, mas as entrevistas começaram a ficar mais longas depois daquele dia.

2 comentários:

Paulo Bono disse...

entrevistas...
gordos sofrem, Careca.

abraço

Mwho disse...

Careca,
Você foi neossincero radical!
As secretárias são quase sempre oprimidas...
Aposto que fez um curso de psicologia do secretariado aos sábados com a sua amiga milionária!

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