quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Intelectuais


Houve uma época em que eu acreditava que poderia ser um intelectual. Isso já passou, juro. E durante esse período, que durou dos meus vinte anos até mais ou menos as quatro da tarde do último dia da semana passada, eu acreditava que uma das melhores maneiras de se convencer alguém sobre a minha legítima intelectualidade era a citação de frases ou acontecimentos sobre pessoas indubitavelmente reconhecidas como intelectuais. Isso parece simples, mas não é.

Sendo brasileiro, citar pessoas começa com um problemão logo de cara. Nossos intelectuais contam-se entre os dedos de um maneta de três dígitos, então fica difícil pacas fazer citações de frases sem ser extremamente repetitivo. Além disso, como já disse um desses intelectuais, sucesso no Brasil é agressão pessoal. Então mesmo se o cara for um gênio reconhecido e coisa e tal, quase sempre não se levanta a bola do citado e se abre aspas para uma tal de “voz corrente”.

_Toda unanimidade é burra!

_Boa, muito bacana. É do Nelson Gonçalves?(Sim, alguém sempre confunde o escritor com o cantor).

_Não, é “voz corrente”. E Gonçalves era o cantor. O escritor era o Rodrigues.

_Aff.

Além do estoque limitadíssimo de unanimidades intelectuais, nós também temos sérios problemas de reconhecimento de autoria e confusão total de nomes, prenomes, bairros e localização geográfica. Por isso, eu achava que poderia quebrar o galho citando celebridades nacionais de áreas menos acadêmicas, como os humoristas Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Tirante o primeiro, que já não cito há quase uma semana, os outros não têm sobrenome, ninguém sabe onde nasceram e eram parecidos com as pessoas que encontrávamos em cada esquina. Dentre esses quatro, aliás, o meu preferido sempre foi o Mussum, ou o velho e bom Mussa.

Durante anos citei o Mussa durante as reuniões de amigos e até mesmo em ambientes profissionais. Uma vez até me passou pela cabeça que talvez por isso tenha sido demitido tantas vezes. Mas depois pensei melhor, é claro que não foi por causa do Mussa. Afinal de contas, todo mundo toma suco de cevadis. Todo mundo se pirulita quando pode. E todo mundo fala “é nú forevis” quando percebe que a coisa está preta para o seu lado e não adianta encostar na parede.

Então, apesar de todas as dificuldades, eu estava decidido a continuar sendo um intelectual com citações de pesos pesados como Maguila, Wando, Neguinho da Beija-Flor e Odair José até que encontrei o meu amigo Cabeça no final de semana passado. Esse sim, eu pensei, é um legítimo intelectual. Perto dele sou como um verbete recém-iniciado da Wikipedia. Foi o Cabeça que me contou essa estranha história que começa no próximo parágrafo entre aspas.

“Eu já fui Alguém, assim mesmo, com A maiúsculo. Eu tinha uns dois ou três anos e ainda não me chamavam de Cabeça. Na época, não me chamavam de nada, mesmo assim eu pensava que era o centro do universo. Tudo girava em torno de mim. Todas as pessoas do mundo trabalhavam para mim. Bastava eu berrar um pouco e eu ganhava tudo o que queria. Se eu queria muito, então eu berrava muito, era simples assim. E se eu não quisesse, nada no mundo era superior à minha vontade. O problema todo é que eu não era muito de falar, eu gostava mesmo era de gritar. Isso criava muita confusão porque ninguém na verdade sabia o que é que eu queria, as pessoas tentavam adivinhar mas acabavam perdendo a paciência. Até que um dia minha Mãe, também com maiúscula, matou a charada. Ela fez como nos filmes do Tarzan. Apontou o dedo para mim e disse:
_Alguém quer mingau?
Puutz! Eu adorava mingau. E ser chamado de Alguém fez eu me sentir muito importante e reconhecido. Claro que eu queria. E minha Mãe então disse para todo mundo fazer do mesmo jeito.
_Alguém quer arroz? Mais arroz?
Puutz! Eu adorava arroz. Claro que eu queria. E aquilo se repetiu para um monte de coisas. As pessoas me viam e falavam:
_Alguém quer pudim? Alguém quer pão? Alguém quer feijão? Alguém quer?
E é claro que eu queria, pô. Até que um dia eu fiquei sozinho na sala, onde havia um aquário enorme. Meu Pai morria de ciúmes daquele aquário, eu não podia nem encostar o nariz, muito menos esconder chiclete debaixo dele. Eu tentei, mas fui pego em flagrante. Mas naquela tarde eu conseguiria. Não me lembro mais do que eu fiz, só que dei um jeito de derrubar o aquário e os peixes por toda a sala. Aquilo me deixou encharcado e desesperado, eu sabia que estava frito. Um aquário daqueles custava uma fortuna, dava um trabalho danado para cuidar e acima de tudo, meu Pai amava aqueles peixes que agora pulavam morimbundos no tapete da sala. Mesmo assim, quando ele entrou na sala, voltando do trabalho e me viu ali sentado entre os peixes, eu reuni toda a minha coragem para dizer: _Alguém fez merda! Alguém fez merda!”

Daqui por diante, portanto, só citarei o Cabeça. E Alguém.

Um comentário:

Anônimo disse...

Não era alguem. Era voce. Eu era você. O aquario fica por sua conta.
Cabeça

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