domingo, 22 de fevereiro de 2009

O cantor no banheiro I

Na primeira vez que percebi que havia um sujeito que cantava no banheiro eu havia brigado com minha mulher. Entrei para lavar o rosto. Na verdade, todas as vezes em que entro numa discussão meu rosto fica em brasa. Só consigo me sentir bem depois de mergulhar o rosto por alguns segundos na pia cheia de água. Quando faço isso e sinto o sangue diminuir o latejar nos meus ouvidos é que começo a me sentir melhor. Aí levanto a cabeça e retomo a respiração normal, devagar, até que o meu rosto fique com a cor de sempre.

Acho que eu sou meio cinza-pálido. E eu demoro a voltar a ficar dessa cor. Algumas vezes a sensação de latejar nos ouvidos demora pouco mais de alguns minutos para desaparecer. Em outras, o latejar é tão forte que mergulhar o rosto é quase um afogamento. Tenho que ficar muito tempo mergulhado.

O banheiro do prédio onde eu moro tem um vão no banheiro. É um duto de ventilação, bloqueado com uma espécie de persiana de alumínio. Por esse duto, é possível escutar sons de todos os apartamentos, embora seja difícil dizer de qual apartamento venha cada som. Pois como eu dizia, foi nessa vez, depois de uma discussão forte, que eu percebi a canção vindo da persiana de alumínio.

Em algum lugar do prédio, um homem cantava uma canção numa língua que eu não conheço direito. O duto contribuía para distorcer a voz e embolar as palavras. Era alguma coisa tola sendo dita de uma maneira agressiva. Parecia alemão. Talvez italiano, porque era sem sombra de dúvida, um trecho de ópera.

Sempre achei cantar no banheiro uma coisa natural. Desde pequeno me acostumei a cantar debaixo dágua. Ou dentro dágua, se tenho a sorte de estar numa banheira. Canto rock, solfejo. Mas na maior parte das vezes, canto Beatles. Acho que Beatles combina muito com um chuveiro. Mas ópera? Quem diabos iria cantar ópera no banheiro?

Eu ainda estava um pouco irritado com a discussão e acho que foi isso que desencadeou tudo. Comecei a assoviar alto dentro do banheiro. Só quando estava na metade da música é que percebi o quanto é difícil assoviar Yellow Submarine. Seja como for, a voz de ópera sumiu. Aguardei mais alguns minutos, até porque a minha cor ainda não tinha voltado ao seu normal. Depois saí do banheiro, tal qual um vencedor. (continua)

Nenhum comentário:

Frase do dia