domingo, 30 de dezembro de 2012

Um dos melhores discos do ano



Tame Impala - Elephant

Música do álbum Lonerism, da banda Tame Impala, um dos melhores discos do ano.

sábado, 29 de dezembro de 2012

Cinco cadeiras



Alabama Shakes - Be Mine

Deve ter uns dois anos que a minha mulher sempre olha o mesmo modelo de cadeira nas lojas. O preço também é sempre o mesmo. Parece que nada influi no preço dessa cadeira. Hoje, depois da feira, ela entrou decidida na loja que já havia visitado na véspera, na ante-véspera e duas semanas atrás e me chamou para olhar as cadeiras.

_São bonitas - eu disse.

_São lindas, são as minhas cadeiras - ela disse.

_Quantas você quer levar?

_Cinco.

_Ué, nós somos quatro, por que cinco cadeiras? Uma é para o Rafa?

-Não seja bobo, sempre quis ter cinco cadeiras iguais a esta.

_Faz sentido, faz sentido.

Os olhos brilhavam. Minha mulher se emociona com facilidade. Por minha vez, o simples fato de ver a minha mulher se emocionar me deixa profundamente emocionado. Por isso, o vendedor nos encontrou quase aos prantos olhando para as cadeiras.

_Posso a-judar? - ele disse, provavelmente pensando que havia interrompido uma briga de casal ou coisa parecida.

_Pode, moço, pode. Quanto custa aquela cadeira? - eu disse, com a voz embargada pela emoção.

_Essa aqui? É uma bela cadeira, o senhor e a senhora têm ótimo gosto. Esta belíssima cadeira está em promoção, deixe-me verrr, deixe-me ver, custa xxx reais - disse o vendedor.

_XXX REAIS! - eu disse, tentando esconder o pânico. Era o preço de sempre, não tem jeito.

_Mas podemos dividir em até três vezes - disse o vendedor, com um largo sorriso.

_TRÊS VEZES! - eu disse, sem esconder o desânimo.

Eu disse para a minha mulher que deveríamos pensar melhor. Então fui dar uma volta para fazer contas mentais e cutucar caixas de lojas com a ponta do pé, uma mania que desenvolvi durante anos. Nessas grandes lojas de atacadão, que também vendem no varejo, há sempre uma caixa numa prateleira qualquer que são boas de cutucar com a ponta do pé. Você cutuca e, às vezes, sai alguma coisa detrás da caixa. Pode ser um inseto, um roedor, um felino. Às vezes não sai nada, mas é possível escutar um barulho esquisito que sugere a existência de um bicho qualquer ou até mesmo de uma pessoa, se o lugar for bem estranho. Bom, mas nessa loja eu cutuquei um monte de caixa e nada, nada, nada aconteceu. Tirando uma vendedora que me pediu com toda delicadeza para que eu parasse de dar chutinhos nas caixas, não aconteceu nada.

_Tudo bem, eu paro. Mas não estou dando chutinhos. São cutucadas com a ponta do pé.

_Acho bom o senhor parar de cutucar senão eu vou chamar o segurança para cutucá-lo para fora - disse a vendedora.

Quando eu reencontrei minha mulher, ela estava com o maior sorriso que eu vi no rosto dela nos últimos dois anos. As cadeiras eram nossas, ela disse. E em dez vezes sem juros, no cartão.

_Nossa, deve ter sido uma negociação muito difícil - eu disse.

_Nem queira saber - ela disse.

_E quando eles vão entregar? - eu disse.

_Como assim? Nós vamos levar agora, no carro.

_Mas meu amor, acabamos de fazer a feira. O carro está cheio de frutas e legumes, sem contar os dois vasos com orquídeas que ocupam o banco traseiro. Não dá para levar cinco cadeiras, nem amarrado!

_Nem pense em deixar as cadeiras aqui. Eu levei dois anos para comprar essas cadeiras e vou levá-las agora. Now. Nesse instante.

Pedi licença para cutucar mais algumas caixas, coisa que me ajuda a pensar melhor, não sei porque. Fui cutucando, cutucando, até que encontrei uma caixinha pequena, um pouco mais alta. Nessa, ao invés de uma cutucada com a ponta do pé, eu dei um peteleco bem dado, tec. Um pássaro, ou morcego, sei lá, voou dali feito um torpedo e eu quase caí de costas. Então eu corri para a minha mulher. Eu já sabia como faríamos o transporte.

_Vamos levar por cima, no teto, amarradas.

E foi assim, ó minha querida kombi de leitores, que nós voltamos da feira com cinco cadeiras amarradas sobre o teto do carro. Devia ter tirado uma foto.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O quintal suspenso do Cabeça

Foi aniversário do Cabeça e nós, eu e a minha mulher, fomos até lá lhe dar um abraço. Como sempre, foi um megaevento, com a presença das pessoas mais ilustres de Brasília, incluindo aí o Niltão, o PV com a namorada, o Igor, a Dani, o Guina e o Esfarelando com a esposa. Na festa ficamos gozando um pouco o convite que o Cabeça fez para todo mundo, numa mensagem de telefone, que eu reproduzo abaixo:

Pessoal: dia 27 é o meu aniversario. Quem estiver em BSB e não tiver nada melhor p fazer, venha p um happy hour aqui em casa, 20h. Vai ter cervas, whisky e piriris. Quem vier, por favor, responda esta mensagem.

É lógico que eu respondi na hora que iria, para garantir o meu lugar na varanda da Maira, mulher do Cabeça. O apartamento é dos dois, mas é a Maira e somente ela que administra a varanda. Tudo lá é cuidadosamente escolhido e colocado, com todo carinho e capricho, pela Maira. Dentre todas as varandas, de todos os apartamentos com varanda que eu conheço, aquela é a maior. Caramba, aquela varanda é tão grande que cabe uma mesa de ping-pong e dois atletas chineses jogando. Se ela fosse coberta de areia daria para dois aposentados jogarem bocha, com espaço para um freezer e cadeira de balanço. Se fosse gramada, daria para brincar de golzinho, numa boa. Daria. Porque agora não dá mais. Acontece que a Maira começou a colecionar árvores frutíferas em miniatura na varanda e agora o espaço, que era generoso, ficou...er..como direi...disputado.

Tudo culpa minha, é claro. Eu um dia caí na besteira de dizer que as jabuticabeiras plantadas em vaso podem produzir normalmente e logo a Maira comprou um vasinho com uma muda. O Cabeça reclamou um pouco, mas a jabuticabeirazinha estava carregada, e o Cabeça é guloso, de modo que ele comeu todas as jabuticabas e portanto, ele gostou. Na sequência ela comprou outra muda e antes que a gente pudesse falar qualquer coisa, ela comprou um vaso com pitangas. E depois, cajás. Caquis. Acerolas. Fruta-do-conde. Jambo. Um pequizeiro rústico. Limãozinho. Etc. Etc. Etc. Hoje aquela varanda parece um quintal suspenso da Babilônia, um projeto de agronegócio auto-sustentável com várias espécies em plena produção, fora as plantas ornamentais. É bonito. É bonito.

Mas chegamos tarde, eu e a minha mulher, e todos os melhores lugares da varanda já estavam ocupados. Tinha uma cadeira debaixo de um pé de maracujá carregado, próximo à fonte, mas ouvi dizer que existem animais selvagens ali perto, então preferi ir até a outra varanda do apê do Cabeça. Sim, amigos. Lá existem duas varandas. A varanda A, number one, administrada somente pela Maira, e a varanda B, number two, totalmente administrada pela Maira, que ela não é boba de deixar o Cabeça dar palpite em varanda. A varanda B é cinco centímetros menor do que a outra e embora não tenha a mesma quantidade de plantas, tem uma fonte do mesmo tamanho e um aquário, onde o Cabeça pretende criar botos.

Pois, então, foi lá na varanda B que começamos a conversar sobre a mensagem convite do Cabeça.

_Achei o cúmulo da modéstia - disse uma pessoa.

_Achei muito modesto, mas simpático - disse uma outra pessoa.

_Achei gay pacas - disse uma pessoa que preferiu não se identificar.

_E você Careca? - disse outra pessoa que preferiu não se identificar.

_Achei que era uma oportunidade de se fazer justiça com o coitado do Cabeça - eu disse. Todo mundo ganha presentes no aniversário e no Natal, mas o Cabeça, não. A vida inteira ele sempre ganhou um presente único, valendo para o Natal e pelo aniversário, um dois em um que lhe deixou profundas e arraigadas marcas. Sei disso, porque ele já me contou sua frustração aos prantos, no aniversário do ano passado. Pois hoje, eu modestamente comecei a corrigir essa injustiça. Talvez pela primeira vez em sua vida, o Cabeça tenha ganhado dois presentes de um amigo, um pelo aniversário e outro pelo Natal.

_E que presentes foram esses? - disse aquela pessoa de novo.

_Um filme do início da carreira dos Stones e uma coletânea do melhor de Truman Capote.

_Ele gostou?- disse não importa quem.

_Ele quase chorou quando viu os dois pacotes separados. Significou muito para ele. O único problema é que ele já tinha o filme. Então ele acabou com um presente só - eu disse.

_Não tem problema, é só levar na livraria que eles trocam.

_O filme não tem etiqueta de troca. A fila estava muito grande, era a última semana antes do Natal, resolvi levar para embrulhar em casa.




quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Peixe no pé

Fomos ao supermercado e compramos toneladas de coisas. Estava lotado, com muita gente irritada, mas conseguimos. Primeiro tiramos todas as coisas dos carrinhos e colocamos na gôndola para o registro da caixa. Depois pegamos tudo da gôndola e colocamos novamente no carrinho para ir até o carro. E então depois do caixa começamos tudo de novo. Tiramos as coisas do carrinho para colocar no porta-molas. Uma dessas coisas caiu no pé da minha mulher. Ela reclamou um bocado enquanto eu me afastava para levar o carrinho até onde ficam os carrinhos. Devo ser um dos poucos idiotas no mundo que faz isso. E não faço porque sou bonzinho, faço porque detesto encontrar um carrinho encostado atrás do meu carro. Na volta, é claro, encontrei um outro carrinho encostado na traseira do carro. Empurrei o carrinho para o lado. E então veio um sujeito grandalhão reclamar comigo.

_Ei, seja cidadão, leve o carrinho para o lugar correto - disse o grandalhão.

_Você tem toda razão - eu disse, e empurrei o carrinho até o lugar dos carrinhos.

_Por que você demorou tanto? - disse a minha mulher, assim que entrei no carro.

_Longa história - eu disse.

E quando olhei pelo retrovisor, vi que havia um carro vermelho parado bem atrás. Alguém havia estacionado atrás de mim para carregar as compras. Minha mulher olhou pelo retrovisor e viu que eram duas mulheres. Ela abriu a porta.

_Ei, estamos indo embora, quer fazer o favor de tirar o carro - disse a minha mulher.

As duas obedeceram sem criar caso. Teria sido diferente se eu tivesse falado alguma coisa. Provavelmente uma das donas teria me xingado ou chamado a polícia. Consegui tirar o carro do supermercado sem maiores incidentes e então entramos no grande engarrafamento para a volta pra casa. Enquanto ainda estávamos bem devagar, minha mulher voltou a reclamar do pacote que havia caído sobre o pé.

_Está doendo ainda? - eu disse.

_É claro que está doendo. Caiu bem em cima do meu dedo.

_Já reparou que a gente sempre machuca os lugares mais doloridos? Eu sempre machuco o mesmo dedão do pé, parece praga - eu disse.

_Não, isso não acontece comigo. Eu me machuco em lugares diferentes, mas dói pacas, do mesmo jeito - disse ela.

_Por que você não coloca gelo? - eu disse.

_Porque não temos gelo, ó sabidão!

_Por que você não coloca o peixe por cima? - eu disse.

_Peixe? Você ficou maluco! Eu jamais colocaria um saco de peixe congelado sobre o meu pé!

_Por quê não? Está congelado e dentro de um saco plástico. Não tem o menor problema - eu disse.

_Prefiro a dor - ela disse.

_Só você mesmo. Se fosse o meu dedão eu colocaria o peixe sobre ele numa boa - eu disse.

_Nunca!

_E você ainda pode escolher, olha só. Nós temos salmão e filé de merluza. Qual seria o melhor para machucados no pé?

_Não adianta, pode parar.

_Se fosse o meu dedão, eu colocaria salmão congelado. Seria mais apropriado, eu diria. Mas para você, eu recomendo o filé de merluza. É mais branquinho e delicado.

_Chega!

_Tudo bem, tudo bem.



quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Apollo 11


Para algumas pessoas, a Apollo 11 não esteve na lua. Há controvérsias sobre as missões posteriores, mas para essas pessoas, definitivamente, Armstrong não pisou no solo lunar.

_O cara era um ator, gente! E aquela frase de efeito horrorosa, pura coisa de script de cinema!

Para essas pessoas, Armstrong também não deu aqueles pulinhos no satélite da Terra.

_Imagina! O cara pula tão alto que deveria entrar em órbita!

Essas pessoas sabem tudo o que você jamais sonhou saber sobre a lua. E esse conhecimento é dirigido para tentar destruir as evidências de que a Apollo 11 pousou na lua e que aquilo que foi transmitido pelas TVs da época não aconteceu.

_A bandeira americana não poderia tremular na atmosfera da lua! A sombra da cápsula lunar está errada! Os pedriscos lunares são diferentes! Aquela pegada da bota foi feita em Hollywood! É tudo fake! Fake! Um dia todos saberão a verdade!

Eles acreditam que tudo não passa de uma armação da América belicista em conluio com a escória da mídia.

Quando as pessoas que duvidam da Apollo 11 me perguntam se eu acredito que Armstrong pisou na lua, eu fico sem-graça de dizer logo de cara o que eu penso.

_Qual Armstrong? O Louis ou o Neil? - eu digo, para ganhar tempo. Mas ninguém entende.

_Na verdade, eu era um menino quando a TV exibiu as imagens. E lá no interior onde eu vivia, a TV não pegava bem. Mesmo assim, acreditei em tudo de todo coração - eu digo.

Mesmo assim, quem não acredita na Apollo 11 me olha como se eu fosse um caipira biruta.


sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

The Kills - Baby Says



The Kills - Baby Says

Baby says she's dying to meet you
Take you off and make your blood hum
And tremble like the fairground lights

Baby says if ever you see skin as fair
Or eyes as deep and as black as mine
I'll know you're lying

Baby says oh how love romance I'll get
From all your sleeping dogs you felt of God
I'll get one yet

Baby says for all I've forsaken
Make something of all the noise
And the mess you're making
And all the time's it's taken

Baby says there's death in these silver curls
That break up in jails
Send you diving for pearls
Without a care in the world

Baby says she's dying to meet you
Take you off and make your blood hum
And tremble like the crimball lights

Baby says oh how love romance I'll get
From all your sleeping dogs you felt of God
I'll get one yet

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Careca e o Espírito de Natal



Alabama Shakes - Hang Loose

Desde que me mudei estou com um relógio novo para medição do consumo de água do lado de fora da casa. O relógio está acoplado a um tubo dentro de um quadrado de concreto. Deve pesar uns cem quilos. Está coberto de hera. Em todas as casas da minha rua há um relógio desses. São vinte candidatos a lixo hidráulico numa única descida. Mas não há o que fazer. Temos que aguardar a companhia de água avisar que está na hora de fazer a ligação do novo sistema. Acredita-se que esse aviso será dado com uma semana de antecedência, para que os moradores possam se preparar para as ligações. Terei que contratar uma ou duas pessoas para cavar uma vala por onde passarão os tubos ligando a velha malha de água com a nova caixa. Também terei que ter canos e válvulas adequadas.

O benefício não é muito grande.No futuro, quando o novo relógio estiver funcionando, não será preciso mais abrir a porta para que um funcionário da companhia de água entre e faça a medição do consumo. Caso eu também queira colocar o relógio da eletricidade fora de casa, terei que desembolsar alguns milhares de patacas. Casas novas no bairro já são construídas com as inovações. Facilita um bocado porque nem sempre há alguém em casa.

Hoje os caras das companhias de água e luz vieram medir e imprimir, na hora, as contas. Na minha casa, o relógio fica ao lado da piscina. Pela primeira vez desde que nos mudamos o consumo ficou dentro do razoável, sinal de que conseguimos localizar todos os vazamentos de água e também que estamos sendo mais racionais quanto ao consumo. O mesmo vale para a eletricidade, andei substituindo muita fiação velha.

Meu vizinho já viajou para as festas. Antes de sair, na terça-feira, ele tocou a minha campainha e pelo interfone perguntou se eu teria um minuto para conversar com ele.

_Claro! - eu disse.

Mas fui até o portão com o pé atrás, tentando recapitular mentalmente todas as coisas que eu fiz nas últimas semanas que poderiam tê-lo chateado ou simplesmente tê-lo deixado emputecido comigo. Barulho, pensei. Estou ligando a serra elétrica todas as vezes em que ele está treinando a clarineta. Se eu tocasse clarineta como ele eu ficaria puto com a falta de respeito do vizinho, eu pensei. Ou então, ele finalmente ficou com raiva da lixadeira elétrica e do aspirador de pó, só pode ser. Não, foi o lixo, putz, deixei cair o saco de lixo na entrada da garagem dele, mas pensei que tinha limpado tudo, o que será?, o que será?, eu pensei, no pequeno trajeto entre o escritório e o portão de casa.

Aperto a mão do vizinho com formalidade, ainda pensando em como posso ter deixado de ser civilizado e cortês com aquele velhinho, que uma vez subiu no telhado da própria casa para pegar uma bola das crianças. Nem precisava, a bola estava furada. Trocamos os cumprimentos de praxe, falamos sobre o tempo e então ele estendeu um pacote de presente para mim, desejando um Feliz Natal para minha família e também um próspero ano novo. Fiquei sem palavras por alguns segundos. Depois agradeci, ainda bravo comigo mesmo por sempre esperar dos outros o que espero de mim, uma indiferença neutra com um sorriso bem-educado. O vizinho então se retirou apressado e eu fui mostrar o presente para a minha mulher: uma garrafa de vinho chileno bem-afamado.

_Putz, esqueci o presente do vizinho na minha mãe - disse a minha mulher.

Putz, eu pensei, eu jamais sequer havia considerado a possibilidade de comprar um presente para o vizinho. Eu nem sequer havia pensado num cartão de natal. Pensando bem, talvez eu tivesse considerado apenas um aceno ao longe, com a boca fazendo o movimento de Feliz Natal, mas sem som.

Aí fiquei pensando, pô, será que só eu é que sou assim? Náaá. Claro que não, eu pensei. E aí as crianças vieram ver o que estávamos conversando e ficaram sabendo do presente do vizinho. Então cada uma correu para um canto e depois voltou com papéis dobrados.

_Pai, nós fizemos cartões de natal para o vizinho, podemos entregar?

_Vocês fizeram cartões de natal? Agora?

_Estão prontos faz tempo, pai. Ele foi muito legal daquela vez com a bola furada.

_E a gente também gosta de ouvir ele tocar clarineta.

_Aliás, pai, será que você poderia parar de ligar o aspirador toda vez que ele começa a estudar música?

_E poderia parar de jogar lixo na entrada da garagem dele? Eu vi pela janela, pai.

Minha mulher me olhava horrorizada. Saí de fininho. Fui me refugiar dentro de uma partida de xadrez contra o computador. Fui derrotado umas três vezes. Na última, tive quase certeza de que a máquina ria de mim. Enquanto jogava fiquei pensando que o meu Espírito de Natal ainda não está funcionando muito bem. Talvez ele melhore nos próximos dias. Mas talvez piore.

Estou falando isso porque hoje os caras das contas de água e luz deixaram um aviso de que estiveram no vizinho e não encontraram ninguém. Já recebi um aviso desses. Tínhamos viajado e a Rose(a babá-cozinheira-lavadeira-faxineira-assistente-social-matrícula-trancada-daqui-de-casa)deixou de vir alguns dias seguidos porque ficou doente. Na pior das hipóteses, a água é cortada. Mas o serviço, em geral, é rapidamente restabelecido, embora aqui em casa tenha demorado uns dois ou três dias. Preciso me lembrar de dizer essas coisas para o vizinho. Ou talvez eu use a chave que ele me emprestou para receber os caras da água e da luz para abrir a caixa de correio e esconder os avisos.




quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Segredos berrados ao vento


As três meninas brincam no quintal, à beira da piscina. Elas são bem educadas, nenhuma fala antes que a outra termine de falar. Mas cada uma quer falar mais do que a outra. Então tem início uma conversa de tirar o fôlego. Antes de começar a falar, sentadas em roda, cada uma puxa a maior quantidade de possível de ar para dentro do peito. Mas uma menina só dispara a falar quando a amiga estiver de peito vazio. Ficam assim durante alguns minutos e daí a pouco falar muito e rápido já não é suficiente, é preciso também falar alto. Alguns minutos depois estão esbaforidas, atropelam as palavras uma da outra até que se dão conta que desse jeito não há como entender nada. Então param e riem como só as meninas conseguem, batendo as mãos nos joelhos uma das outras. E só aí é que me vêem e me apontam, fazendo caras e bocas de espantadas. Elas conversam baixinho e decidem enviar uma embaixadora para conversar comigo.

_Pai, você ouviu nossos segredos? - diz a minha embaixadora.

_O quê? - e finjo tirar dois tampões dos meus ouvidos.

_Desculpe, o que você falou? Pode repetir? - eu digo.

Ela nem se dá ao trabalho.

_A barra está limpa, meninas. Papai é surdo.

Mentiras compulsivas - Augusto Nunes


Depois das 6 mil creches que são só sete, Dilma vai deixar de construir 800 aeroportos

Empolgado com a inauguração da Arena Castelão, o neurônio solitário que se empolga até quando inaugura pedras fundamentais enxergou no primeiro estádio pronto para abrigar jogos da Copa do Mundo outra evidência de que governa uma potência de impressionar presidente americano. Faltam 11, mas o pontapé inicial bastou para que Dilma Rousseff desandasse na discurseira: “O Castelão honra o Brasil e mostra pro Brasil inteiro que nós somos capazes, sim, não só di ganhá o jogo no campo mas di ganhá o jogo fora do campo”, caprichou no domingo em Fortaleza.(...)

(...)O comício em Fortaleza confirmou que o espetáculo da tapeação não pode parar. O Brasil que Lula inventou e Dilma aperfeiçoa é tão deslumbrante que, se melhorar, estraga. Nada a ver com o país infestado de governantes ineptos, ministros corruptos, parlamentares vigaristas e quadrilheiros de estimação. Esse Brasil de verdade castiga o bolso e a paciência dos habitantes com licitações fraudadas, roubalheiras espantosas, colossos que nunca ficam prontos, canteiros de obras desertos, maluquices em ruínas emonumentos ao desperdício. O governo não cuida do que existe nem executa o que planeja, mas é muito inventivo.

(...)Viraram 800 porque Dilma Rousseff mente compulsivamente, e com a naturalidade de espiã de cinema. A candidata à presidência da República passou a campanha de 2010, por exemplo, prometendo inaugurar 6 mil creches nos quatro anos seguintes. Passados dois anos, construiu sete. Aplicada aos 800 aeroportos, essa conta permite calcular quantos estarão em funcionamento no fim de 2014. Nenhum.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Apropriação indevida - Dora Kramer


Reproduzo trecho do excelente artigo de Dora Kramer para O Estado de S.Paulo:

A falta de limite entre o público e o privado ficou patente já nos primeiros acordes do governo do PT quando a estrela vermelha virou adorno dos jardins de Palácio da Alvorada, a fox terrier Michelle era transportada em carro oficial e 14 amigos dos filhos do então presidente Lula passavam duas semanas de férias em Brasília com direito a carona em avião da FAB, hospedagem no Alvorada, churrasco na Granja do Torto, tudo pago pela União.

Respeito

Acabou o julgamento do mensalão. Parabéns aos ministros e ministras que agiram como pessoas de bem. Parabéns aos que usaram o bom-senso e fizeram a única coisa possível: condenar os culpados e absolver os inocentes. Durante anos duvidei que alguma condenação pudesse acontecer, cheguei a dizer para o meu amigo Cabeça que as penas seriam prescritas e que nenhum dos espertalhões veria o sol nascer quadrado. Tenho que dar a mão à palmatória. Ainda há juízes em Berlim e Brasília. Pelo menos cinco, considerando-se o resultado da última e importantíssima votação.

Assisti entusiasmado aos primeiros dias do julgamento, mas fui perdendo o interesse com o passar das semanas. Contribuíram para esse afastamento progressivo a retórica excessiva, o pedantismo, a empáfia e a vaidade incontrita dos ministros. No final, acho que os próprios ministros se cansaram de toda a lenga-lenga e começaram a ser um pouco mais objetivos em seus votos. Mais um ponto para o julgamento.

Por diversas vezes, pensei em visitar o plenário do Supremo e me sentar numa daquelas cadeiras bonitas de couro amarelo, mas não o fiz. Venceu a preguiça de colocar terno e caçar estacionamento no local. Prevaleceu a comodidade de assistir a tudo pela internet, quando quisesse.

O julgamento foi importantíssimo para as instituições e afeta diretamente a vida de todos os brasileiros. Por isso, os ministros e ministras que tergiversaram e fugiram de suas obrigações(condenar os culpados e absolver os inocentes) terão o meu eterno desprezo e quando seus nomes surgirem nas minhas conversas amenas e discussões fúteis, serão citados com escárnio e ridicularizados. Ao mesmo tempo, estou incorporando alguns novos verbos ao meu vocabulário.

Levanduiskar - Quando algum subterfúgio for usado para tentar aliviar a culpa de um óbvio culpado, chamarei a tentativa de manobra Lewandovski, ou levanduíscar.

Toffolizar - no futebol, na natação, no baskete, no vôlei, no box, no tênis e até no golfe, o impedimento e qualquer movimento fora das regras será por mim chamado de Tóffoli.

Delubiar - distribuir propina será para sempre "delubiar".

JPC - Receber cinquentinha, será "levar um João Paulo Cunha" ou "ganhar um JPC" ou ainda, pagar a videolocadora. Receber menos do que isso é "levar um luizinho".

Genoinar - Assinar papéis sem ler sempre foi agir como um ge-noí-no im-be-cil. Genoína na frente do X, na linha tracejada, faz favor.

Dirceucizar - mandar cartões e Natal para a galera dizendo que não está desesperado e agradecer aos participantes da vaquinha para juntar 676 mil merrecas para pagar a multa e a grana preta que ainda deve para os adevogados que arrumou. Sai daí, Zé!

Lular - Não saber de nada do que seus ministros fizeram e ao mesmo tempo ser traído pela ignorância é "lular".

Malfeito é, no mínimo, crime de responsabilidade.

Quando crianças forem batizadas, sempre lembrarei aos pais que aqueles primeiros nomes remetem a tais e tais juízes ou condenados, pessoas desprezíveis e abjetas.

Quando eu jogar truco, as cartas de menor valor serão nomeadas com os nomes dos condenados.

Joaquim Barbosa será o Zap, é claro.

É pouco, eu sei, mas é o que posso fazer.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Modelos anoréxicas que não tomam banho

Fomos tomar café da manhã na padaria, como fazemos todos os domingos. É o único dia em que não fazemos o café. Voltando para casa ouvimos os últimos minutos do jogo em que o Corinthians virou bi-campeão, em cima do Chelsea. Influenciada pelo avô materno, as crianças torcem para o Corínthians. Eu torço para um time verde que foi rebaixado. As crianças gritaram um pouco e pegaram no meu pé, é claro. Depois fomos andar de bicicleta no eixão norte. As pistas triplas do eixão ficam fechadas para veículos aos domingos há muitos e muito anos. Ainda é o local mais seguro para se andar de bicicleta na capital. Vi muitos skates(de todos os tamanhos e alguns com motor), bicicletas diferentes e patins. Vi uma linda bicicleta dobrável e fiquei com inveja. Gastei dez minutos para colocar as bicicletas das crianças no carro. Elas ficaram super-desconfortáveis na ida e na volta. As bicicletas dobráveis caberiam facilmente no porta-malas.

Aí apareceu o gordinho com o skate. Era um rapaz de um metro e setenta com uns 110 quilos rijos. Gordinho não descreve bem o sujeito porque ele não era muito flácido, era um tipo compactado, socado. Apareceu zunindo em cima de um dos menores skates que já vi. O shape era pequeno e terminava com um bico igual ao dos mísseis. O gordinho fez um zigzag na pista e ultrapassou um sujeito de patins que estava a toda velocidade. Fiquei olhando para ver se o gordinho levaria um estabaco mas nada, o cara era um ás do skate. Foi até o final da pista fazendo uma longa curva em alta velocidade, cruzando as seis faixas sem dificuldade. Depois, quando perdeu a velocidade na subida, desceu do skate e o carregou, tranquilo. Fiquei com inveja do gordinho. Me arrependi de não ter levado o meu skate.

O sol estava forte e cansamos depressa. As crianças e a minha mulher foram para a piscina. Surfei pelas notícias na internet e confirmei a lógica do Capeta: quando há um grande escândalo envolvendo os graúdos de toda semana, surgem mais dois ou três grandes escândalos juntos para fazer uma cortina de fumaça maior ainda.

Estamos estupefatos, os escândalos se sucedem e não geram indignação, revolta, nada. As últimas passeatas, quem se lembra?, eram genéricas anti-corrupção, não se dizia o nome dos corruptos e nem dos corruptores embora todos sejam velhos conhecidos. Eram como os protestos contra a fome ou a poluição. Quem pode ser a favor da fome e da poluição? Modelos anoréxicas que não tomam banho, é claro.

Nesta semana, imagino que a provocação aos homens e mulheres de bem chegará ao seu apogeu. Mas parece não haver limites para a suberserviência e abnegação geral.


sábado, 15 de dezembro de 2012

Almoço no restaurante árabe e o dia de Iaque Shaving

Fomos almoçar sozinhos neste sábado. O Cabeça e a esposa não puderam nos encontrar. Decidimos repetir o restaurante árabe de outro dia. Pedimos igual: michuí de filé, com tabule. Só o arroz foi diferente. Eu gosto daquele arroz com passas e castanhas, que leva um pouco de canela. Minha mulher prefere arroz com lentilhas. Toda vez que alguém pede esse prato eu me lembro de uma sobrinha que é alérgica a lentilhas. E também me lembro de Esaú e Jacó, é claro. Quando eu era criança, eu achava graça da esperteza de Esaú, que fingiu ser Jacó para ganhas os direitos da primogenitura. Sendo um filho do meio, eu achava a primogenitura um roubo, como diria Proudhon a respeito da propriedade. Aliás, o autor da célebre frase "a propriedade é um roubo", também disse que "a política é a ciência da liberdade". Por quê eu só me lembro de coisas inúteis?

Iaque shaving, iaque shaving. A Internet é a campeã do estímulo ao iaque shaving, que consiste no ato de começar a se fazer uma coisa e acabar não se fazendo nada depois de se olhar um monte de coisas curiosas que aparentemente tinham alguma relevância, mas que demonstraram não haver nenhuma.

Comecei o dia um pouco tarde e corri para o CEASA. Feira boa. Comprei as frutas, verduras e legumes de sempre. De diferente, só um queijo padrão, siriguela, pistache, lichia e um pacotinho com 370 gramas de cerejas. Na banca de sementes e secos, onde comprei o pistache, também experimentei o barú, uma semente escura e torrada, com uma casca fina como a do amendoim. Muito gostosa, mas preferi não levar. Também experimentei nozes, macadâmia, mais pistache, castanha de caju torrada, castanha de caju crua, amendoim torrado, amendoim na casca, amendoim crocante doce e castanha-do-pará. Acabei levando um pacotinho pequeno de castanha-do-pará, só porque a dona da banca já estava fazendo cara feia para as minhas experimentações. Tentei experimentar cerejas, mas acho nenhum feirante me deixou. Experimentei queijos diversos. Experimentei várias lichias. Comi uma bananinha ouro. Adoro o ambiente de feira, mesmo com o barulho ensurdecedor de aparelhos de som, a gritaria de vendedores e o zumzum das pessoas falando sem parar. Não há nada mais brasileiro e cosmopolita. É, de longe, o lugar de Brasília onde mais se vê estrangeiros.

Iaque shaving. Enquanto almoçávamos no restaurante árabe, Caetano Veloso cantava na TV do lugar. Depois entrou Dinho Ouro Preto e deixei de olhar a TV. Conseguimos comprar todos os presentes de Natal. Consegui fazer quase tudo o que planejei para o ano, mas nada teve muita importância. Na volta, deixei minha mulher com a minha cunhada e voltei sozinho para casa. Fiquei olhando no caminho para ver se algum lava-jato estava sem fila. Mas estava tudo cheio. Continuo com o carro sujo. Cheguei em casa e fiz nova limpeza no quintal. Choveu um pouco. Rafa, o cãozinho shi-tsu da minha filha, está mancando há dois dias. Procurei algum ferimento, mas não encontrei nada. Talvez tenha pulado de algum lugar muito alto e machucado. Caso não melhore, levarei o bichinho para o veterinário na próxima semana.

Mandei mensagens para quatro amigos para ver se ganho mais espaço gratuito no Dropbox. Não tenho o que colocar na nuvem cibernética mas quanto mais espaço melhor. E é de graça. Bom, vou torcer para que se filiem ao Dropbox e assim ganhe mais dois gigas para upload. Mandei uma mensagem para o Natal, mas ela já é cadastrado e já usa o Dropbox.

Menos é mais. Menos é mais. Iaque shaving, iaque shaving. Aí minha mulher chegou de volta, com a minha cunhada e dois sobrinhos, uma menina e um menino. A menina é que é alérgica a lentilhas. E também a salsicha, paio, grão-de-bico e uma porção de outras favas. Todo mundo notou que o Rafa está mancando de uma perna. As duas irmãs começaram a conversar e eu fiquei por perto. Falaram de embalagens. Sim, conversamos sobre qualquer coisa. Minha mulher conta que eu levei todas as sacolas e caixas vazias que entupiam a casa para o sótão. Eu confirmo. Minha cunhada conta que o sotão da sua casa está cheia de louça, que é como chama os azulejos e as porcelanas de revestimento de pisos e paredes. Todos os irmãos do marido, e ele tem muitos irmãos e irmãs, acabam por algum motivo usando o sotão da casa dela como depósito de louça.

_Mas como você permite uma coisa dessas? - disse a minha mulher.

_Ainda tem lugar? Estou com umas dez placas de porcelanato na garagem - eu disse. Mas ninguém achou graça.

Iaque, iaque shaving.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Um sujeito bom destroçado



FREDDIE KING Boogie Funk

A frase síntese de Nêmesis, de Philip Roth, aparece logo no início da página 190. "Não há ninguém menos passível de ser salvo do que um sujeito bom destroçado." O livro termina quatro páginas depois. Nêmesis conta a história de uma pessoa perseguida por um senso de obrigação exacerbado. Uma pessoa como ele está condenada, escreve Roth. "Tudo que fizer jamais corresponderá ao ideal que carrega dentro de si." Parece, é claro, o Livro de Jó, mas sem redenção, só heroísmo. .

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Nêmesis, de Philip Roth



Creedence Clearwater Revival - Good Golly Miss Molly (1969)

Tenho uma lista de coisas para fazer até o final da semana. Refiz as contas e ainda falta comprar dois presentes de Natal. São os dois presentes mais difíceis, é claro, que sempre ficam para o final. Também preciso de papel de presente para refazer uns embrulhos que comprei pela Internet. Planejei resolver todas as pendências nesta quinta-feira, mas não saí de casa. Eu me concentrei na horta e na limpeza do quintal, já que o jardineiro faltou. Recuperei os quatro canteiros da horta, mas isso levou boa parte da manhã.

No período da tarde eu me dediquei a terminar aqueles módulos de estante. Usei dois vernizes no acabamento, ambos à base de água. O primeiro foi um verniz semi-transparente, acetinado, e o segundo era jacarandá. Ficou com uma cor razoável, mas só nesta sexta-feira poderei terminar com as rodas(é preciso acrescentar rodas na lista) e passar pela Aprovação Final das Mulheres. Testo primeiro com a minha filha e só depois é que mostro para minha mulher.

Meu filho não se interessa muito por marcenaria. Não o culpo. Eu mesmo só comecei a me interessar por isso depois de ter sido demitido. Minha filha, não. Ela gosta tanto que no ano passado pediu de Natal um kit de marcenaria de brinquedo. Era um brinquedo muito fajuto, com ferramentas e parafusos de plástico e madeira de espuma, mas ela se divertiu um bocado. A madeira de espuma foi toda retalhada e picotada. Fui ver o preço do refill e quase caí de costas. É quatro vezes mais cara do que madeira de verdade.

Terminei Nêmesis, de Philip Roth, um belo livro com final triste. Preciso escrever sobre isso, mas agora não, agora não.

Estive revirando armários, procurando coisas que achava que tinham sumido e que realmente desapareceram. Não encontro a minha máquina fotográfica analógica, por exemplo. Sei que tinha uns quatro ou cinco filmes virgens, mas também não encontrei. Nas reviravoltas, encontrei o DVD SHALAKO, um bang-bang com Sean Connery e Brigitte Bardot, dirigido por Edward Dmytryk, que não sei quem é e nem vou googlar. Foi um presente que ganhei de um amigo. É filme de feira do interior. Algum aficcionado converteu uma fita VVHS num DVD. A capa foi impressa numa folha A4 cuidadosamente recortada e colocado num saquinho de plástico, daqueles de celofane que encontramos nas lojinhas de doces. Deixei ao alcance, quem sabe não o vejo amanhã?

Rafa dorme aos meus pés. Sobre a mesa, tenho um boneco do Justin Bieber. Minha filha me pediu para trocar as pilhas e concordei sem olhar. Não são filhas comuns, são aquelas baterias pastilhas, que eu só consigo encontrar em alguns relojoeiros ou na Feira dos Importados. Estou com preguiça de ir lá. Fui recentemente para trocar as baterias pastilhas de dois relógios de pulso. Um deles estava parado há anos. Na banca da feira, a moça chinesa me disse que eu poderia escolher entre uma bateria ruim(segunda classe, ela disse), que custava cinco reais, e uma bateria excelente, que custava 15 reais. Escolhi a ruim, é claro. A moça chinesa fez cara de desprezo e trocou rapidamente as baterias. Mas depois não conseguiu fechar um dos relógios e correu até a banca de um amigo. Demorou dez minutos e voltou sorridente com os dois relógios funcionando perfeitamente. Os dois ainda funcionam. Quando pifarem, voltarei a pedir pastilhas de segunda classe. Não manjo nada de classe de bateria.

Sem querer, piso no rabo do Rafa, que fica irritado comigo. Silêncio. Pô, Rafa! Já é quase meia-noite e continuo insone. Às vezes, depois de um dia longo e cheio de afazeres importantes, mas que são tão pouco valorizados no dia-a-dia, eu só vou ter uma pequena idéia para trabalhar por volta dessa hora. E assim mesmo, só depois que escrevi uns cinco ou seis parágrafos de aquecimento e comecei finalmente a encontrar uma linha reta para seguir. E então ela, aquela ideiazinha miúda, me escapa. É preciso começar tudo de novo, mas já não há tempo, amanhã será um novo dia. Talvez eu volte a falar de Nêmesis.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Mais reflexões tardias sobre o Super-Homem



BO DIDDLEY 1965

Ninguém tem a menor noção do que era o interior do Brasil no início dos anos 70, nem mesmo eu, que vivi por lá. Nós vínhamos de uma pequena cidade do interior, com trinta mil habitantes. Lá havia luz, água tratada, asfalto, telefone, rádio e tv. Era uma verdadeira metrópole perto dessa minúscula cidade na beira do rio, onde meu pai foi ser juiz. Nós saímos do interior para os cafundós do Judas, interiorzão mesmo. Era uma cidadezinha de cinco mil habitantes, se tanto. Havia o rio, ruas largas de cascalho, uma igreja grande, um campo de futebol, a prefeitura, um campo de pouso, um fórum, uma ruazinha com um pequeno comércio(pensão, padaria, mercadinho, açougue) e só. A geladeira era a querosene. A luz era de lampiões de gás, velas e lamparinas. Uma vez apareceu um bispo na cidade, coisa rara. Minha mãe, com o sentido prático que tinha, correu com todos nós para recebermos logo a Crisma. Eu só faria o curso para confirmação do batismo uns dez anos depois. Não me lembro de jamais ter visto uma igreja tão cheia na minha vida. Soube de mulheres que haviam viajado trezentos quilômetros em lombo de burro para assistir à missa com o bispo. De tempos em tempos, não muito regulares, apareciam os caminhões com mercadorias. Eram gigantescos Fenemês, os caminhões da já falida Fábrica Nacional de Motores, que traziam geladeiras, lampiões, bicicletas, roupas, calçados, congas, ki-chutes e as tranqueiras que usávamos nas casas do interior. Era nesses caminhões que o meu pai também conseguia encontrar revistas Manchetes mais ou menos recentes e as fantásticas revistas Ebal do Tarzan, Batman, Fantasma, Zorro e Super-Homem.

Eu amava as revistas do Tarzan, mas também gostava do Super-Homem. Ali, no interior cheio de florestas e ao lado de um rio caudaloso, as aventuras do Tarzan poderiam ser mais facilmente ambientadas, era bem fácil gritar krig-ha bandolo. Com o Super-Homem era preciso usar mais imaginação. No meio da jungle brasileira, eu não conseguia imaginar direito o alien sofisticado que usava óculos, terno e gravata, trabalhava num edifício gigantesco, vivia numa cidade de concreto e estava sempre salvando pessoas em trens, aviões e automóveis. Mesmo assim, é claro, eu também tinha a fantasia de ser super ali, na beira do rio, salvando crianças do afogamento, evitando que fossem escalpeladas por motores de popa(um problema que ainda hoje aflige as crianças ribeirinhas), voando com barcos inteiros sobre os ombros, resgatando pequenos monomotores, fritando jacarés com meus raios infra-vermelhos, matando piranhas com petelecos. Mas eu achava o herói poderoso demais, invulnerável demais e, por isso mesmo, um pouco chato. Ter superforça, voar, super-sentidos, visão raio-x e soltar raios-laser pelos olhos não é pouco demais? Com certeza. Por isso, eu sempre ficava ansioso para descobrir onde e quando a kriptonita iria entrar na jogada. Sem ela, o super não tinha grandes problemas.

Não me lembro de ter voltado a prestar atenção no Super-Homem por um longo tempo, talvez até ter visto um personagem de Kill Bill do Tarantino falar sobre os alter-egos dos super-heróis, e aqui eu copio do Google: "Super-Homem não se tornou o Super-Homem. Super-Homem nasceu Super-Homem. Quando Super-Homem acorda de manhã, ele é Super-Homem. Seu alter-ego é Clark Kent. Sua roupa com o grande “S” vermelho – é feita do cobertor que estava embrulhado quando os Kent’s os encontraram, ainda bebê. Essas são as suas roupas. O que Clark Kent usa – os grandes óculos e o terno amarrotado – é o que Super-Homem usa para se misturar conosco. Clark Kent é como Super-Homem nos vê. E quais são as características de Clark Kent? Ele é fraco… ele é inseguro… ele é um covarde. Clark Kent é a crítica do Super-Homem a toda a raça humana."

É. Legal. Mas, para mim, na primeira versão moderna do Super para o cinema, com Marlon Brando no papel de pai do super-herói, a leitura foi um pouco mais atenta. A chave de tudo está naquele cobertorzinho, com o brasão S da família, que veio de Kripton com o pequeno Clark. Naquela versão, o Super não era um alien crítico e pernóstico. Era um ser carente do amor filial, tão carente que não poderia se distanciar do cobertor. Tão carente que queria ser humano e ser amado. Ou melhor, queria ter o amor da cleptomaníaca atriz que fez Lois Lane e também a primeira mulher do Indiana Jones, nem que para isso tivesse que perder os seus famigerados superpoderes. Sim, o Super nos vê como fracos, inseguros e covardes. Somos mesmo. Mas ele nos ama mesmo assim, ou pelo menos ama aquela atriz cleptomaníaca, e nos salva dos grandes vilões que assolam Metrópolis. O único problema é aquele pedacinho de meteorito verde de Kripton.








terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A lógica do Capeta

Um dos garçons de um dos botecos que eu frequentava, já lá se vão muitos anos, tinha o apelido de Capeta. Era irmão ou cunhado dos donos do boteco, não me lembro mais. O Capeta tinha sido estudante de física na universidade. Rezava a lenda que havia sido um dos primeiros colocados de um vestibular de antigamente, mas depois que entrou no curso, a preguiça, a loucura, o desbunde e o consumo de substâncias proibidas haviam transformado um garoto prodígio num estudante velho que não conseguia se formar. Até hoje não sei se conseguiu concluir o curso ou não.

Nós nos conhecemos logo quando entrei na universidade num curso de engenharia, numa matéria introdutória do curso de física na qual o Capeta ganhava uma bolsa como monitor. Era considerado um ótimo monitor pelos alunos, porque não enchia o saco e deixava todo mundo fazer o que bem quisesse enquanto os professores pretendiam explicar alguma coisa. Lembro de um experimento idiota em que deveríamos produzir um gráfico sobre a variação da velocidade de uma bolinha de aço numa canaleta. Uma das pessoas do grupo decidiu que a inclinação da canaleta não era muito radical e acabamos por fazer uma pista com uma queda livre num copo dágua. Alguém de um outro grupo disse que não poderíamos fazer aquilo. O Capeta assistiu a discussão e falou que tudo bem, não havia problema algum.

Nós continuamos a fazer modificações na canaleta, para desespero de alguns estudantes do outro grupo, muitos deles futuros médicos e engenheiros. No final, nosso experimento consistia em tentar acertar um copo de plástico presa ao final da canaleta, depois de se atirar a bolinha de aço do outro lado da sala. Alguém havia sido escalado para anotar a velocidade com que isso era feito numa folha quadriculada. É lógico que a bolinha raramente corria sobre a canaleta e fazíamos uma gritaria louca enquanto ela corria pela sala. Só paramos quando o professor de física, irritadíssimo com a bagunça que encontrou na sala, ameaçou a mim e a outros dois energúmenos de jubilamento imediato. Eu ainda tentei argumentar com o professor e joguei o Capeta na fogueira, dizendo que ele havia autorizado a zorra. O professor se virou para o futuro garçom para ver se ele confirmava a história. Ele deu de ombros e mostrou a folha quadriculada.

_Tirando o que está errado, está tudo certo, professor. Eles fizeram o gráfico - ele disse.

Alguém realmente havia anotado as velocidades e produzido um gráfico, conforme o esperado. Depois eu iria trancar o curso de engenharia e fazer novo vestibular, mas essa é outra história. O que importa e ficou foi aquela frase. Ela viria a marcar os meus anos de universidade porque era efetivamente o que acontecia comigo. Tirando o que estava errado, estava tudo certo, desde que eu conseguisse fazer o que era esperado. Acho que isso acabou se entranhando um pouco na minha maneira de ver as coisas. Desde que algumas das minhas expectativas mínimas estivessem sendo atendidas, estava tudo certo, "no problema".

Mas de alguns anos para cá, alguma coisa aconteceu. Talvez minhas expectativas tenham se expandido. Talvez meu senso de responsabilidade tenha aumentado. Ou talvez eu tenha percebido que há algum problema com a lógica do Capeta e que não basta obter ou apresentar o resultado esperado. É preciso muito mais do que isso, eu sei.

Seja como for, acho que o vi hoje na rua, quando fui levar o meu filho para cortar o cabelo. Lá estava o Capeta, encostado numa parede da rua comercial, ou pelo menos era um cara bem parecido com ele. Fomos nos aproximando e eu já estava com a frase na ponta da língua, o cumprimento especial que sempre trocamos durante todos os anos de universidade e os anos em que frequentei botecos. Mas a uma distância de dez passos, o sujeito se desencostou e saiu apressadamente.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Rabo preso

Meu filho, aos sete anos de idade, não tinha nenhuma dúvida sobre pokemons. Com oito anos ele sabia tudo sobre dinossauros. Agora, com nove anos de idade, ele sabe tudo sobre os bichos. É o seu assunto predileto. Sua paixão, seu quizz-show, sua mania. É comum ele interromper uma conversa qualquer no almoço para nos informar sobre os hábitos alimentares dos ursos, a vida das tuatuaras, o principal predador dos escorpiões, ou que os pavões são admirados desde a antiguidade porque são bonitos e principalmente porque são imunes ao veneno da maioria das serpentes. Ele é fascinado pelo falcão peregrino, um animalzinho de 700 gramas que é capaz de atingir uma velocidade estonteante num mergulho fatal para sua presa. Todo dia aprendo alguma coisa sobre o pequenino falcão. E quando estamos sozinhos no carro, como agora, ele invariavelmente fala alguma coisa sobre os bichos.

_Pai, eu acho que os seres humanos seriam mais felizes se tivessem rabo - ele diz.

Eu concordo, é claro. Mas não digo que alguns seres humanos já têm o rabo preso ou coisa que o valha. Ele então começa a me falar as vantagens de se possuir uma bela cauda livre.
Segue uma pequena lista de algumas dessas vantagens:

_Tinha que ser uma cauda prêensil, pai. Só assim a gente poderia segurar alguma coisa com ela.

_Acho que um rabo seria muito útil para amarrar o cadarço dos tênis. Enquanto as duas mãos davam o nó, o rabo poderia segurar por cima, para não escorregar.

_Poderia servir como uma terceira perna, a gente nunca ia cair.

_O rabo serviria para a gente ficar pendurado e balançar.

_Serviria para segurar um cotonete enquanto a gente estivesse escovando e tomando banho, ao mesmo tempo.

_Serviria para cutucar uma pessoa sem usar as mãos. Ela nunca descobriria que você é que tinha cutucado.

_Serviria para tapar um ouvido para escutar melhor no telefone, sem parar de comer biscoito.

Tento apontar algumas desvantagens.

_Ia ser difícil vestir uma calça jeans.

_As cadeiras de cinema teriam que ser repensadas.

_Seria mais uma coisa para se lavar e pentear todos os dias.

Aqui eu me alongo um pouco.

_E seria superchato de se falar. Você já lavou o seu rabo hoje? Menino, anda, levanta daí e vá lavar o rabo. Olha, disfarça aí, mas vá ao banheiro porque o seu rabo está sujo.

Mas ele está convencido de que as vantagens são insuperáveis.

_Pai, eu seria campeão de videogame.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Camisetas de caveira



Odetta - Hit or Miss (live)

O jardineiro aumentou em dez pratas o preço da diária. Topei, é claro. Só não disse para ele que ao invés de uma vez por semana, estarei usando seus prestimosos serviços somente de 15 em 15 dias. A grana está cada vez mais curta e se para economizar uns trocados eu só preciso aumentar um pouco os cuidados diários com o jardim e o quintal, que seja. Enquanto estamos conversando, minha mulher me liga para perguntar sobre as camisetas de rockeiros que decidimos dar de Natal para um monte de sobrinhos. Eles estão na adolescência e adoram rock, alguns até tocam em bandinhas com os amigos. O único problema é que minha mulher adora MPB e não sabe quase nada de rock.

_O que é Ska generation? - ela disse.

_Geração Ska. É música aparentada com o reggae. Não compre isso. Os meninos são rockeiros, nada de reggae, nem ska, nem pop, nem blues. Rock. Eles gostam de rock.

_Tudo bem, mas é bem bonita a camiseta. Tem certeza de que eles não iriam gostar?

_Absoluta.

Aponto o paredão ao lado da piscina para o jardineiro. Peço a ele para acertar a hera, que está crescendo desordenada, e também falo para podar um pouco os gerânios, que estão ficando altos demais. Conversamos sobre a possibilidade de substituir os gerânios por violetas ou uma outra flor mais rasteira. Fechamos numa troca por lírios, mas depois lembrei que lírios também ficam muito altos. Acabei desistindo de trocar. Aí o telefone tocou novamente.

_Amor, o que você acha de Judas Priest? - disse a minha mulher.

_Não, não compre isso, por favor. É uma banda horrorosa e minhas irmãs católicas não iriam gostar. Quem quer ver o filho com uma camiseta da banda dos Padres de Judas? Quem quer saber dos Vigários do Traidor? Não, não compre isso de jeito nenhum.

_Encontrei uma do Metallica, é boa?

_Pode, essa não tem problema, vai agradar - eu disse.

_E tem uma escrito Hell´s Bells e AC/DC. Será que vou criar uma questão religiosa?

_O sino tem uns chifrinhos, né?

_Tem mesmo.

_Essa é feita desde o meu tempo. Mas é melhor não comprar. Procura uma com a foto de um guitarrista vestido de menino, com boné e gravata, com um raio amarelo por trás. Se tiver, compra para mim. Sempre quis ter uma camiseta dessas.

_Tá bom. Vou ver com a vendedora.

Quando ela ligou novamente eu estava com as crianças na aula de natação. Há muito tempo, quando começamos a namorar, pensei em gravar umas fitas básicas de iniciação ao rock´n´roll para minha mulher. Quando mencionei o projeto, ela educadamente me disse que não teria tempo para aquilo enquanto fazia o mestrado. O telefone tocou novamente.

_Não tem aquela do guitarrista vestido de menino, amor - ela disse. Também não tem dos Beatles. Achei uma dos Rolling Stones, será que eles vão gostar?

_Só se não tiver fotos atuais dos caras. Mick Jagger está parecendo personagem de The Walking Dead.

_O quê? Não entendi nada. A vendedora está com uma camisa do Motorhead. Tem uma porção de modelos de camisa dessa banda com um preço muito bom. O problema é que não aceitam troca. Será que eles vão gostar?

_Compre, compre. Eles vão adorar.

Talvez até não gostem, eu pensei. Mas rockeiro que é rockeiro não vai se dar ao trabalho de ir trocar camiseta numa loja, né?



quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Reencontros com os amigos

Não sei vocês, mas toda vez que reencontro uma pessoa das antigas acabo me comparando com a pessoa que encontrei, mesmo que não queira. Às vezes o reencontro é rápido, não dá muito tempo, então só faço uma comparação mental das aparências. Eu vejo se tenho mais ou menos barriga, se meus fios de cabelo estão mais ou menos brancos, se a pessoa conseguiu manter mais dentes do que eu, se as suas olheiras são mais profundas e se ela não desenvolveu manias como as que eu já notei em mim, como a mania de comparar pessoas. Mas outras vezes, quando o reencontro se estende por algum tempo, a comparação não se limita aos aspectos físicos óbvios e se estende para as opções de vida e as trajetórias.

Na maioria das vezes, é preciso reconhecer, eu perco de lavada. Tenho alguns amigos que são verdadeiros atletas, os caras malham todos os dias, têm barriga de tanquinho e a aparência de estrelas de cinema: os dentes são perfeitos, os cabelos parecem de propaganda de shampoo, só usam óculos escuros de boas marcas e cultivam a virtude da modéstia. Conto nos dedos as vezes em que encontrei pessoas com uma barriga de chopp maior do que a minha. E mesmo quando isso acontece, a pessoa quase sempre está melhor nos outros quesitos.




terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A grande disputa de enfeites de Natal



Young the Giant - "My Body"

A árvore de Natal foi montada no início da tarde desta terça-feira. Eu, minha filha e duas de suas amigas da escola fizemos quase tudo. Meu filho começou a ter uma crise alérgica e achei melhor deixá-lo fora dessa. Penduramos pelo menos um quilo de bolas cromadas e enfeites de papel na árvore. Mais cedo, pela manhã, eu e a minha mulher fomos até a Feira dos Importados(antiga Feira do Paraguai) para comprar luzes para enfeitar a casa e a árvore. As lâmpadas velhas estavam meio bichadas, a maioria não prestava mais. Agora a onda é a lâmpada LED, que consome menos energia e é bem mais bonita. Existem LEDs em fitas e em mangueiras. Em alguns quiosques também ofereciam mangueiras de LED que poderiam ser usadas debaixo dágua, dentro da piscina, por exemplo. Eu logo me imaginei mergulhando na piscina iluminada por dezenas de microlâmpadas, meu cérebro sendo fritado por uma descarga elétrica de uma dessas lampadinhas fabricadas no oriente, uma risada sinistra ecoando feito um submarino nuclear daqui até a China. Preferi não arriscar, é claro. Mesmo assim, compramos dez metros de uma mangueira de LED multicolorida a 7 reais por metro. A idéia é fazer um enfeite super-duper-legal na frente da casa. Estamos movidos pelo mais alto espírito de Natal e também porque desejamos deixar a casa mais bonita do que a do vizinho, que na semana passada incrementou sua casa com uma quantidade quase obscena de lâmpadas multicoloridas e efeitos visuais fantásticos. Na ocasião, reagimos de forma diferente.

_Nossa, parece o Pólo Norte - disse a minha filha.

_Ficou bonito - disse a minha mulher.

_Ficou engraçado - disse o meu filho.

_Precisamos fazer melhor - eu disse.

Apesar dos olhares de reprovação da minha mulher, que não considera muito natalino os meus resmungos e manias, tratei logo de pesquisar alternativas bem sacadas de iluminação de Natal a preços módicos. Daí para a antiga Feira do Paraguai foi um pulo. O grande problema agora é como convencer a minha mulher de que precisamos de mais uns vinte ou trinta metros de mangueira de LED e umas trezentas ou quatrocentas lâmpadas multicoloridas para enfeitar as plantas da frente da casa ainda mais e melhor do que o vizinho.











segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Atrasados com a árvore



The Seeker - The Who

Aqui em casa temos o costume de começar o mês de dezembro com a árvore de Natal já montada e com um monte de presentes embaixo. Mas este ano, por causa da idílica viagem do último final de semana, só conseguiremos montá-la nesta terça-feira. De qualquer modo, como acontece todos os anos, a primeira coisa que sempre me vem à cabeça na hora de montar a árvore de Natal é: onde estará aquela danada? Passei boa parte desta segunda-feira procurando por ela, sem sucesso.

Depois de vasculhar os quartos, todos os armários e até a oficina, cheguei a pensar que poderia ter perdido a velha árvore para sempre. Nessa hora senti um arrepio na coluna, pois a árvore de plástico verde, com um metro e oitenta de altura, nos acompanha há nove anos e tem brilhado com razoável espírito desde então. Como quase tudo aqui em casa, adquiri essa árvore numa promoção. Minha mulher jura que estou enganado. Ela afirma que eu comprei uma arvorezinha miúda, de uns meros 60 cm de altura quando nos casamos e que foi ela que comprou a nossa velha árvore atual. Ela pode estar certa, mas o que importa é que ambos admitimos que a árvore foi comprada numa promoção do supermercado. Para mim, a árvore é a comprovação em plástico de que é possível abrigar uma árvore falsa em casa, demorar três horas e meia para cobri-la com lâmpadas, bolas, contas douradas, anjinhos de metal, cornetas, pacotes de papel e enfeites que ficam onze meses guardados numa caixa e ainda ficar feliz com o resultado. Sim, eu adoro essa árvore e não iria sossegar enquanto eu não a encontrasse.

Quero dizer, sosseguei logo em seguida, porque já não havia mais onde procurar. Então, com o coração compungido, olhei para cima. Vi uma mancha no teto da sala. Vi duas manchas. E pensei: maldita infiltração! Os últimos dias de chuva provocaram um estrago no teto e também na pintura de uma coluna. A água infiltrada também amoleceu o rodateto e fez com que uma parte dele desabasse. Isso aconteceu na manhã de sábado, pouco antes de viajarmos. Lembro que na hora eu pensei que aquilo era um sinal dos céus me alertando para arrumar logo a árvore de Natal. Também pensei que era um sinal de senilidade pensar uma coisa dessas. E aí sacudi a cabeça e fui viajar.

Agora ali estava eu pensando onde poderia estar a minha querida árvore de plástico. Hoje em dia eles fazem umas árvores mais tecnológicas, sem o pretenso realismo da minha velha árvore. São coisas mais conceituais, com folhas falsas que não pretendem parecer folhas de verdade. Muitas nem se parecem com um pinheiro. Diversas nem sequer têm forma triangular ou, o que é pior, não permitem que se amarre uma estrela lá na ponta.

Acho que em matéria de árvore de Natal, sou um conservador. Tem que se parecer com um pinheiro piramidal. Tem que aguentar o peso de trezentas bolas coloridas e uma centena de bugigangas, além de ter espaço embaixo para se empilhar os pacotes de presentes. E sobretudo, tem que suportar uma estrela dourada ou prateada de tamanho razoável para chamar a atenção das crianças (Quando uma delas perguntar que estrela é aquela, esteja preparado para responder).

E só depois que pensei nisso é que me lembrei que deixei a árvore de Natal no sótão, sobre a laje da sala. Corri lá para verificar se estava inteira. Sem problemas. Amanhã montaremos a árvore.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Vencedora invicta



Arctic Monkeys - Reckless Serenade

Viajamos rapidamente neste final de semana. Fomos até a pequena cidade onde nasci. Continua pequena. Talvez um pouco menor a cada vez que a visito com as minhas lembranças ainda mais desbotadas. O motivo da viagem foi o aniversário de um primo em segundo grau. Talvez em algum momento tenha me passado pela cabeça a idéia de fazer uma peregrinação às minhas origens, para mostrar aos meus filhos os locais das minhas lembranças de infância mais remotas. Mas choveu o tempo inteiro e a viagem foi um bocado cansativa, então mostrei poucas coisas. Mostrei a praça do coreto. A praça do fórum, onde ainda existe um banco doado pelo meu pai. A praça do mercado. A antiga praça das fontes. O pequeno estádio de futebol e o cemitério ao lado, duas igrejas e as casas dos meus tios, tias e avós. Talvez por causa da chuva fina, foi uma turnê apressada pelos locais, com marcha reduzida mas sem parar o carro nem uma só vez. As crianças simplesmente não pareceram interessadas.

_Aquela era a casa da sua bisavó, que depois ficou com a tia de Uberlândia. A casinha ao lado era do meu tio doido. Ele morou aí por mais de vinte anos - eu disse.

As crianças não fizeram nenhum comentário. Pelo retrovisor, eu podia ver que estavam um pouco despontadas. As casas eram bem humildes e não estavam em boas condições. Com as praças também não foi muito diferente. Elas não viram a menor graça na praça do mercado, na praça das fontes e nem na praça do coreto. Nesta última eu também fiquei desapontado. A praça do coreto era uma das favoritas da minha infância. Parecia gigantesca e cercada de árvores ainda mais gigantescas. Agora as árvores gigantes haviam sumido e o pequeno coreto parecia incapaz de abrigar as trinta ou mais crianças do meu tempo de menino.

_Era a melhor praça do mundo para se brincar de pique-esconde e também de polícia e ladrão - eu disse.

Mas as crianças não viam da mesma maneira, dava para notar. Até que ao passarmos por uma rua estreita, de muros altos, vi uma grande mangueira, a maior de todas que eu jamais me lembrara de ter visto na minha cidade. Parei o carro e todos ficamos de nariz grudado nas janelas observando a árvore.

_Eu já subi nessa mangueira - eu disse. Os dois me olharam com admiração genuína.

_E aquele ali é o grande cedro - eu disse, apontando para uma árvore ao lado da mangueira. Tinha um tronco muito alto e reto. Seria preciso pelo menos quatro pessoas de mãos dadas para abraçar o tronco na altura em que o víamos, acima do muro.

_Você já subiu nele? - eles disseram.

_Não, ninguém nunca conseguiu subir naquela árvore - eu disse.

E todos nós ficamos olhando para o grande cedro com o silêncio respeitoso com que, até mesmo sem querer, reverenciamos os vencedores invictos.

Talvez essa visita rápida aos locais da minha infância fique mesmo no resíduo brumoso das lembranças que não cultivamos. Mas tenho certeza de que as crianças se lembrarão da enorme árvore da minha infância, a única que foi gigantesca e assim permaneceu, invencível.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Intelectuais


Houve uma época em que eu acreditava que poderia ser um intelectual. Isso já passou, juro. E durante esse período, que durou dos meus vinte anos até mais ou menos as quatro da tarde do último dia da semana passada, eu acreditava que uma das melhores maneiras de se convencer alguém sobre a minha legítima intelectualidade era a citação de frases ou acontecimentos sobre pessoas indubitavelmente reconhecidas como intelectuais. Isso parece simples, mas não é.

Sendo brasileiro, citar pessoas começa com um problemão logo de cara. Nossos intelectuais contam-se entre os dedos de um maneta de três dígitos, então fica difícil pacas fazer citações de frases sem ser extremamente repetitivo. Além disso, como já disse um desses intelectuais, sucesso no Brasil é agressão pessoal. Então mesmo se o cara for um gênio reconhecido e coisa e tal, quase sempre não se levanta a bola do citado e se abre aspas para uma tal de “voz corrente”.

_Toda unanimidade é burra!

_Boa, muito bacana. É do Nelson Gonçalves?(Sim, alguém sempre confunde o escritor com o cantor).

_Não, é “voz corrente”. E Gonçalves era o cantor. O escritor era o Rodrigues.

_Aff.

Além do estoque limitadíssimo de unanimidades intelectuais, nós também temos sérios problemas de reconhecimento de autoria e confusão total de nomes, prenomes, bairros e localização geográfica. Por isso, eu achava que poderia quebrar o galho citando celebridades nacionais de áreas menos acadêmicas, como os humoristas Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Tirante o primeiro, que já não cito há quase uma semana, os outros não têm sobrenome, ninguém sabe onde nasceram e eram parecidos com as pessoas que encontrávamos em cada esquina. Dentre esses quatro, aliás, o meu preferido sempre foi o Mussum, ou o velho e bom Mussa.

Durante anos citei o Mussa durante as reuniões de amigos e até mesmo em ambientes profissionais. Uma vez até me passou pela cabeça que talvez por isso tenha sido demitido tantas vezes. Mas depois pensei melhor, é claro que não foi por causa do Mussa. Afinal de contas, todo mundo toma suco de cevadis. Todo mundo se pirulita quando pode. E todo mundo fala “é nú forevis” quando percebe que a coisa está preta para o seu lado e não adianta encostar na parede.

Então, apesar de todas as dificuldades, eu estava decidido a continuar sendo um intelectual com citações de pesos pesados como Maguila, Wando, Neguinho da Beija-Flor e Odair José até que encontrei o meu amigo Cabeça no final de semana passado. Esse sim, eu pensei, é um legítimo intelectual. Perto dele sou como um verbete recém-iniciado da Wikipedia. Foi o Cabeça que me contou essa estranha história que começa no próximo parágrafo entre aspas.

“Eu já fui Alguém, assim mesmo, com A maiúsculo. Eu tinha uns dois ou três anos e ainda não me chamavam de Cabeça. Na época, não me chamavam de nada, mesmo assim eu pensava que era o centro do universo. Tudo girava em torno de mim. Todas as pessoas do mundo trabalhavam para mim. Bastava eu berrar um pouco e eu ganhava tudo o que queria. Se eu queria muito, então eu berrava muito, era simples assim. E se eu não quisesse, nada no mundo era superior à minha vontade. O problema todo é que eu não era muito de falar, eu gostava mesmo era de gritar. Isso criava muita confusão porque ninguém na verdade sabia o que é que eu queria, as pessoas tentavam adivinhar mas acabavam perdendo a paciência. Até que um dia minha Mãe, também com maiúscula, matou a charada. Ela fez como nos filmes do Tarzan. Apontou o dedo para mim e disse:
_Alguém quer mingau?
Puutz! Eu adorava mingau. E ser chamado de Alguém fez eu me sentir muito importante e reconhecido. Claro que eu queria. E minha Mãe então disse para todo mundo fazer do mesmo jeito.
_Alguém quer arroz? Mais arroz?
Puutz! Eu adorava arroz. Claro que eu queria. E aquilo se repetiu para um monte de coisas. As pessoas me viam e falavam:
_Alguém quer pudim? Alguém quer pão? Alguém quer feijão? Alguém quer?
E é claro que eu queria, pô. Até que um dia eu fiquei sozinho na sala, onde havia um aquário enorme. Meu Pai morria de ciúmes daquele aquário, eu não podia nem encostar o nariz, muito menos esconder chiclete debaixo dele. Eu tentei, mas fui pego em flagrante. Mas naquela tarde eu conseguiria. Não me lembro mais do que eu fiz, só que dei um jeito de derrubar o aquário e os peixes por toda a sala. Aquilo me deixou encharcado e desesperado, eu sabia que estava frito. Um aquário daqueles custava uma fortuna, dava um trabalho danado para cuidar e acima de tudo, meu Pai amava aqueles peixes que agora pulavam morimbundos no tapete da sala. Mesmo assim, quando ele entrou na sala, voltando do trabalho e me viu ali sentado entre os peixes, eu reuni toda a minha coragem para dizer: _Alguém fez merda! Alguém fez merda!”

Daqui por diante, portanto, só citarei o Cabeça. E Alguém.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Porcada


Muitas pessoas dizem que aprendem com seus erros e insucessos. Eu mesmo sou desse jeito, vivo falando que errar é humano, logo sou um jerico fracassado. Erro um bocado. Dou com os burros n´água. Digo besteira, dou mancada. E aí, se a minha mulher me der uma dica ou um beliscão, sou capaz de perceber onde é que dei um fora e aprender com isso. O difícil é me lembrar, mas eu aprendo. É um exercício diário, ou quase, pois é raro o dia em que coloco a cabeça no travesseiro e não dou uma pancada na testa ao lembrar de uma trapalhada que fiz no final da manhã, no meio da tarde, ou ainda pouco antes de escovar os dentes. Nessa hora, minha mulher se virava compreensiva e me perguntava se por acaso eu não teria nenhuma novidade para contar. Isso mudou um pouco desde que comecei este blog porque agora ela reclama que tudo o que a gente conversa acaba parando na "porcaria do caminho". Mas, em geral, digo que não tenho. Nunca fui de facilitar as coisas, é um erro, eu sei, mas digo para mim mesmo que é só uma característica pitoresca da minha personalidade.

_Ah, qualé? Vai fazer C.D. e não me contar?

_C.D.? Que diabos é C.D.? - eu disse.

_Careca, você tem um blog família, lembra? Não dá para falar todas as siglas.

_C.D. é o mesmo que ânus açucarado?

_Você pode escrever ânus no seu blog?

_Posso, é claro. Posso até descrever um, se eu quiser.

_Ugh!

_Por quê essa cara? Todo mundo tem ânus, oras.

_Mas só você quer escrever sobre isso. Pare. Estou mudando de assunto. Diga lá, qual foi a mancada de hoje? - ela disse.

_Nada demais, nada demais.

_Estou esperando, desembucha logo.

_Não vou dizer. Todo mundo comete erros, sabia? Veja o Filipão, por exemplo. Ele afundou a seleção de Portugal, não foi? Depois deu um empurrãozinho no Palmeiras para a segundona, não é? Pois olha ele lá, na Seleção. Porque todo mundo sabe que agora, depois de errar tanto, ele só poderá acertar, não é mesmo? E o Parreirão? Vem colecionando fracassos sucessivos, naufragou a África do Sul e agora vai ajudar o Filipão, quer dizer, dois errados fazem um acerto, correto?

_Nem aqui, nem na China. E o que isso tem a ver com a sua carecada do dia?

_É assim que você chama? Carecada?

_Às vezes eu também penso em descabelada do dia, mas tenho que estar de bom humor.

_Não foi nada, não foi nada. É que eu me lembrei de um cacófato que eu vivia cometendo, sem querer.

_Qual?

_Porcada. Antigamente, quando eu era redator, eu costumava ter muita coisa para escrever e tinha que ser muito rápido. Às vezes eu simplesmente não conseguia me livrar desse cacófato no texto e tinha que entregar logo o texto para o locutor. Nessas horas, eu costumava orientar o locutor a falar bem pausado, para disfarçar o cacófato, mas não tinha jeito, ficava porcada. Uma vez, o chefe de redação, que era uma besta idiota, entrou no estúdio e arrancou a nota do locutor. Ele transformou a nota num quadrinho e grudou no quadro de avisos da redação, como alerta para os redatores não repetirem o cacófato.

_Que sujeito grosseiro! E o que você fez?

_Ele não era tão mau. E depois daquilo eu passei a me vigiar melhor. Aprendi com o erro, sabe? Nunca mais escrevi uma nota com "por cada".

_Acho que você inventou essa história só para não me contar a sua carecada do dia.

_Caramba, se eu ganhasse um real por cada vez que...

_Ahá!







terça-feira, 27 de novembro de 2012

Coisas pela metade



Alabama Shakes - I Ain't The Same

À minha direita, no escritório, tenho uma estante repleta de aeromodelos quebrados. Estão sem rodas, hélices, pedaços de asas ou completamente espatifados desde que nos mudamos para a nova casa. A minha idéia inicial era a de reconstruir aos poucos todos os aeromodelos, um a um, fazendo um pouco cada dia. Não consigo deixar de pensar que isso ainda é possível, mas hoje já começo a perceber que essa é uma idéia otimista demais mesmo para os meus padrões superotimistas. Cheguei mesmo a reconstruir dois desses aeromodelos. Um deles era o Fokker triplano do Barão Vermelho. Só é possível encontrá-lo em lojas virtuais megadistantes e super-extorsivas. Meu triplano escorregou da prateleira, ou algo assim, eu o encontrei todo tronxo no primeiro semestre deste ano. O outro modelo foi o Corsair F-14, que montei com capricho em 2006 e que aguentou firme as quedas espanadas até o seu fatídico despedaçamento em abril de 2011, quando o retirei da caixa de mudança. Eu o recompus com cuidado e cola tudo, mas não adiantou, em janeiro deste ano eu o encontrei novamente aos pedaços. Os dois reveses me deixaram desanimado e parei de tentar recompor os aviões aos poucos. Deixei muitos deles pela metade.

Na mesma estante dos aeromodelos guardo o antigo aparelho de som, que ainda não tive coragem de montar. Tenho um receiver Sanyo, um tape-deck(toca-fitas) e o célebre toca-discos SL-3200, ambos da Technics. Tenho umas caixas de som razoáveis e um aparelho compacto da Gradiente que não ligo há dez meses. Em lugar de destaque, na estante, tenho um chapéu Panamá fabricado por virgens equatorianas, presente de aniversário dado pelo meu irmão e também o meu primeiro scanner, a máquina de escrever que meu pai usava e a Cannon - mini-impressora de fotos, que volta e meia quebra um galho.

Talvez seja imprudente fazer uma analogia entre toda essa tranqueira acumulada na estante e a bagunça cheia de pontas soltas em que têm se transformado os meus dias. Mas a verdade é que reduzi as minhas expectativas e também, muito fortemente, as minhas ambições. Quero hoje muito menos coisas do que jamais quis. Por outro lado, as que ainda desejo, jamais as desejei com tanta intensidade.

O mais recente caso

O Prof. Villa em mais um artigo sensacional. Ele também faz o alerta: "O novo passo para sufocar o Judiciário é o projeto, com apoio do PT, que está tramitando na Câmara dos Deputados que retira do Ministério Público o poder investigativo. É uma evidente retaliação."

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Ninguém resiste ao powerpoint com musiquinha


Nova reunião na escola, dessa vez com a professora da minha filha. Ela irá para a terceira série no próximo ano. Juro que tentei, mas acabei sucumbindo ao fatídico powerpoint com musiquinha. Todo mundo sabe que reunião de pais no final do ano é um chororô danado. As professorinhas se debulham, as mães engolem em seco o quanto podem, mas ninguém, ninguém, ninguém resiste ao powerpoint com as melhores fotos do semestre com aquela musiquinha melosa ao fundo. Eu fiquei me beliscando, pisei na minha própria unha encravada, mas não teve jeito, as lágrimas escorreram.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O terrível comentário secador de blog

Eu tenho uma amiga que nunca vi pessoalmente, mas que considero uma amiga especial. Ela é blogueira como eu, mas muito melhor, muito melhor, e na verdade me sinto como se fosse uma espécie de seguidor dela, no bom sentido de seguidor. Sim, porque às vezes as pessoas que seguem as outras ficam ali, olhando detalhes, procurando defeitos, reparando no jeito que a pessoa vai, mas eu não. Eu sou dos seguidores à moda antiga, daqueles que nem reparam na derriere alheia, apenas sigo humilde e de cabeça baixa, olhando pro chão, a pessoa que vai à frente. Com o maior respeito.

Bom, essa é uma amiga especial pra caramba. Sem os seus comentários, lá no início do blog, acho que nunca mais teria escrito na Internet e nem começado a escrever aqui todos os dias. Ela é excelente, superinteligente e tem um grande senso de humor. Eu sou bem diferente, muitas vezes não tenho humor nenhum e escrevo um monte de besteiras ou coisas que são completamente desprezíveis e chatas. Ela, não. Tem um texto direto, sem frescuras e literatices e consegue dizer muitas coisas com poucas palavras, o que eu sempre acho admirável.

Durante muito tempo, ela escreveu com periodicidade variável, eu estava sempre lá, me deliciava com os textos e caprichava nos comentários, ou pelo menos me esforçava. De qualquer forma, essa minha amiga cibernauta respondia as minhas mensagens e era bem educada, simpática e atenciosa com as respostas. Mas às vezes, logo depois da resposta ao meu comentário, minha amiga ficava um tempão sem postar nada. Aí voltava a postar e eu, que sempre passava pelo blog para conferir se não havia alguma coisa, deixava um comentário qualquer, coisa besta mesmo, porque eu sou ruim pra caramba pra fazer comentário, e pimba, ela ficava um tempão sem postar nada novamente. Quando isso aconteceu pela nona vez, ploft, finalmente caiu a ficha. Pô, tava na cara que as travações bloguísticas dessa minha amiga estavam sendo provocadas pelo meu comentário secador de blog.

Sim, eu já estou nessa história de blog há bastante tempo e o comentário secador de blog existe, não é lenda urbano-cibernética. Eu mesmo já senti o comentário desses na pele, é uma coisa de louco. E muitas vezes nem é culpa da pessoa que comenta, que quase sempre está coberta das melhores intenções e só quer se mostrar simpática com a pessoa que escreve o blog. A verdade é que o comentário secador de blog pode acontecer com qualquer um, em qualquer dia e em qualquer blog, nos blogs bons e espertinhos e até nos blogs pebas como o meu. E por causa disso, não é fácil identificar o comentário secador e, o que é pior, ele pode aparecer no formato duplo carpado, que provoca uma travação de semanas e semanas.

Mas uma vez constatado o problema, o comentarista infectado deve evitar, a qualquer custo, disseminar secadores por aí. O melhor é fazer como os japoneses, que quando estão resfriados tratam logo de colocar máscara e luvas e evitar conversas desnecessárias, especialmente as que podem, ainda que acidentalmente, derrubar outras pessoas. Por isso, estou evitando deixar comentários nos textos cada vez mais bacanas e envolventes que essa amiga voltou a escrever. É só uma medida preventiva.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Ganhamos um hamster


A família será aumentada até a próxima segunda-feira com a chegada de um novo membro, um hamster que meu filho ganhou num sorteio na escola. No quarto ano, os alunos escolhem um animal de estimação para a sala e passam dois semestres a cuidar do bicho. A turma do meu filho escolheu um hamster, que acreditavam ser um legítimo representante do sexo masculino e por isso devidamente batizado com um nome de homem, Juscelino, uma singela homenagem ao presidente que inventou Brasília. No meio do ano, alguma coisa aconteceu e descobriu-se que Juscelino não era o que aparentava, era fêmea e estava prenha. As crianças não hesitaram, mudaram o nome do hamster para Sara, numa bela homenagem à mulher do presidente que inventou Brasília. Logo, logo, Sara pariu sete hamsterzinhos. Mas alguém se esqueceu de dar comida para Sara, que teve depressão pós parto e desenvolveu uma agressividade canibal faminta sobre os filhotes que foram sendo mutilados e reduzidos em número até a decisão do sorteio do sobrevivente, que aconteceu hoje.

Na reunião de segunda-feira, só depois é que me lembrei, a professorinha falou alguma coisa sobre enviar mensagem por e-mail quem não quisesse ficar com o hamster. Pelo menos metade dos presentes deixaram claro que não eram contrários a ficar com animais de estimação, mas hamsters estavam fora de cogitação. Eu não tenho desculpa, esqueci total de mandar o e-mail.

Por isso não fiquei surpreso quando o meu filho me contou como foi o sorteio.

_Pai, eu tive uma sorte danada, você nem imagina. Pra começar, duas meninas tiraram o hamster, mas as mães delas não deixaram. Depois a professora tirou o Rogério, mas ele já vai cuidar da Sara durante as férias, então não valeu. Aí a professora tirou outra menina, pai, mas a mãe dela também não deixava então a professora teve que fazer um outro sorteio, imagina. Aí, quando eu já estava desistindo, a professora disse que dessa vez tinha tirado um me-ni-no e toda a galera da sala ficou vibrando, uuuuuuuhhhhh. E depois a professora falou que o menino sorteado tinha cabelo comprido e eu, nossa, será que é verdade? Será que sou eu? Mas tem um monte de menino cabeludo na sala e a gente berrou muito, pai. E por último ela disse que tinha sido eu, nossa, eu nem acreditei. Será que eu posso ficar com ele, pai?

Eu disse sim, é claro.

_Mas antes de comemorar, confira com a sua mãe se não há nenhum problema. Se ela concordar, existem algumas condições. Você será responsável pelo hamster. Eu não vou limpar gaiola, não vou alimentá-lo e nem verificar se ele está com água suficiente ou se está se exercitando. Sua mãe e a Rose também não vão fazer isso. Cuidar dele será sua obrigação. Já cuidamos do Rafa e da Beta, não vamos cuidar de outro bicho. Outra coisa: o Rafa come hamsters, então tome cuidado com ele. Ele vai sentir o cheiro do hamster e ficar de tocaia. Se você se descuidar, ele vai caçar o ratinho. E os hamsters são frágeis, se você ficar pegando muito ele vai morrer depressa. Então, se a sua mãe deixar e se você concordar com isso, o hamster será bem-vindo.

E quando minha mulher chegou do trabalho, o menino foi correndo perguntar se havia algum problema.

_Você está brincando, não é? É brincadeira. Ninguém ganhou hamster nenhum.

_É sério, mãe.

_Tá, sei. Boa piada. E seu pai e sua irmã estão nessa com você.

_Não é brincadeira, mãe, eu ganhei no sorteio.

E então ele contou novamente como foi a coisa, dessa vez com mais interjeições e caretas.

Minha mulher deixou, mas fez uma proposta oblíqua para que o hamster ficasse com a gente por apenas três meses. Depois desse período o bicho seria doado para a turma da minha filha, que também tinha um hamster, mas o coitado não conseguiu sobreviver. O menino resistiu fortemente à idéia. E já escolheu o nome do hamster. Se for "homem", vai se chamar Filé.



quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Tsunami ou marolinha

Eu e a minha mulher fomos hoje à reunião com os pais na escola. Não abrimos a boca. Não é a melhor escola do mundo, mas também não é a pior. As crianças gostam de ir para as aulas, aprendem tudo rapidamente, têm bons amigos e amigas e não apresentam maiores dificuldades. Além disso, a escola fica a dois minutos de casa. Desconfio que estejamos acomodados e nem um pouco preocupados em lutar por uma melhor qualidade de ensino. Ela talvez até exista, mas não podemos pagar, é simples. Alguns pais ensaiaram críticas, deram testemunhos ou corroboraram enfaticamente o discurso pedagógico da professora e da diretora da escola, mas prestei pouca atenção. Estou um pouco cansado de ouvir as mesmas coisas. As cotas instituídas disso e daquilo corromperam a minha noção da escala de mérito, a verdade é que a educação deixou de ser reverenciada e passou a ser encarada como um serviço qualquer. Então eu encaro. Quando esse serviço é prestado por funcionários do governo, ele tende a ser ruim. Quando é prestado por particulares, tende a ser um pouco melhor, embora ainda seja desproporcional em relação ao seu alto custo. De qualquer forma, estamos reféns de um ou de outro e pagamos caro por ambos. A professorinha falou um bocado sobre os bons serviços prestados, mas a verdade é que deixou muito a desejar em diversos aspectos. Entretanto, qual é a alternativa que temos? Procurar uma nova escola e correr novos riscos no próximo ano? Nem pensar. Vamos continuar onde estamos.

Uma coisa me impressionou durante a reunião. No meio do palavrório de educador, a diretora da escola inseriu um pequeno discurso dizendo que estamos sendo diariamente bombardeados por notícias e informações negativas e que a escola também representava um baluarte contra a onda negativa. Tsunami ou marolinha? Tive vontade de rir. Vivo numa rua tranquila, as pessoas daqui não têm vida noturna. Todo mundo se preocupa com segurança. Todo mundo se preocupa com saúde. E todo mundo está apreensivo. Dezembro ainda nem começou mas o ano que vem parece estar virando a esquina. E não é que eu seja pessimista, mas nunca foi marolinha.


terça-feira, 20 de novembro de 2012

Todos os dias

Todos os dias de escola eu acordo às seis da manhã. Com o horário de verão, ainda está bem escuro e quase sempre chove. Desde que os apagões começaram, há uns seis anos, uso um telefone celular e o meu velho rádio despertador para acordar no horário. Em geral, só o telefone toca na hora marcado, o rádio fica piscando um número qualquer da madrugada. Acordo as crianças meia hora depois e as ajudo a se vestir e arrumar as camas. Sou um chato metódico e acredito que posso ser uma fonte de estímulo positivo para o impulso de organização das crianças ajudando-as a deixar o quarto sempre arrumado, até mesmo antes de ir para a escola. Todos os dias também digo a elas para escovar os dentes com cuidado e também para pentear o cabelo. Às vezes é preciso pentear o cabelo de um deles ou dos dois. Também é preciso pedir para que escovem novamente. Eu os ajudo com os uniformes e os calçados. Houve um tempo em que era impossível encontrar meias para a dupla, mas resolvi o problema com vários pacotes delas comprados numa promoção relâmpago do supermercado. Às dez pras sete estamos todos à mesa. Em geral, há uma fruta para cada criança, nescau, leite frio, leite quente e café para os adultos. Eu gosto de meia chávena de café com um pouco de leite e prefiro um bom pão francês com manteiga derretida no forno elétrico. Mas antes, para evitar protestos latidos, sempre lavo as vasilhas de água e comida do Rafa para sua primeira refeição do dia. As crianças tagarelam um bocado. Minha filha emenda perguntas sem parar e meu filho gosta de falar as coisas curiosas que aprende sobre os animais, dinossauros ou videogames que gosta. E porque os dois tagarelam um bocado, de vez em quando nós mudamos de assunto e pedimos pressa. Mas não adianta. Eles acordam sempre felizes e animados e não há nada que os impeça de falar sobre seus sonhos e fantasias. E não é raro que eu me deixe inebriar por essa tagarelice, falando eu também do tempo em que era criança e a vida era tão simples quanto acordar e ir para a escola. Mas não deveria, estamos sempre chegando atrasados.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Cobrança indevida

Passei três horas da tarde de hoje numa secretaria de governo, esperando ser atendido para protocolar uma resposta clara e objetiva de que já havia pagado os impostos que estavam me cobrando com juros e multa. O povo brasileiro é paciente, eu também. Durante as três horas de espera pude terminar de ler Argo, o livro em que se baseia a história do novo filme de Ben Afleck. A sala estava lotada de brasileiros como eu e quase todos, inclusive, com o mesmo problema de cobrança indevida. As mulheres predominavam. Havia pelo menos 150 pessoas esperando sentadas e mais de vinte mesas de atendimento. Pelo menos 80% eram mulheres. Quando cheguei olhei para o grande painel de senhas e descobri que havia 69 pessoas na minha frente para tratar exatamente da tal cobrança indevida. Ao meu lado, um sujeito ficou puxando conversa com uma moça loura e bonita sobre as cópias autenticadas que ela estava levando. A moça disse que já havia trabalhado em sindicato e não estava ali pra perder viagem. Então ela simplesmente autenticou num cartório de notas todas as folhas que estava apresentando.

_Até a identidade? - disse o sujeito.

_Principalmente a identidade - disse a moça.

O sujeito disse que ninguém era mais obrigado a apresentar cópia autenticada de identidade. Mentalmente eu pensei que aquele não era um bom movimento, mas já era tarde para o pobre rapaz.

_É só apresentar o original junto. A pessoa compara na hora.

_Hum, hum. Sei - disse a moça, com grande ênfase numa sobrancelha levantada que significava "não seja Mané, seu otário!", mas o sujeito não percebeu.

_É verdade. Isso foi definido por um antigo figurão da República, o antigo ministro da desburocratização, Hélio Beltrão.

_Hum-hum. Tá. Conta outra.

_É sério. Isso faz tempo, mas continua valendo. Beltrão provou que o cidadão perdia muito tempo e dinheiro com idas ao cartório para tirar cópias da identidade que iria apresentar em repartições públicas do governo, ao reclamar de erros ou exigir a prestação de serviços do próprio. Quer ver? Pergunta pro cidadão ao seu lado.

Era eu, o cidadão ao lado. Foquei o infinito e tirei os óculos, por precaução e para não dar qualquer margem a que me colocassem naquele papo chato. Detesto conversas didáticas. E certamente aquilo era didático pacas.

_O senhor trouxe cópia autenticada ou só aquela xerox simplezinha, mequetrefe? - disse a moça.

_Acho que a minha é bem mequetrefe - eu disse.

_Com licença - disse a moça se levantando em busca de outro lugar.

O sujeito, que devia ter uns trinta anos, ficou falando sozinho por alguns segundos.

_Mas é verdade. As pessoas se esquecem depressa demais - ele disse ao meu lado.

Voltei para Argo. Acho que o filme será um grande sucesso. Lá fora caía uma chuva torrencial, dava para escutar o forte barulho do aguaceiro. Quando fui atendido, a mulher não exigiu cópia autenticada da identidade. Um avanço, sem sombra de dúvida. Entretanto, sem sequer ter olhado para qualquer das folhas que eu apresentava, a atendente disse que certamente meu pedido de cancelamento da multa seria indeferido.

_In-de-fe-ri-do! - ela disse, enquanto sublinhava cada sílaba com uma carimbada nas folhas do meu requerimento.

Fiquei perplexo, é óbvio. Olhei para o lado e lá estava a moça das cópias de identidade autenticadas. Ela me olhava com um sorriso superior estampado no rosto e certamente deve ter ouvido a atendente dizer que o meu requerimento seria indeferido. Mas nem mesmo ela poderia ter imaginado que as cópias mequetrefes eram tão burocraticamente desprezíveis.



domingo, 18 de novembro de 2012

As jabuticabas estão quase no fim


Meu amigo Velho Tom perguntou outro dia como estavam as jabuticabas, mas estive enrolado com uma série de pequenos reparos na casa e acabei me esquecendo de responder. Choveu forte ainda na metade da semana passada e tive que secar o sótão duas vezes. Acho que terei que aplicar uma nova camada de impermeabilizante na parte de cima da casa. Algumas telhas de barro não suportam a variação de temperatura nessa época, o frio intenso e úmido das madrugadas e o sol forte e seco do meio-dia. As mais frágeis trincam. O processo se repete várias vezes e as telhas acabam com rachaduras. Na sequência, uma chuva forte completa o processo e as telhas se quebram. E basta uma telha quebrada durante uma chuvarada para que o sótão se inunde e a água comece a se infiltrar para o teto da minha sala, do escritório e de outros locais da casa. O trabalho não é complicado, mas exige tempo para ser feito. A aplicação do produto é simples, só preciso que tudo esteja limpo no local. Isso é super chato de se fazer porque o teto é baixo e não suporto ficar muito tempo curvado. Mas agora não posso mais postergar a limpeza, dessa semana não passa.

Como esperado, a jabuticabeira não produziu tanto quanto no ano passado, mas mesmo assim enchemos alguns baldes. Agora está quase no fim, só sobraram as que ficam em lugares muito altos. Estranhamente, apesar das caras idiotas de felicidade que eu e minha mulher fazemos comendo jabuticabas, as crianças não ligam a mínima para elas. E também não se importam com cajus, abacates, jambos, jacas, romãs, amoras, goiabas, mangas, mexericas, laranjas, cajás, acerolas, ameixas, caquis e figos que despencam das árvores no quintal dos avós. Meu filho só gosta de maçãs e peras. Minha filha só come bananas.

Tentei convencê-los a experimentar coisas novas. Eu disse que minha mãe colocava o chinelo em cima da mesa e bastava isso para me convencer a experimentar o máximo de coisas novas que eu pudesse.

_Mas pai, nós somos diferentes, isso não funcionar.

Então eu falei sobre o Tio Moa.

_O Tio Moa está chegando aos 50 e só come arroz, feijão, batata frita e bife sem cebola. Alguém já viu ele comer outra coisa? Não! Nunca! Jamais! Porque ele, desde menino nunca quis experimentar mais nada. A mãe dele, a Dona Cândida, vivia fazendo promessa pra ele experimentar outra coisa, comer um tomate, macarrão, xuxu, abobrinha, frango. Mas nada. O Tio Moa só queria saber de fritas e bife, arroz e feijão. Um dia, depois de uma novena inteira e de rezar duas semanas ajoelhada em cima de milho, a D. Cândida resolveu que era hora de apelar. Ela encheu o prato do Tio Moa de alface, cenoura, tomate, cebola, agrião, rúcula, azeitona e disse que enquanto ele não comesse tudo o que tinha no prato não poderia se levantar. As horas foram passando, passando, passando e nada do Tio Moa experimentar o que tinha no prato. Então a D. Cândida pegou a salada do prato do Tio Moa, colocou no liquidificador com meio copo dágua e bateu tudo até transformar a salada em suco. E o Tio Moa só teve permissão para se levantar depois de ter tomado aquele copão de salada suco. Isso durou um tempão. Todos os dias a D. Cândida...

_Mas pai, isso não adiantou, o Tio Moa não come salada até hoje!

_Mas vocês são diferentes, talvez valha a pena experimentar...

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Olavo de Carvalho em grande artigo

Olavo de Carvalho tenta explicar a explosão da violência no ótimo artigo Regra Geral. Leia trecho abaixo:

(...)Não havendo nenhuma "classe revolucionária" pura e pronta, o remédio é tentar formar uma juntando grupos heterogêneos, movidos por insatisfações diversas. Daí por diante, quaisquer motivos de queixa, por mais subjetivos, doidos ou conflitantes entre si, passarão a ser aproveitados como fermentos do espírito revolucionário.

O preço é a dissolução completa da unidade teórica do movimento, obrigado a acolher em seu seio os interesses mais variados e mutuamente incompatíveis. Narcotraficantes sedentos de riqueza e poder, ladrões, assassinos e estelionatários revoltados contra o sistema penal, milionários ávidos de um prestígio político (ou até intelectual) à altura da sua conta bancária, professores medíocres ansiosos para tornar-se guias morais da multidão, donas de casa pequeno-burguesas insatisfeitas com a rotina doméstica, estudantes e pequenos intelectuais indignados com a sociedade que não recompensa os seus méritos imaginários, imigrantes recém-chegados que exigem seu quinhão de uma riqueza que não ajudaram a construir, pessoas inconformadas com o sexo em que nasceram – todos agora marcham lado a lado com lavradores expulsos de suas terras, pais de família desempregados e minorias raciais discriminadas, misturando numa pasta confusa e explosiva os danos reais e supostos, objetivos e subjetivos, que todos acreditam ter sofrido, e lançando as culpas num alvo tão onipresente quanto impalpável: o "sistema" ou "a sociedade injusta".(...)

domingo, 11 de novembro de 2012

sábado, 3 de novembro de 2012

Manutenção à vista



Odetta - Hit Or Miss

Os últimos apagões detonaram com o alarme e o porteiro eletrônico da casa. À noite, tiro os equipamentos da tomada. Aproveito um pouco da água da chuva na piscina. Mas chouveu demais e na noite de quarta para quinta-feira a piscina transbordou. O piscineiro joga muita água fora, então na sexta tudo já estava normal. Mas de ontem para hoje voltou a chover muito e a piscina voltou a transbordar. Fiz um pequeno sifão para deixá-la com o nível da água três dedos abaixo da borda. Fiz uma pequena vistoria na casa e descobri cinco telhas partidas. O porteiro eletrônico entrou em curto circuito e tive que desligá-lo. Acho que o problema não foi só a chuva. Já ouvi histórias fantásticas de problemas com o porteiro eletrônico. Um vizinho ficou com o dele sem funcionar e sem perspectiva de conserto por alguns dias. Até que um técnico resolveu trocar todos os cabos. Descobriu uma pequena largatixa eletrocutada num dos cabos elétricos. Um outro teve problemas porque as formigas construíram parte do ninho num dos tubos. O ácido fórmico derreteu a proteção e o sistema entrou em curto. No meu caso, estou apostando numa combinação de muita chuva com formiga e largatixa eletrocutada. A temporada de manutenção recomeça na próxima semana.

Frase do dia