domingo, 24 de março de 2013

A hierarquia dos xingamentos



Curb Your Enthusiasm - Empty Gesture - To say something without an intention of actually doing it.


Meninos sempre xingaram, amaldiçoaram e caçoaram dos outros meninos. É lógico que também brincaram, vibraram e fizeram festa juntos. É assim e acho que sempre será. A não ser que aconteça algo como naquele conto de ficção científica do Philip K. Dick, em que os aliens conquistam o mundo depois de popularizar entre as crianças um jogo parecido com um banco imobiliário às avessas, onde ganha quem perde. Vencia a partida quem ficasse sem dinheiro e sem propriedades. No conto, os seres extraterrestres eram uma espécie de comunistas espaciais que não apelavam para pogrons e campos de extermínio. Eles preferiam a ação lenta: minar a resistência dos terráqueos acabando com a capacidade crítica das crianças, eliminando a noção de propriedade.

É um conto datado, da época da guerra fria e bem difícil de comparar com a realidade brasileira. Aqui, tendo em vista as últimas redações do ENEMa e os discursos do primeiro escalão, talvez estejamos destruindo a capacidade de articulação e concatenação de idéias, o que talvez seja mais eficaz para a nossa derrocada definitiva. Mesmo assim, torço para que as capacidades de xingar e praguejar sejam mais arraigadas e presas ao instinto, como parece provar qualquer martelada no dedão, e nos ajudem a resistir e a não entregar a rapadura de vez. Acredito que, a começar do amor de mãe(e de pai), só defendemos o que nos é próprio.

Quando menino, três xingamentos eram motivos inegociáveis de pancadaria e briga de soco: maricas, dedo-duro e baba-ovo. Maricas não é o mesmo que chamar de mulherzinha ou de enrustido, não tem nada a ver com o sexo ou com a sexualidade. Existem mulheres corajosas que não são mariquinhas e exalam feminilidade. Para citar alguns exemplos, minha mãe, minhas duas irmãs, minha mulher, minha filha e um monte de amigas nunca foram mariquinhas e se forem provocadas não duvido que saiam no braço com o ofensor. Maricas, ou mariquinhas, tem mais a ver com a falta de valentia e brio, é gente com sangue de barata. Todos os meninos queriam ser Tarzan, Super-Homem, Batman, Robin ou até mesmo alguém vestido de colant roxo e sunga listada de preto e amarelo, com máscara, desde que fosse valente e combativo como o Fantasma. Os que não queriam ser assim, a gente chamava de mariquinha. Quem não saísse no braço (e não precisava vencer, só precisava sair do lugar e ter coragem de xingar de volta) a gente continuava a chamar de mariquinha. Por natureza, é um descontente. Sempre se julgará preterido, mas continuará a esperar que as coisas lhe caiam do céu. Sua covardia é também o seu túmulo. Todos lhe viram as costas e o esquecem rapidamente. Ele aprende rápido que ninguém se lembra dos covardes e por isso dará pitis de pretensa valentia.

Dedo-duro também era um xingamento que descambava em porrada. O rato é sempre desprezado. Desde a mais tenra idade, a pessoa que nos entrega à desaprovação alheia nos é odiosa. Do mesmo modo, a pessoa que se esmera em buscar reconhecimento alheio nos constrange. O propagandista é o outro lado da moeda falsa do delator. E não adianta alegar bons motivos e propósitos. O delator é sempre vil e sempre mentirá para se defender. Ele nos delata por recompensa, que é sempre pífia comparada ao sofrimento que provoca. O dedo-duro é um dos maiores traidores e é sempre o primeiro a morrer nos filmes de gangsteres, pode anotar. O dedo-duro é a personificação mais abjeta e desprezível da vilania. O dedo-duro, uma vez descoberto, se contorce em remorsos e se esconde nas sombras. Como castigo, ao dedo-duro é imposto silêncio e todos lhe recusam a palavra.

Outro dos campeões dos xingamentos era baba-ovo. O puxa-saco é o aliado de todas as horas de quem está em alguma posição, ainda que ínfima, de poder. Para mim, há uma hierarquia de xingamentos. Baba-ovo é pior do que maricas, porque se faz de valente, sentado preguiçosamente atrás dos poderosos. É pior do que dedo-duro porque são os puxa-sacos que incentivam o dedo-duro a dedurar. Não lhe atormenta o remorso e desconhece o constrangimento que provoca. O lambe-botas é o bajulador de plantão. Ele só fará esforços para manter a sua zona de conforto. O bola-gato é o mais desprezível dos três, lhe falta a noção do ridículo. Ele alegará que a subserviência é melhor que a não sobrevivência. Mas isso é uma falácia. O que pode ser pior que servir voluntaria e regozijosamente aos maus? É possível ser bom sendo espontaneamente subserviente ao malvado? Acho que não. O baba-ovo, com seu egoísmo, é a omissão de todas as virtudes. É ele que perpetua a existência e o poder dos tiranos, déspotas e canalhas.

O campeão dos campeões dos xingamentos não é preciso dizer. É a soma dos três acima, na agressão direta à primeira pessoas que nos ama, antes mesmo que o ar entre nos pulmões.

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