quinta-feira, 14 de março de 2013

Curiosidade mórbida



Etta James : Misty Blue

É a platéia de um programa de televisão inglês. As melhores e mais bem educadas platéias do mundo são as inglesas, eu acho. O apresentador é bem dinâmico, consegue ficar sorrindo por muito tempo sem parecer que está com esparadrapos prendendo o esgar. Ele faz uma pergunta meio mórbida para a platéia e apesar disso todos riem. É algo como: vamos ver se alguém aí já se machucou seriamente? Ou: quem aí já se feriu sozinho? Meu inglês às vezes parece que está desaparecendo e não consigo entender muita coisa daquele sotaque britânico a toda velocidade. Uma vez alguém me disse que entender o que a Adele canta não significa que você sabe inglês, ela praticamente soletra as sílabas. Fiquei confuso porque também não entendo o que ela canta. Talvez ela soletre devagar demais ou eu é que não sei soletrar.

Seja como for, o apresentador faz a pergunta para algumas pessoas na platéia, há uma escadaria que ele vai subindo e apontando o microfone. Você? Você já se machucou? Quer falar sobre isso? Conta pra gente! E duas mulheres(há uma maioria absoluta de mulheres) dizem que jamais se machucaram. O apresentador deixa a primeira passar, mas com esta segunda ele insiste um bocado. Nunca se machucou? Um braço? Uma perna? Uma orelha? Uma unha? Nada? Caramba! Ela é a mulher que saiu da bolha de plástico! E a galera vibra, com a câmera mostrando a cara gordinha da mulher envergonhada que nunca se machucou. E agora a câmera já está com o apresentador novamente e ele encontrou uma mulher que tem uma história para contar. Ela se machucou! Ora vivas, ele já estava pensando em matar em produtora do programa! A mulher com a história é uma jovem loura, não muito bonita, tem um problema na arcada dentária superior. Aquilo me impressiona porque tenho uma péssima dentição e por isso sempre reparo nos dentes dos outros. Acho que estou sempre comparando a minha dentição horrorosa com a dos outros e bem, aquela mulher ganhou. Por um momento eu penso, uau, ela tem uma arcada dentária mais feia do que a minha, mas é tão jovem, quem sabe não consegue ganhar na loteria e consertar tudo?

Putz! A mocinha conta que aos cinco anos de idade enfiou um lápis no nariz. Um lápis inteiro, vocês acreditam?! Doeu? Foi muito doloroso, mas ela teve sorte porque era um lápis muito grande e estava com um bom pedaço para fora, foi um pouco fácil de puxar para fora, prendeu só um pouco. O apresentador pergunta como aquilo aconteceu e ela explica que foi convencida a enfiar o lápis numa das narinas pelo irmão, que tinha seis anos de idade. Seu irmão tinha seis anos de idade? Não, o irmão tinha dez anos e ela tinha seis anos de idade. Ah, isso explica tudo! O terrível e cruel irmão mais velho. E como ele a convenceu a enfiar um lápis tão grande no nariz? Bom, aqui o apresentador está sendo irônico porque a moça também tem um baita nariz. É realmente um nariz grande e por isso agora entendo porque a arcada dentária da moça me chamou tanto a atenção. A moça tem um nariz cavalar e uma arcada igualmente. O quê? Ele disse o quê? Ela conta que o irmão disse que aquela era a melhor maneira de se apagar memórias. Jesus! Mas com o lápis você estaria escrevendo memórias, não? Não, eu enfiei o lado com borracha, por isso doeu tanto! Todo mundo cai na gargalhada.

E no momento seguinte o apresentador volta para o centro do palco, onde já esperam um monte de convidados. Eu paro de prestar atenção na conversa e de repente me pego torcendo para que a câmera volte a mostrar aquela moça que enfiou o lápis no nariz. Eles não vão mostrá-la novamente, eu sei. Fico pensando na memória terrível que uma menina de seis anos teria para querer apagar com tanta força.

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