quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
Mais reflexões tardias sobre o Super-Homem
BO DIDDLEY 1965
Ninguém tem a menor noção do que era o interior do Brasil no início dos anos 70, nem mesmo eu, que vivi por lá. Nós vínhamos de uma pequena cidade do interior, com trinta mil habitantes. Lá havia luz, água tratada, asfalto, telefone, rádio e tv. Era uma verdadeira metrópole perto dessa minúscula cidade na beira do rio, onde meu pai foi ser juiz. Nós saímos do interior para os cafundós do Judas, interiorzão mesmo. Era uma cidadezinha de cinco mil habitantes, se tanto. Havia o rio, ruas largas de cascalho, uma igreja grande, um campo de futebol, a prefeitura, um campo de pouso, um fórum, uma ruazinha com um pequeno comércio(pensão, padaria, mercadinho, açougue) e só. A geladeira era a querosene. A luz era de lampiões de gás, velas e lamparinas. Uma vez apareceu um bispo na cidade, coisa rara. Minha mãe, com o sentido prático que tinha, correu com todos nós para recebermos logo a Crisma. Eu só faria o curso para confirmação do batismo uns dez anos depois. Não me lembro de jamais ter visto uma igreja tão cheia na minha vida. Soube de mulheres que haviam viajado trezentos quilômetros em lombo de burro para assistir à missa com o bispo. De tempos em tempos, não muito regulares, apareciam os caminhões com mercadorias. Eram gigantescos Fenemês, os caminhões da já falida Fábrica Nacional de Motores, que traziam geladeiras, lampiões, bicicletas, roupas, calçados, congas, ki-chutes e as tranqueiras que usávamos nas casas do interior. Era nesses caminhões que o meu pai também conseguia encontrar revistas Manchetes mais ou menos recentes e as fantásticas revistas Ebal do Tarzan, Batman, Fantasma, Zorro e Super-Homem.
Eu amava as revistas do Tarzan, mas também gostava do Super-Homem. Ali, no interior cheio de florestas e ao lado de um rio caudaloso, as aventuras do Tarzan poderiam ser mais facilmente ambientadas, era bem fácil gritar krig-ha bandolo. Com o Super-Homem era preciso usar mais imaginação. No meio da jungle brasileira, eu não conseguia imaginar direito o alien sofisticado que usava óculos, terno e gravata, trabalhava num edifício gigantesco, vivia numa cidade de concreto e estava sempre salvando pessoas em trens, aviões e automóveis. Mesmo assim, é claro, eu também tinha a fantasia de ser super ali, na beira do rio, salvando crianças do afogamento, evitando que fossem escalpeladas por motores de popa(um problema que ainda hoje aflige as crianças ribeirinhas), voando com barcos inteiros sobre os ombros, resgatando pequenos monomotores, fritando jacarés com meus raios infra-vermelhos, matando piranhas com petelecos. Mas eu achava o herói poderoso demais, invulnerável demais e, por isso mesmo, um pouco chato. Ter superforça, voar, super-sentidos, visão raio-x e soltar raios-laser pelos olhos não é pouco demais? Com certeza. Por isso, eu sempre ficava ansioso para descobrir onde e quando a kriptonita iria entrar na jogada. Sem ela, o super não tinha grandes problemas.
Não me lembro de ter voltado a prestar atenção no Super-Homem por um longo tempo, talvez até ter visto um personagem de Kill Bill do Tarantino falar sobre os alter-egos dos super-heróis, e aqui eu copio do Google: "Super-Homem não se tornou o Super-Homem. Super-Homem nasceu Super-Homem. Quando Super-Homem acorda de manhã, ele é Super-Homem. Seu alter-ego é Clark Kent. Sua roupa com o grande “S” vermelho – é feita do cobertor que estava embrulhado quando os Kent’s os encontraram, ainda bebê. Essas são as suas roupas. O que Clark Kent usa – os grandes óculos e o terno amarrotado – é o que Super-Homem usa para se misturar conosco. Clark Kent é como Super-Homem nos vê. E quais são as características de Clark Kent? Ele é fraco… ele é inseguro… ele é um covarde. Clark Kent é a crítica do Super-Homem a toda a raça humana."
É. Legal. Mas, para mim, na primeira versão moderna do Super para o cinema, com Marlon Brando no papel de pai do super-herói, a leitura foi um pouco mais atenta. A chave de tudo está naquele cobertorzinho, com o brasão S da família, que veio de Kripton com o pequeno Clark. Naquela versão, o Super não era um alien crítico e pernóstico. Era um ser carente do amor filial, tão carente que não poderia se distanciar do cobertor. Tão carente que queria ser humano e ser amado. Ou melhor, queria ter o amor da cleptomaníaca atriz que fez Lois Lane e também a primeira mulher do Indiana Jones, nem que para isso tivesse que perder os seus famigerados superpoderes. Sim, o Super nos vê como fracos, inseguros e covardes. Somos mesmo. Mas ele nos ama mesmo assim, ou pelo menos ama aquela atriz cleptomaníaca, e nos salva dos grandes vilões que assolam Metrópolis. O único problema é aquele pedacinho de meteorito verde de Kripton.
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