quarta-feira, 20 de março de 2013

O paraíso em que vivemos



Etta James, Harvey Fuqua - Spoonful

As últimas pesquisas de opinião comprovam que uma das melhores maneiras de se aumentar o índice de aprovação do governo brasileiro é fazer tudo errado. Basta alguém fazer uma besteira para que os aplausos comecem a pipocar. Não basta reduzir pela metade o valor da segunda maior empresa petrolífera do planeta. Entre outras coisas ruins é preciso esculhambar com o setor elétrico, garantir a desindustrialização definitiva, reduzir ainda mais drasticamente a qualidade da educação e promover a volta da inflação.

Alguns críticos dizem que o governo é ruim para fazer as coisas, mas sabe se comunicar muito bem. Eu poderia concordar se conseguisse entender o que algumas autoridades falam fora dos palanques. Embora reconheça que isso é quase impossível, pois vivemos intermináveis dias de comício. Os fascistas e nazistas criaram o conceito de guerra total e permanente. Os gênios da esquerda bolaram o clima de eleição total e permanente, e assim ninguém sai do palanque, onde se faz o diabo. Os mandachuvas mais vaidosos discursam durante horas. Os menos verborrágicos inauguram pedras fundamentais. Os gagos, que não conseguem unir sujeito e predicado, dão bronca no moço das emas. Ninguém liga. Todos estão felizes porque o dinheiro dos impostos está sendo gasto com quem precisa: cabos eleitorais, empreiteiras e agências de publicidade.

Estamos ferrados. O presente perde o sentido. Todas as providências são sempre inéditas e remetidas a um futuro próximo, mas nem tanto. As promessas nunca são cumpridas. As cobranças são solenemente ignoradas. Qualquer postura crítica ou mesmo a menor observação sensata é perseguida e combatida. Os desvios mais radicais, os malufismos, sarneizismos e collorismos mais perversos e pervertidos são tolerados e incensados.

Na minha opinião é o contrário. O governo que torra zilhões dos cofres públicos com a propaganda de que os hospitais públicos estão melhores, quando estão caindo aos pedaços e repletos de doentes, não liga a mínima para a boa comunicação. Ele mente. Só isso. Nem vou falar de segurança(prisões pocilgas, etc) e educação(gaiolas de doutrinação, etc). A boa comunicação pressupõe a abertura para o diálogo e o contraditório, ouvir argumentos divergentes e estar disposto a acatar melhores teses. É possível fazer isso de maneira civilizada, ou pelo menos sem pitos, broncas, dedinhos em riste e vassouradas. Mas não por aqui. E de qualquer forma, ninguém liga.

As pesquisas de opinião mostram que os governantes estão certos. Provam que erros de concordância, e até mesmo o “estrupo” ocasional da língua, podem ser risonhamente apoiados por dois terços da população, desde que se tenha crédito facilitado. As vaias ocasionais, como sabemos, só acontecem em lugares onde os gatos pingados da oposição e da imprensa golpista racham uma quentinha.

Tenho que correr porque daqui a pouco vem o apagão do meio da tarde, o céu está nublado. Hoje tem consulta com o médico que não aceita o meu plano de saúde e espera eu insistir muito para entregar um recibo. Sofri uma pequena lesão ao ajudar uma mulher a trocar o pneu debaixo de chuva, numa pista super-esburacada, ao lado de um metrô que nunca termina, perto de um estádio de futebol gigantesco e caríssimo, numa cidade que não tem nenhum grande time. O consultório do médico fica longe de qualquer estacionamento seguro, perto de uma escola onde os traficantes disputam clientes com pequenos surtos de violência e assassinatos ocasionais. Ali, o futuro da nação escuta uma doutrinação capenga feita por professores desmotivados, que caminham para mais uma greve interminável. Um deles lê o jornal do dia. Acha incrível que um terço da população desaprove o governo do paraíso em que vivemos. Isso tudo logo agora que anunciaram a liberação de mais uma montanha de dinheiro para a prevenção de enchentes que acabam de fazer mais três dezenas de mortes no mesmo lugar onde, no ano passado, e no ano anterior, e nos anos antes também, centenas perderam a vida.

P.S.: Não questiono a qualidade das pesquisas, a possibilidade de vício da amostragem, o fantástico poder da propaganda e a maneira esperta de se entregar uma avaliação sempre positiva, ainda que o país oscile entre o apogeu da tragédia e a decadência da miséria. Um economista resume a chave de tudo no Facebook. Reproduzo as palavras do Rogê, amigão desde os tempos do onça: “Enquanto o consumo crescer, a aprovação também crescerá. A questão é: por quanto tempo conseguiremos sustentar aumentos no consumo sem correspondentes aumentos na produção e sem inflação galopante?”

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