sexta-feira, 29 de março de 2013

A Sexta da Paixão



Ann-Margret - I Aint Got Nobody

As sextas-feiras santas da minha infância eram bem rigorosas, não eram como as de hoje. O Dia da Paixão de Cristo era um dia de não pode. Não pode escutar música. Não pode comer carne. Não pode brincar. Não pode ver televisão. Não pode brincar de finca. Não pode correr. Não pode pular. Não pode jogar futebol...

_Pode ler um livro, mãe?

Eu falava baixo, mas minha mãe ficava me olhando furiosa, como se eu tivesse gritado e cometido um sacrilégio. Eu sabia que no sábado de aleluia ela se lembraria que eu bem merecia umas palmadas.

_Depende. Que livro que é? – dizia minha mãe, num sussurro.

_Aahh( eu dizia para ganhar tempo e pensar num livro bem inocente) Tarzan?

_Não. Nada de violência. Cadê aquele livro que você ganhou de presente na primeira comunhão? – cochichava.

Eu sabia onde estava. Mas eu tinha jurado que jamais leria aquele livro. Chamava “Tenho pressa de crescer”. Eu não tinha. Eu era meio nanico e franzino, mas eu não tinha a menor pressa de ficar grande e ter responsabilidades. Eu só queria saber de brincar e de ler livros de aventuras. E gibis.

_Mãe, pode ler gibi?

_Não, vai ler coisa que preste. Vai estudar, menino.

Nas sextas-feiras santas quase todo mundo ficava em casa, só saía para ir a missa. Eu ficava olhando pela janela. Muito de vez em quando você via um carro passar.

_Mãe, posso descer e ficar lá embaixo? Prometo que não vou fazer nada.

_Então pra quê descer?! Fique sem fazer nada aí mesmo.

Eu ficava. A sexta-feira santa era um dos maiores dias da minha infância, um dos que mais demorava a passar. Eu pensava em escutar música. Eu pensava em comer carne. Eu pensava em brincar. Eu pensava em correr. Eu pensava em tomar sorvete de chocolate no balanço do parquinho da quadra. Eu pensava em ler as aventuras do Tarzan, no gibi do Batman. E só depois de ter pensado muitas vezes em tudo o que era proibido me dava conta de que eu estava perdido e queimaria no fogo do inferno.

Felizmente minha mãe sempre rezou muito.

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