sábado, 29 de dezembro de 2012
Cinco cadeiras
Alabama Shakes - Be Mine
Deve ter uns dois anos que a minha mulher sempre olha o mesmo modelo de cadeira nas lojas. O preço também é sempre o mesmo. Parece que nada influi no preço dessa cadeira. Hoje, depois da feira, ela entrou decidida na loja que já havia visitado na véspera, na ante-véspera e duas semanas atrás e me chamou para olhar as cadeiras.
_São bonitas - eu disse.
_São lindas, são as minhas cadeiras - ela disse.
_Quantas você quer levar?
_Cinco.
_Ué, nós somos quatro, por que cinco cadeiras? Uma é para o Rafa?
-Não seja bobo, sempre quis ter cinco cadeiras iguais a esta.
_Faz sentido, faz sentido.
Os olhos brilhavam. Minha mulher se emociona com facilidade. Por minha vez, o simples fato de ver a minha mulher se emocionar me deixa profundamente emocionado. Por isso, o vendedor nos encontrou quase aos prantos olhando para as cadeiras.
_Posso a-judar? - ele disse, provavelmente pensando que havia interrompido uma briga de casal ou coisa parecida.
_Pode, moço, pode. Quanto custa aquela cadeira? - eu disse, com a voz embargada pela emoção.
_Essa aqui? É uma bela cadeira, o senhor e a senhora têm ótimo gosto. Esta belíssima cadeira está em promoção, deixe-me verrr, deixe-me ver, custa xxx reais - disse o vendedor.
_XXX REAIS! - eu disse, tentando esconder o pânico. Era o preço de sempre, não tem jeito.
_Mas podemos dividir em até três vezes - disse o vendedor, com um largo sorriso.
_TRÊS VEZES! - eu disse, sem esconder o desânimo.
Eu disse para a minha mulher que deveríamos pensar melhor. Então fui dar uma volta para fazer contas mentais e cutucar caixas de lojas com a ponta do pé, uma mania que desenvolvi durante anos. Nessas grandes lojas de atacadão, que também vendem no varejo, há sempre uma caixa numa prateleira qualquer que são boas de cutucar com a ponta do pé. Você cutuca e, às vezes, sai alguma coisa detrás da caixa. Pode ser um inseto, um roedor, um felino. Às vezes não sai nada, mas é possível escutar um barulho esquisito que sugere a existência de um bicho qualquer ou até mesmo de uma pessoa, se o lugar for bem estranho. Bom, mas nessa loja eu cutuquei um monte de caixa e nada, nada, nada aconteceu. Tirando uma vendedora que me pediu com toda delicadeza para que eu parasse de dar chutinhos nas caixas, não aconteceu nada.
_Tudo bem, eu paro. Mas não estou dando chutinhos. São cutucadas com a ponta do pé.
_Acho bom o senhor parar de cutucar senão eu vou chamar o segurança para cutucá-lo para fora - disse a vendedora.
Quando eu reencontrei minha mulher, ela estava com o maior sorriso que eu vi no rosto dela nos últimos dois anos. As cadeiras eram nossas, ela disse. E em dez vezes sem juros, no cartão.
_Nossa, deve ter sido uma negociação muito difícil - eu disse.
_Nem queira saber - ela disse.
_E quando eles vão entregar? - eu disse.
_Como assim? Nós vamos levar agora, no carro.
_Mas meu amor, acabamos de fazer a feira. O carro está cheio de frutas e legumes, sem contar os dois vasos com orquídeas que ocupam o banco traseiro. Não dá para levar cinco cadeiras, nem amarrado!
_Nem pense em deixar as cadeiras aqui. Eu levei dois anos para comprar essas cadeiras e vou levá-las agora. Now. Nesse instante.
Pedi licença para cutucar mais algumas caixas, coisa que me ajuda a pensar melhor, não sei porque. Fui cutucando, cutucando, até que encontrei uma caixinha pequena, um pouco mais alta. Nessa, ao invés de uma cutucada com a ponta do pé, eu dei um peteleco bem dado, tec. Um pássaro, ou morcego, sei lá, voou dali feito um torpedo e eu quase caí de costas. Então eu corri para a minha mulher. Eu já sabia como faríamos o transporte.
_Vamos levar por cima, no teto, amarradas.
E foi assim, ó minha querida kombi de leitores, que nós voltamos da feira com cinco cadeiras amarradas sobre o teto do carro. Devia ter tirado uma foto.
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