quinta-feira, 31 de março de 2011
quarta-feira, 30 de março de 2011
Intolerância
A mais recente polêmica é mais uma evidência de que a mania do politicamente correto é uma onda perigosa. Há uma enorme gritaria sem sentido, onde posições inequívocas são cobradas a respeito de sexo, raça, religião e outros temas. Sobre isso, basta olhar o globo terrestre e conferir as informações geo-políticas na Internet sobre cada país do planeta para verificar que em cada canto vigoram e preponderam interpretações e posições diferentes, que derivam em leis e comportamentos igualmente singulares e considerados normais nesses cantos.
Em outros tempos, não tão longínquos, vozes que ressaltavam o multiculturalismo, o sincretismo, a convivência e o respeito mútuo, da maioria para com as minorias e das minorias para com a maioria, sabiam se fazer ouvir. Mas hoje parece que estamos divididos demais e despudorados demais, há uma carência geral de moderados.
Existe também um apego exagerado a políticas e ações que já se mostraram nocivas em outras partes do mundo. No meio da gritaria, fica claro que a diversidade de opiniões, as nuances e particularidades que levam a formação de convicções individuais, são cada vez menos toleradas.
Não considero o deputado Jair Bolsonaro um exemplo a ser seguido, mas cassá-lo por falar bobagens e fazer declarações ofensivas a quem quer seja não purgará a imagem combalida do Congresso Nacional. Suplicy, por exemplo, vive falando bobagens e há quem o considere um insulto permanente para a seriedade do trabalho parlamentar. Uma vez alguém cogitou de cassá-lo por usar uma cueca sobre o terno, mas ninguém levou o cara a sério.
Aliás, seriedade é o que anda em falta pelo Congresso. Basta lembrar que a atual presidência do Senado é exercida pela quarta vez por um senhor que não enxergou ali nem a fantástica farra de nomeações secretas, nem a gastança exagerada de dinheiro público. Também não custa lembrar que para esse mesmo Congresso voltaram larápios e gatunos contumazes, sexistas descarados, fascistas irritantes e irritadiços, boçais e pelos menos uns 300 picaretas com anel de doutor(como já disse um ex-deputado folgazão da Constituinte que chegou a presidente).
Seja qual for o destino de Bolsonaro, são outras coisas que estão em jogo, com destaque para o sucesso da intolerância. Faltam vozes fortes e sensatas nesse congresso. Falta esteio. E pelo menos um que a gente olhe e diga que é do bem, que é um campeão moral, que é um exemplo.
Em outros tempos, não tão longínquos, vozes que ressaltavam o multiculturalismo, o sincretismo, a convivência e o respeito mútuo, da maioria para com as minorias e das minorias para com a maioria, sabiam se fazer ouvir. Mas hoje parece que estamos divididos demais e despudorados demais, há uma carência geral de moderados.
Existe também um apego exagerado a políticas e ações que já se mostraram nocivas em outras partes do mundo. No meio da gritaria, fica claro que a diversidade de opiniões, as nuances e particularidades que levam a formação de convicções individuais, são cada vez menos toleradas.
Não considero o deputado Jair Bolsonaro um exemplo a ser seguido, mas cassá-lo por falar bobagens e fazer declarações ofensivas a quem quer seja não purgará a imagem combalida do Congresso Nacional. Suplicy, por exemplo, vive falando bobagens e há quem o considere um insulto permanente para a seriedade do trabalho parlamentar. Uma vez alguém cogitou de cassá-lo por usar uma cueca sobre o terno, mas ninguém levou o cara a sério.
Aliás, seriedade é o que anda em falta pelo Congresso. Basta lembrar que a atual presidência do Senado é exercida pela quarta vez por um senhor que não enxergou ali nem a fantástica farra de nomeações secretas, nem a gastança exagerada de dinheiro público. Também não custa lembrar que para esse mesmo Congresso voltaram larápios e gatunos contumazes, sexistas descarados, fascistas irritantes e irritadiços, boçais e pelos menos uns 300 picaretas com anel de doutor(como já disse um ex-deputado folgazão da Constituinte que chegou a presidente).
Seja qual for o destino de Bolsonaro, são outras coisas que estão em jogo, com destaque para o sucesso da intolerância. Faltam vozes fortes e sensatas nesse congresso. Falta esteio. E pelo menos um que a gente olhe e diga que é do bem, que é um campeão moral, que é um exemplo.
terça-feira, 29 de março de 2011
O infindável show de calouros
Outro dia eu estava fazendo alguma coisa na reforma e comecei a devanear. Essa é uma atividade correlata ao ato de escrever. Sem devaneios, não há como rabiscar nenhum parágrafo. Os devaneios são esboços de pensamentos. Sem eles, não há raciocínio que se complete, não há idéia que se sustente.
Comecei a pensar nas coisas que sempre chamaram a atenção pública no rádio, na tv e na internet. Nessas três mídias, os programas de auditório sempre foram campeões de audiência. Com uma diferença essencial: o público de rádio e tv é informado sobre os horários em que o programa irá ao ar para ser acompanhado ao vivo; na internet, o programa está sempre disponível para que seja acompanhado quando o público desejar.
A opnda agora é que a mensagem esteja sempre disponível e possa ser acessada ao bel prazer de quem a queira. O You Tube é um dos principais canais de disponibilização dessas mensagens. E uma das partes mais interessantes(pelo menos para mim)é o infindável show de calouros oferecido pelo canal.
Existem excelentes covers publicadas no You Tube e algumas são realmente sensacionais. E há covers de tudo. De ator, de atriz, de cantor e cantora, de jogador de futebol, de mágico, de repórter, de dançarino, de imitadores de passarinho, de assoviadores, de dublês de fotógrafos, de pretensos cineastas e videomakers, de campeões de arremesso de aviões de papel, de domadores de animais, de tudo. Igualzinho a um show de calouros. O que você procurar, você acha.
E é lógico que na Internet também abundam os caras que são metidos a escrevinhadores. Caras como eu, atolados em circunlóquios ao redor do próprio umbigo, gente que faz diário, gente que ensaia um verso aqui outro acolá, semi-roteiristas, biógrafos de meia-tijela, mitômanos e mitomaníacos, cientistas de araque, críticos não reconhecidos, anônimos apócrifos, ególatras perspicazes, todos eternos calouros da arte da escrita. Gente que se acha o sal da terra e o ó do borogodó ao quadrado. Alguns com razão, outros não. Não importa. Porque, de fato, o mundo seria terrivelmente mais sem-graça sem esse desfile interminável de calouros.
Comecei a pensar nas coisas que sempre chamaram a atenção pública no rádio, na tv e na internet. Nessas três mídias, os programas de auditório sempre foram campeões de audiência. Com uma diferença essencial: o público de rádio e tv é informado sobre os horários em que o programa irá ao ar para ser acompanhado ao vivo; na internet, o programa está sempre disponível para que seja acompanhado quando o público desejar.
A opnda agora é que a mensagem esteja sempre disponível e possa ser acessada ao bel prazer de quem a queira. O You Tube é um dos principais canais de disponibilização dessas mensagens. E uma das partes mais interessantes(pelo menos para mim)é o infindável show de calouros oferecido pelo canal.
Existem excelentes covers publicadas no You Tube e algumas são realmente sensacionais. E há covers de tudo. De ator, de atriz, de cantor e cantora, de jogador de futebol, de mágico, de repórter, de dançarino, de imitadores de passarinho, de assoviadores, de dublês de fotógrafos, de pretensos cineastas e videomakers, de campeões de arremesso de aviões de papel, de domadores de animais, de tudo. Igualzinho a um show de calouros. O que você procurar, você acha.
E é lógico que na Internet também abundam os caras que são metidos a escrevinhadores. Caras como eu, atolados em circunlóquios ao redor do próprio umbigo, gente que faz diário, gente que ensaia um verso aqui outro acolá, semi-roteiristas, biógrafos de meia-tijela, mitômanos e mitomaníacos, cientistas de araque, críticos não reconhecidos, anônimos apócrifos, ególatras perspicazes, todos eternos calouros da arte da escrita. Gente que se acha o sal da terra e o ó do borogodó ao quadrado. Alguns com razão, outros não. Não importa. Porque, de fato, o mundo seria terrivelmente mais sem-graça sem esse desfile interminável de calouros.
segunda-feira, 28 de março de 2011
A revolução do Facebook e o Careca
Eu ouvi falar sobre as revoluções que o Facebook anda aprontando pelo mundo e fiquei curioso. Nossa! Eu bem que estou precisando de uma revolução, eu pensei. E entrei no facebook. Estou lá com o meu eu verdadeiro, sem a minha peruca de Careca. Estão lá um monte de amigos e conhecidos.
Achei o maior barato e também achei um monte de gente que não via há anos. O facebook parece reunião do tipo Peggy Sue. Isso é estranho. Também é Miss Corações Solitários. Achei legal. E no primeiro dia mandei uma porção de solicitações de amizade. Como recebi só um punhadinho de confirmações de amizade, percebi que não sou tão popular quanto achei que era. Eu sou muito perceptivo, né?
Como eu sou chegado em sínteses rápidas e apressadas, cheguei à conclusão de que é por isso que o Facebook anda provocando revoluções. Não é todo mundo que manda milhares de pedidos de amizade e fica numa boa depois de receber só umas três ou quatro confirmações, e todas dos parentes. Não, senhor. Não, senhora. O pior mesmo é mandar milhares de pedidos e nem os parentes responderem. Isso pode ter acontecido com o Mubarak, por exemplo. Ou com o Gadhaffi. Ouvi dizer que os dois têm famílias grandes e pode ser que mesmo alguns dos filhos prediletos não tenham respondido à solicitação de amizade. De tanta raiva, eles começaram a perseguir os "brimos", ou "primos", como se diz. E em algum momento a coisa fugiu ao controle.
Acho que isso tem um fundo falso de verdade. Por isso eu queria ver um documentário, uma prova, uma testemunha crível sobre os efeitos revolucionários do Facebook. E nem precisava ser do Egito ou da Líbia. Eu me contentaria mesmo se fosse um efeitozinho revolucionário daqui mesmo, do Brasil, do Distrito Federal.
Sim, porque um monte de gente disse aqui e acolá que o Facebook foi muito usado pela juventude, que percebeu que não tinha oportunidades, não tinha futuro e saiu facebookando por lá até encher as praças e derrubar as ditaduras. Aqui não tem ditadura, mas a juventude sem oportunidades e sem futuro daqui bem que poderia facebookar e derrubar um ministro ou dois, só para testar a ferramenta.
Pensando bem, isso não daria certo. Tenho lido sobre a fritura de alguns ministros nos jornais. Muitos são queimados e recebem sovas humilhantes diariamente mas não largam o osso. Não caem nem se a juventude acertar um facebook direto no queixo do indivíduo. Além disso, com um ministério tão grande, se um ministro cair a gente vai demorar a perceber.
Achei o maior barato e também achei um monte de gente que não via há anos. O facebook parece reunião do tipo Peggy Sue. Isso é estranho. Também é Miss Corações Solitários. Achei legal. E no primeiro dia mandei uma porção de solicitações de amizade. Como recebi só um punhadinho de confirmações de amizade, percebi que não sou tão popular quanto achei que era. Eu sou muito perceptivo, né?
Como eu sou chegado em sínteses rápidas e apressadas, cheguei à conclusão de que é por isso que o Facebook anda provocando revoluções. Não é todo mundo que manda milhares de pedidos de amizade e fica numa boa depois de receber só umas três ou quatro confirmações, e todas dos parentes. Não, senhor. Não, senhora. O pior mesmo é mandar milhares de pedidos e nem os parentes responderem. Isso pode ter acontecido com o Mubarak, por exemplo. Ou com o Gadhaffi. Ouvi dizer que os dois têm famílias grandes e pode ser que mesmo alguns dos filhos prediletos não tenham respondido à solicitação de amizade. De tanta raiva, eles começaram a perseguir os "brimos", ou "primos", como se diz. E em algum momento a coisa fugiu ao controle.
Acho que isso tem um fundo falso de verdade. Por isso eu queria ver um documentário, uma prova, uma testemunha crível sobre os efeitos revolucionários do Facebook. E nem precisava ser do Egito ou da Líbia. Eu me contentaria mesmo se fosse um efeitozinho revolucionário daqui mesmo, do Brasil, do Distrito Federal.
Sim, porque um monte de gente disse aqui e acolá que o Facebook foi muito usado pela juventude, que percebeu que não tinha oportunidades, não tinha futuro e saiu facebookando por lá até encher as praças e derrubar as ditaduras. Aqui não tem ditadura, mas a juventude sem oportunidades e sem futuro daqui bem que poderia facebookar e derrubar um ministro ou dois, só para testar a ferramenta.
Pensando bem, isso não daria certo. Tenho lido sobre a fritura de alguns ministros nos jornais. Muitos são queimados e recebem sovas humilhantes diariamente mas não largam o osso. Não caem nem se a juventude acertar um facebook direto no queixo do indivíduo. Além disso, com um ministério tão grande, se um ministro cair a gente vai demorar a perceber.
sábado, 26 de março de 2011
Brava gente criativa
Eu olho para qualquer lado e lá estão elas, as pessoas criativas. Cacilda, como tem gente criativa nessa cidade! E algumas têm solução para tudo, fico de queixo caído. Naturalmente, essas pessoas criativas com solução para tudo merecem ficar numa categoria à parte, em destaque. Sobre elas falarei depois. Primeiro as mais pebas, as pessoas "só" criativas.
A criatividade, como qualquer pessoa que assiste o Discovery sabe, é um vírus. Ela circula por aí, virulentando aqui, virulentando acolá, até que gruda num ser humano. Uma vez contaminada, essa pessoa começa a se achar o ó do borogodó e outros seres que estiverem por perto que se cuidem. Os sintomas da criatividade são bem diferentes de uma gripe no que se refere à pessoa contaminada, mas são exatamente os mesmos em relação às outras pessoas que estão em volta. Ou seja, quando estamos ao lado de uma pessoa tomada pela síndrome virótica da criatividade ficamos morrendo de medo de que ela espirre alguma coisa em cima da gente. Ou peça um lenço. Ou fique fungando e passe o vírus pra gente.
Nem todas as pessoas criativas fungam, é verdade, mas um monte delas faz isso enquanto perguntam a nossa opinião sobre alguma coisa que fizeram.
_O que você acha dessa arandela que fiz com palitos de picolé?
_Gostou desse porta-retratos de gesso que fiz?
Outras pessoas criativas dão um jeito de colocar a pergunta que querem fazer em nossas bocas. Não me perguntem como conseguem isso, certamente é obra do vírus.
_Caramba, a maneira como a luz do sol incide sobre aquela orquídea é perfeita. Como você conseguiu fazer esse arranjo?
_Puxa vida, aquilo ali não é lata de aerossol? Eu sempre achei muito careta aquela recomendação para não reutilizar a lata.
Bom, pelo menos comigo é assim, tem gente que acha que é imune e não se preocupa com a coisa. Eu não, eu já tive esse vírus e observo com horror e cautela as pessoas criativas que se aproximam. Todas elas, inclusive as pessoas criativas que têm solução e resposta para tudo, me deixam ressabiado, com a sensação de ter sido escaldado e com dor no fígado.
Veja bem, não tenho nada contra pessoas criativas, seria o mesmo que ter horror a pessoas gripadas. Mas não quero ser contaminado. E da mesma maneira que não posso fazer nada contra o vírus da gripe, também acho que difícil conter a criatividade sem uma coisa parecida com uma quarentena. Aliás, minha receita particular contra a criatividade também vale contra a gripe: vitamina c(caipirinha de limão com mel) e cama.
O problema é que está cheio de pessoas assim. Sério. Elas estão por toda parte. Na fila do banco, no supermercado, no táxi, na saída da escola, na TV, no parquinho olhando as crianças. E eu tenho escutado de muitas delas as sugestões criativas para solucionar os problemas de educação, segurança, saúde, infra-estrutura, da água no etanol e até da sucessão na Vale do Rio Doce.
_Se é pra acabar, bota o Adriano no lugar - disse uma pessoa criativa.
Bom, talvez não seja mesmo um problema ter tanta gente criativa por aí. Mas solução não é.
A criatividade, como qualquer pessoa que assiste o Discovery sabe, é um vírus. Ela circula por aí, virulentando aqui, virulentando acolá, até que gruda num ser humano. Uma vez contaminada, essa pessoa começa a se achar o ó do borogodó e outros seres que estiverem por perto que se cuidem. Os sintomas da criatividade são bem diferentes de uma gripe no que se refere à pessoa contaminada, mas são exatamente os mesmos em relação às outras pessoas que estão em volta. Ou seja, quando estamos ao lado de uma pessoa tomada pela síndrome virótica da criatividade ficamos morrendo de medo de que ela espirre alguma coisa em cima da gente. Ou peça um lenço. Ou fique fungando e passe o vírus pra gente.
Nem todas as pessoas criativas fungam, é verdade, mas um monte delas faz isso enquanto perguntam a nossa opinião sobre alguma coisa que fizeram.
_O que você acha dessa arandela que fiz com palitos de picolé?
_Gostou desse porta-retratos de gesso que fiz?
Outras pessoas criativas dão um jeito de colocar a pergunta que querem fazer em nossas bocas. Não me perguntem como conseguem isso, certamente é obra do vírus.
_Caramba, a maneira como a luz do sol incide sobre aquela orquídea é perfeita. Como você conseguiu fazer esse arranjo?
_Puxa vida, aquilo ali não é lata de aerossol? Eu sempre achei muito careta aquela recomendação para não reutilizar a lata.
Bom, pelo menos comigo é assim, tem gente que acha que é imune e não se preocupa com a coisa. Eu não, eu já tive esse vírus e observo com horror e cautela as pessoas criativas que se aproximam. Todas elas, inclusive as pessoas criativas que têm solução e resposta para tudo, me deixam ressabiado, com a sensação de ter sido escaldado e com dor no fígado.
Veja bem, não tenho nada contra pessoas criativas, seria o mesmo que ter horror a pessoas gripadas. Mas não quero ser contaminado. E da mesma maneira que não posso fazer nada contra o vírus da gripe, também acho que difícil conter a criatividade sem uma coisa parecida com uma quarentena. Aliás, minha receita particular contra a criatividade também vale contra a gripe: vitamina c(caipirinha de limão com mel) e cama.
O problema é que está cheio de pessoas assim. Sério. Elas estão por toda parte. Na fila do banco, no supermercado, no táxi, na saída da escola, na TV, no parquinho olhando as crianças. E eu tenho escutado de muitas delas as sugestões criativas para solucionar os problemas de educação, segurança, saúde, infra-estrutura, da água no etanol e até da sucessão na Vale do Rio Doce.
_Se é pra acabar, bota o Adriano no lugar - disse uma pessoa criativa.
Bom, talvez não seja mesmo um problema ter tanta gente criativa por aí. Mas solução não é.
sexta-feira, 25 de março de 2011
Vinagre e sal
A base da unha do meu polegar direito está preta. No meio da semana, ao fechar uma porta de ferro prendi meu dedo. A pesada porta da garagem, na casa do meu pai, bateu nessa base de unha. Doeu um bocado. Minha mãe correu a me ajudar com um remédio dos tempos de criança. Enrolou meu dedo machucado em algodão cheio de vinagre e sal, uma gaze e esparadrapo. A dor sumiu na hora. O remédio curativo é milagroso. Carinho de mãe também.
_Vocês adoravam esse curativo. Ele sempre fez sucesso porque vocês gostavam de lamber o sal com vinagre - disse a minha mãe.
_Eu lembro bem - eu disse.
Fui xeretar na reforma, ver o serviço dos caras. Os progressos são lentos. Tudo precisa ser conferido e reconferido. Mesmo assim, as coisas não são feitas corretamente. Improvisa-se o tempo inteiro e muitos erros são cometidos. Desperdiça-se muito. Não há a menor preocupação em se fazer um serviço limpo e organizado. Tudo é estabanado. As embalagens das coisas são atiradas ao chão, o lixo só é recolhido se há uma ordem direta para isso. Mas a limpeza é feita em ritmo lento, atrasando o trabalho. Decidi manter a casa limpa, custe o que custar. Mesmo que isso implique em fazer uma faxina assim que o último dos operários deixa a casa.
No frenesi da limpeza, acabei topando com o polegar machucado. Minha mãe renovou o curativo, com mais vinagre e sal.
_Não vá lamber o sal, hem - ela disse.
_Bem que eu queria, mas preciso diminuir o açúcar e o sal - eu disse.
Se algumas coisas têm sabor de infância, então a minha infância tem sabor de vinagre e sal.
Não. Isso é um exagero.
Voltei à obra e consegui deixar as coisas um pouco mais limpas.
Mas depois me esqueci de lamber o sal com vinagre do meu dedo. No dia seguinte já podia usar o dedo sem sentir nenhuma dor.
_Vocês adoravam esse curativo. Ele sempre fez sucesso porque vocês gostavam de lamber o sal com vinagre - disse a minha mãe.
_Eu lembro bem - eu disse.
Fui xeretar na reforma, ver o serviço dos caras. Os progressos são lentos. Tudo precisa ser conferido e reconferido. Mesmo assim, as coisas não são feitas corretamente. Improvisa-se o tempo inteiro e muitos erros são cometidos. Desperdiça-se muito. Não há a menor preocupação em se fazer um serviço limpo e organizado. Tudo é estabanado. As embalagens das coisas são atiradas ao chão, o lixo só é recolhido se há uma ordem direta para isso. Mas a limpeza é feita em ritmo lento, atrasando o trabalho. Decidi manter a casa limpa, custe o que custar. Mesmo que isso implique em fazer uma faxina assim que o último dos operários deixa a casa.
No frenesi da limpeza, acabei topando com o polegar machucado. Minha mãe renovou o curativo, com mais vinagre e sal.
_Não vá lamber o sal, hem - ela disse.
_Bem que eu queria, mas preciso diminuir o açúcar e o sal - eu disse.
Se algumas coisas têm sabor de infância, então a minha infância tem sabor de vinagre e sal.
Não. Isso é um exagero.
Voltei à obra e consegui deixar as coisas um pouco mais limpas.
Mas depois me esqueci de lamber o sal com vinagre do meu dedo. No dia seguinte já podia usar o dedo sem sentir nenhuma dor.
quinta-feira, 24 de março de 2011
Equilíbrio no desligamento
A sensação de culpa é uma constante depois que você recebe a notícia do seu desligamento imediato. Para evitá-la, uma boa medida é arrumar alguma coisa de boa a fazer com o seu tempo livre. E depois que você não tem mais emprego, tempo livre é uma coisa que começa a sobrar. Mas cuidado. É importante não arrumar atividades demais e nem de menos. O desemprego exige equilíbrio.
Eu tenho feito essa coleção de revistas sobre trabalhos com madeira já faz um bom tempo. Li um bocado e aprendi a fazer algumas coisas. Nada muito complicado. Aliás, tudo extremamente simples e básico. Espero reservar algum espaço na minha agenda para essa marcenaria, a partir da segunda quinzena de abril. Já tenho em mente alguns bancos para uma mesa rústica, para a área externa.
Outros projetos são mais complexos. Exigirão mais experiência e habilidade. Os projetos de que mais gosto não exigem pregos e nem parafusos. São todos móveis de encaixe e cole. Pretendo fazer as coisas que quero fazer sem pressa, um projeto de cada vez, utilizando ferramentas manuais. Não se trata de preciosismo, mas de economia pós-desligamento e prudência.
O trabalho manual, assim como a atividade física, o desenho e as aquarelas, me ajudam a devanear e a liberar a imaginação. Máquinas e equipamentos elétricos exigem uma concentração maior no trabalho para evitar acidentes. Além disso, fazem muito mais barulho.
Eu tenho feito essa coleção de revistas sobre trabalhos com madeira já faz um bom tempo. Li um bocado e aprendi a fazer algumas coisas. Nada muito complicado. Aliás, tudo extremamente simples e básico. Espero reservar algum espaço na minha agenda para essa marcenaria, a partir da segunda quinzena de abril. Já tenho em mente alguns bancos para uma mesa rústica, para a área externa.
Outros projetos são mais complexos. Exigirão mais experiência e habilidade. Os projetos de que mais gosto não exigem pregos e nem parafusos. São todos móveis de encaixe e cole. Pretendo fazer as coisas que quero fazer sem pressa, um projeto de cada vez, utilizando ferramentas manuais. Não se trata de preciosismo, mas de economia pós-desligamento e prudência.
O trabalho manual, assim como a atividade física, o desenho e as aquarelas, me ajudam a devanear e a liberar a imaginação. Máquinas e equipamentos elétricos exigem uma concentração maior no trabalho para evitar acidentes. Além disso, fazem muito mais barulho.
quarta-feira, 23 de março de 2011
Senhorita Pig
Na minha quadra tinha um garoto muito forte e gordinho. Ele era mau e cruel. Eu e o Jô tínhamos um pacto silencioso contra esse cara. O Jô era tão baixinho quanto eu. Se um dos dois era agredido, o outro entrava em sua defesa. O gordinho não aguentava o ataque da dupla. Em geral, evitávamos ficar sozinhos com ele.
O nome desse menino era Alexandre. Tinha dois apelidos. Xandi e Senhorita Pig. Xandi era o apelido dos momentos em que o gordinho agia como um ser humano cordial e sensato. Senhorita Pig era usado quando ele se comportava mal. Eu e o Jô quando estávamos juntos só o chamávamos de Senhorita Pig, ou Pig, é claro.
O apelido do gordinho tinha vindo direto do Muppet Show. O menino era lourinho e também tinha grandes olhos azuis, como a boneca que amava o Sapo Caco. Mas as semelhanças acabavam por aí.
No programa da TV, a Senhorita Pig era uma porquinha amável, sentimental como todos os bonecos do show. Pig se considerava muito talentosa, mas é lógico que nenhum dos bonecos achava a mesma coisa. A maior parte deles considerava Pig apenas como uma porquinha metida a superstar. Creio que o sapo Caco, apresentador e anfitrião do show, a respeitava como cantora, mas a considerava péssima atriz.
Na vida real, Pig era um menino perverso, antipático, e não tinha nada de amável. Era o mais novo de quatro irmãos. Tinha uma irmã mais velha bonitona e dois irmãos que eram igualmente cruéis e malvados. Ninguém mexia com nenhum deles. Eram brigões e batiam pra valer.
Graças ao Pig eu cresci sem formar na cabeça os estereótipos rotineiramente relacionados aos gordinhos. Ou seja, quando vejo um cara gordo não imagino que ali haja um cara feliz, extrovertido, bem humorado e engraçado. Talvez até eu tenha crescido com estereótipos invertidos. Em geral, talvez eu seja mais cauteloso com os caras gordos. Talvez tenha medo de levar porrada.
Um dia encontrei o Jô e ele me disse que o Pig havia se tornado um policial.
O nome desse menino era Alexandre. Tinha dois apelidos. Xandi e Senhorita Pig. Xandi era o apelido dos momentos em que o gordinho agia como um ser humano cordial e sensato. Senhorita Pig era usado quando ele se comportava mal. Eu e o Jô quando estávamos juntos só o chamávamos de Senhorita Pig, ou Pig, é claro.
O apelido do gordinho tinha vindo direto do Muppet Show. O menino era lourinho e também tinha grandes olhos azuis, como a boneca que amava o Sapo Caco. Mas as semelhanças acabavam por aí.
No programa da TV, a Senhorita Pig era uma porquinha amável, sentimental como todos os bonecos do show. Pig se considerava muito talentosa, mas é lógico que nenhum dos bonecos achava a mesma coisa. A maior parte deles considerava Pig apenas como uma porquinha metida a superstar. Creio que o sapo Caco, apresentador e anfitrião do show, a respeitava como cantora, mas a considerava péssima atriz.
Na vida real, Pig era um menino perverso, antipático, e não tinha nada de amável. Era o mais novo de quatro irmãos. Tinha uma irmã mais velha bonitona e dois irmãos que eram igualmente cruéis e malvados. Ninguém mexia com nenhum deles. Eram brigões e batiam pra valer.
Graças ao Pig eu cresci sem formar na cabeça os estereótipos rotineiramente relacionados aos gordinhos. Ou seja, quando vejo um cara gordo não imagino que ali haja um cara feliz, extrovertido, bem humorado e engraçado. Talvez até eu tenha crescido com estereótipos invertidos. Em geral, talvez eu seja mais cauteloso com os caras gordos. Talvez tenha medo de levar porrada.
Um dia encontrei o Jô e ele me disse que o Pig havia se tornado um policial.
terça-feira, 22 de março de 2011
Eu respeito plástico
Está chovendo um bocado neste mês de março. Isso é bom, mas também atrapalha. Principalmente se você estiver cuidando de uma reforma e precisa de tempo bom, com sol. É o meu caso. Nós resolvemos colocar um flutuante no piso, mas todo dia vem uma chuvinha e atrapalha os planos. Além do piso, é preciso trocar o revestimento de madeira das portas, e é isso que atrapalha tudo. Sem sol, essa nova cobertura não seca direito, forma bolhas e encaroça, fica ruim pacas. É trabalho perdido e dinheiro jogado fora. Coloquei na minha cabeça que é preciso trocar o revestimento dos portais antes de colocar o piso.
_Acho que você está com ciúmes do piso novo - disse a minha mulher.
_Ciúmes, nada. Estou com medo de que estraguem esse piso logo depois de colocado - eu disse.
_Isso não vai acontecer, é só proteger o piso - ela disse.
_A única proteção contra aquelas botinas dos caras da obra é a levitação. Mesmo assim, teríamos que repintar tudo - eu disse.
_Que exagero.
_Exagero, nada. Acontece que eu respeito madeira - eu disse.
_Você ouviu essa frase numa comédia americana - disse a minha mulher.
_É uma frase totalmente adequada para esse momento crucial das nossas vidas - eu disse.
_O flutuante, de qualquer jeito, não é de madeira - ela disse.
_Não é madeira?!!
_Não, é um tipo de plástico - ela disse.
_Eu também respeito plástico, oras.
_Acho que você está com ciúmes do piso novo - disse a minha mulher.
_Ciúmes, nada. Estou com medo de que estraguem esse piso logo depois de colocado - eu disse.
_Isso não vai acontecer, é só proteger o piso - ela disse.
_A única proteção contra aquelas botinas dos caras da obra é a levitação. Mesmo assim, teríamos que repintar tudo - eu disse.
_Que exagero.
_Exagero, nada. Acontece que eu respeito madeira - eu disse.
_Você ouviu essa frase numa comédia americana - disse a minha mulher.
_É uma frase totalmente adequada para esse momento crucial das nossas vidas - eu disse.
_O flutuante, de qualquer jeito, não é de madeira - ela disse.
_Não é madeira?!!
_Não, é um tipo de plástico - ela disse.
_Eu também respeito plástico, oras.
segunda-feira, 21 de março de 2011
Rafa esteve aqui e ali
Estamos os quatro dentro do carro. Eu, minha mulher, a menina e o menino. As crianças estão conversando no banco de trás. Estamos voltando de algum lugar.
_Pai, os tigres riscam um xis com as garras na árvore em que fazem xixi?
_Não, acho que não - eu disse.
_Isso é um jogo, filho. Tigres não sabem fazer xis e nem escrever - diz a minha mulher.
_O Haroldo sabe - diz a minha filha.
_Tigres fazem como os cachorros, eu acho. O xixi é só para marcar território. Com os tigres é quase a mesma coisa. Tigre faz xixi e é como se dissesse que é ele que manda ali. Essa floresta é do tigre. Cuidado, ese tigre é muito mau. Os bichos cheiram e pensam logo em salvar a própria pele.
_Mas o Rafa é um cãozinho bonzinho, paiê. Ele não diz essas coisas com o xixi.
_Você tem razão, filha. O Rafa nem é de latir muito. Acho que o máximo que ele diz com o xixi é oi, eu sou o Rafa. Ele anda mais um pouco, faz um tiquinho de xixi, o Rafa esteve aqui, aí, de novo, xiiiii, o Rafa esteve aqui.
_O Rafa esteve aqui, o Rafa esteve aqui, o Rafa esteve aqui, o Rafa esteve aqui...
_Ok, vou ter que lavar o carro.
_Pai, os tigres riscam um xis com as garras na árvore em que fazem xixi?
_Não, acho que não - eu disse.
_Isso é um jogo, filho. Tigres não sabem fazer xis e nem escrever - diz a minha mulher.
_O Haroldo sabe - diz a minha filha.
_Tigres fazem como os cachorros, eu acho. O xixi é só para marcar território. Com os tigres é quase a mesma coisa. Tigre faz xixi e é como se dissesse que é ele que manda ali. Essa floresta é do tigre. Cuidado, ese tigre é muito mau. Os bichos cheiram e pensam logo em salvar a própria pele.
_Mas o Rafa é um cãozinho bonzinho, paiê. Ele não diz essas coisas com o xixi.
_Você tem razão, filha. O Rafa nem é de latir muito. Acho que o máximo que ele diz com o xixi é oi, eu sou o Rafa. Ele anda mais um pouco, faz um tiquinho de xixi, o Rafa esteve aqui, aí, de novo, xiiiii, o Rafa esteve aqui.
_O Rafa esteve aqui, o Rafa esteve aqui, o Rafa esteve aqui, o Rafa esteve aqui...
_Ok, vou ter que lavar o carro.
domingo, 20 de março de 2011
The Liberators - Let it go
Mais um disco que vale a pena procurar e comprar.
Os últimos dias têm sido muito atribulados em função de coisas a resolver, o que prejudica a concentração para leitura e escrita. Mesmo assim, tenho ficado sentado algumas horas todos os dias em frente ao computador, mesmo que não consiga escrever nada de interessante para mim mesmo. As coisas a resolver são da reforma e pendências trabalhistas, que só serão definitivamente concluídas no final deste mês.
Ainda que não escreva nada, o devaneio em frente à tela em branco, mas com o som ligado, é instigante para desenhar e soltar a imaginação. Tenho escutado uma variedade de discos de jazz, nem sempre agradáveis. Às vezes não quero escutar música com voz e os discos de jazz vêm mesmo a calhar. Mas já cansei de escutar aqueles discos da turma considerada mais clássica. Tenho tido alguma sorte com a vertente jazz-funk com novidades bem interessantes. Alguns discos que tenho encontrado oferecem músicas bem alegres e empolgantes, coisas bem diferentes do estilo Round Midnight que por tanto tempo foi o único tipo de jazz que eu escutei.
O jazz-funk não é be-bop, também não é uma fuga de linhas melódicas e recuperação do tipo que Miles Davis inventou e reinventou várias vezes. Jazz-funk é o jazz sem blues e sem a chatice do cada um faz o seu solo e depois a gente encerra juntos. O jazz-funk é a canção rítmica, com todo mundo junto fazendo a melodia, com poucos floreios e recheios preciosos a todo instante, com todos os instrumentos fazendo uma festa nos ouvidos da gente.
Nada de solos intermináveis. Nada de virtuosismo onanístico. É uma música mais visceral, com cada parte fazendo a sua parte, temperando com parcimônia e equilíbrio, porque depois de uma música virá outra e outra e mais outra para que você escute o disco inteiro.
sábado, 19 de março de 2011
I Fought The Law
Bobby Fuller - I fought the law
Essa é a original, do Bobby Fuller
The Clash - I Fought The Law
http://www.youtube.com/watch?v=16u0wwCfoJ4&feature=related
Essa é considerada por muitos como a melhor versão de I fought the law. Mas há quem diga que J. Cash fez melhor. Outros juram que foi o grupo Dead Kennedys(eu não acho). Ou o Green Day. Para mim, não. Essa é a melhor versão. Vi no filme Rude Boy, de 1978. Havia uma fita vhs com este filme num videolocadora perto de onde eu morava, nos tempos do segundo grau. Pela grande quantidade de músicas e trechos do filme presentes no youtube, acho que eu não sou o único cara do mundo que curtia essa e outras músicas de Rude Boy. A fita conta a história de um roadie do The Clash que monta as baterias e prepara os instrumentos dos caras em diferentes palcos onde a banda vai se apresentar. O roteiro é ruim pacas, mas as apresentações da banda são ótimas.
Há também uma versão da música em The Simpsons Season 15 Episode 2 – My Mother the Carjacker.
Essa é a original, do Bobby Fuller
The Clash - I Fought The Law
http://www.youtube.com/watch?v=16u0wwCfoJ4&feature=related
Essa é considerada por muitos como a melhor versão de I fought the law. Mas há quem diga que J. Cash fez melhor. Outros juram que foi o grupo Dead Kennedys(eu não acho). Ou o Green Day. Para mim, não. Essa é a melhor versão. Vi no filme Rude Boy, de 1978. Havia uma fita vhs com este filme num videolocadora perto de onde eu morava, nos tempos do segundo grau. Pela grande quantidade de músicas e trechos do filme presentes no youtube, acho que eu não sou o único cara do mundo que curtia essa e outras músicas de Rude Boy. A fita conta a história de um roadie do The Clash que monta as baterias e prepara os instrumentos dos caras em diferentes palcos onde a banda vai se apresentar. O roteiro é ruim pacas, mas as apresentações da banda são ótimas.
Há também uma versão da música em The Simpsons Season 15 Episode 2 – My Mother the Carjacker.
quinta-feira, 17 de março de 2011
Meu chuveiro queimou
O chuveiro daqui de casa é do tipo "peba". Já expliquei aqui o significado da palavra. "Peba", de acordo com o meu amigo Cabeça, é algo pusilânime, chinfrim, sem grife e marca registrada, é um troço vagabundo, é "peba".
Houve uma época em que havia um chuveiro tipo panelão aqui no apê. Mas fui obrigado a desistir dele porque o danado puxava uma energia danada. Se uma das crianças ligasse o outro chuveiro, a "chave" caía e lá ia o Careca, enrolado na toalha, com os cabelos do peito cheio de sabão, acertar o disjuntor.
Isso aconteceu tantas vezes que desisti do "panelão".
O chuveiro queimou com um estouro horroroso na noite de quarta-feira enquanto eu estava debaixo de uma ducha. Levei um susto danado e tive que terminar o banho gelado. Hoje, pela manhã, fui obrigado a tomar uma ducha geladérrima. Os primeiros trinta segundos são horríveis, mas depois a gente se acostuma.
À tarde, fui comprar um novo chuveiro. Vi uma dúzia de modelos de chuveiros elétricos diferentes. Aí vi um chuveirinho "peba" e fiquei com dó. Comprei o bicho.
_Tem garantia, moço? - eu disse para o vendedor, um velhinho com cara de sabichão.
_Boa, conta outra - ele disse.
_Não tem garantia?
_A única garantia desse chuveiro é que se você não souber instalar ele vai estourar na hora que você ligar a água- ele disse.
_Eu vivo instalando chuveiros como esse - eu disse.
_Boa, filho. Mas se esse chuveiro queimar, é problema seu - ele disse.
_Ele costuma queimar?
_Só quando a pessoa instala errado - ele disse.
O chuveiro novo repousa no bagageiro. Choveu forte, com trovão, relâmpago e trovoada hoje à noite. Amanhã é dia de banho frio matutino, de novo.
Houve uma época em que havia um chuveiro tipo panelão aqui no apê. Mas fui obrigado a desistir dele porque o danado puxava uma energia danada. Se uma das crianças ligasse o outro chuveiro, a "chave" caía e lá ia o Careca, enrolado na toalha, com os cabelos do peito cheio de sabão, acertar o disjuntor.
Isso aconteceu tantas vezes que desisti do "panelão".
O chuveiro queimou com um estouro horroroso na noite de quarta-feira enquanto eu estava debaixo de uma ducha. Levei um susto danado e tive que terminar o banho gelado. Hoje, pela manhã, fui obrigado a tomar uma ducha geladérrima. Os primeiros trinta segundos são horríveis, mas depois a gente se acostuma.
À tarde, fui comprar um novo chuveiro. Vi uma dúzia de modelos de chuveiros elétricos diferentes. Aí vi um chuveirinho "peba" e fiquei com dó. Comprei o bicho.
_Tem garantia, moço? - eu disse para o vendedor, um velhinho com cara de sabichão.
_Boa, conta outra - ele disse.
_Não tem garantia?
_A única garantia desse chuveiro é que se você não souber instalar ele vai estourar na hora que você ligar a água- ele disse.
_Eu vivo instalando chuveiros como esse - eu disse.
_Boa, filho. Mas se esse chuveiro queimar, é problema seu - ele disse.
_Ele costuma queimar?
_Só quando a pessoa instala errado - ele disse.
O chuveiro novo repousa no bagageiro. Choveu forte, com trovão, relâmpago e trovoada hoje à noite. Amanhã é dia de banho frio matutino, de novo.
quarta-feira, 16 de março de 2011
Ninguém sabe - No one knows - QSTSA
No one knows - Queens of the Stone Age
O vídeo é de 2002. Mas é a melhor trilha sonora para os últimos anos. Ninguém sabe o que está acontecendo. Nem aqui, nem nos EUA, nem na China e muito menos no Japão.
terça-feira, 15 de março de 2011
Treinar, treinar, treinar
Estive na livraria no último final de semana. Com a desculpa esfarrapada de que preciso colocar as minhas leituras em dia, fiquei uma boa hora percorrendo prateleiras e olhando as novidades. Na verdade, se eu me der ao trabalho de separar os livros devo ter mais de dez que ainda não li na minha estante. Alguns ainda estão embalados em plástico, protegidos. A principal diferença de algumas semanas passadas é que agora tenho tempo de sobra para ler e escrever. Mas tenho me mantido distante dos livros e da escrita.
Nas duas últimas semanas procurei colocar uma porção de coisas em ordem e não sobrou muito tempo para ler. E sem leitura, não há escrita. Ainda tenho alguns detalhes a serem resolvidos, mas só a partir de amanhã será possível iniciar a construção de uma rotina para não perder tempo.
Na última vez que fui desligado demorei um bocado para construir uma rotina organizada. Descobri que isso é muito, muito importante. Sem uma agenda definida, é muito fácil encontrar pretexto para não fazer nada ou fazer um monte de coisas sem foco e conexão. Desse jeito, os dias tendem a ficar monótonos e tristes.
Para manter o alto astral, é fundamental escutar música, desenhar e manter uma disciplina razoável, que favoreça a produtividade com regularidade. Ou seja, é preciso treinar, treinar, treinar.
Estou pensando em reservar um horário para a prática de exercícios físicos, coisa que venho adiando com regularidade olímpica há uns cinco anos. Uma parte do dia será dedicada à leitura, outra será somente para escrever. Talvez eu dedique um pedaço da noite para o desenho e o blog. Da outra vez, eu me habituei a escrever pela manhã e a ler no período da tarde. Mas terei de fazer o teste para saber se esses horários ainda funcionam bem.
Algumas novas rotinas já surgiram, espontaneamente. O único problema é que tenho ficado muito tempo em trânsito, procurando materiais diversos para a reforma em diferentes cantos da cidade. Espero que a situação melhore na próxima semana, depois da chegada e instalação do piso flutuante.
A primeira coisa a fazer, no entanto, será encarar a estante e separar livros lidos dos não-lidos. Da última vez que fiz isso, acabei ficando a tarde inteira relendo os trechos de uns livros que adoro e acabei sem muito progresso na separação. Tenho que bolar algum estratagema para evitar que isso ocorra novamente.
---
Pensei em duas coisas:
1- Colar na estante um cartaz escrito NÃO LEIA, em letras garrafais.
2 - Colar uma fita adesiva na metade de baixo do meu óculos e impedir a leitura com foco.
O problema do item 1 é que tenho a tendência a ignorar cartazes fixados em estantes. O problema do item 2 é que eu leio até bula de remédio fora de foco.
Nas duas últimas semanas procurei colocar uma porção de coisas em ordem e não sobrou muito tempo para ler. E sem leitura, não há escrita. Ainda tenho alguns detalhes a serem resolvidos, mas só a partir de amanhã será possível iniciar a construção de uma rotina para não perder tempo.
Na última vez que fui desligado demorei um bocado para construir uma rotina organizada. Descobri que isso é muito, muito importante. Sem uma agenda definida, é muito fácil encontrar pretexto para não fazer nada ou fazer um monte de coisas sem foco e conexão. Desse jeito, os dias tendem a ficar monótonos e tristes.
Para manter o alto astral, é fundamental escutar música, desenhar e manter uma disciplina razoável, que favoreça a produtividade com regularidade. Ou seja, é preciso treinar, treinar, treinar.
Estou pensando em reservar um horário para a prática de exercícios físicos, coisa que venho adiando com regularidade olímpica há uns cinco anos. Uma parte do dia será dedicada à leitura, outra será somente para escrever. Talvez eu dedique um pedaço da noite para o desenho e o blog. Da outra vez, eu me habituei a escrever pela manhã e a ler no período da tarde. Mas terei de fazer o teste para saber se esses horários ainda funcionam bem.
Algumas novas rotinas já surgiram, espontaneamente. O único problema é que tenho ficado muito tempo em trânsito, procurando materiais diversos para a reforma em diferentes cantos da cidade. Espero que a situação melhore na próxima semana, depois da chegada e instalação do piso flutuante.
A primeira coisa a fazer, no entanto, será encarar a estante e separar livros lidos dos não-lidos. Da última vez que fiz isso, acabei ficando a tarde inteira relendo os trechos de uns livros que adoro e acabei sem muito progresso na separação. Tenho que bolar algum estratagema para evitar que isso ocorra novamente.
---
Pensei em duas coisas:
1- Colar na estante um cartaz escrito NÃO LEIA, em letras garrafais.
2 - Colar uma fita adesiva na metade de baixo do meu óculos e impedir a leitura com foco.
O problema do item 1 é que tenho a tendência a ignorar cartazes fixados em estantes. O problema do item 2 é que eu leio até bula de remédio fora de foco.
segunda-feira, 14 de março de 2011
Operação Caixa de Gordura
Na semana passada minha mãe também resolveu fazer uma pequena reforma. Ela decidiu mandar trocar a caixa de gordura da casa onde mora. Para isso foi convocado um trabalhador dedicado, o Seu Cosme. Chamado a avaliar a situação, Seu Cosme disse que tudo estaria pronto em, no máximo, duas horas.
_Mas é preciso que todo o material esteja aqui, disponível - ele disse.
O Seu Cosme é um cara fortão, perto dos cinquenta. É modesto, mas sabe fazer de tudo numa obra. E trocar a caixa de gordura é bico pra ele. Minha mãe fez ele ditar todo o material necessário. Conferiu a lista uma vez. Ele não acrescentou nada. Minha mãe conferiu mais uma vez. Ele não acrescentou nadinha e disse que era só aquilo mesmo.
_Tem certeza, Seu Cosme?
_Tenho, sim, senhora.
_Vamos repassar a lista mais uma vez que eu não quero ter que fazer mais de uma viagem para trazer material - disse a minha mãe.
_Não precisa não, senhora.
Mesmo assim minha mãe conferiu a lista novamente. Tudo certo. Meu irmão ouviu a história inteira e correu para fazer o orçamento da lista pelo telefone. Ele descobriu uma loja com uma super-pechincha e como eu moro nas proximidades, nada mais natural do que ir até lá pegar o material. Depois do almoço todos os itens da
lista já estavam na casa da minha mãe e o Seu Cosme deu início aos trabalhos na tarde de quarta-feira.
Na quinta-feira, pela manhã, minha mãe iniciou a maratona de idas e vindas à loja de material de construção para o término da Operação Caixa de Gordura. Até o final da tarde de sexta-feira, Seu Cosme se lembrou de um item faltante a cada duas horas, em média.
_Tem certeza de que não falta mais nada? - ela disse, depois da quinta e última ida ao comércio para a compra de um item fundamental para a continuidade do trabalho do Seu Cosme.
_Tenho, sim, senhora.
_O senhor não quer pensar mais um pouco, Seu Cosme?
_Não, senhora, não precisa. Tenho certeza absoluta.
_Olha lá, Seu Cosme. Não falta mais nada? - disse a minha mãe.
_Nadinha, não, senhora.
_Eu vou sair agora e não vou voltar para comprar mais nada para essa caixa de gordura, Seu Cosme. Nunca mais. Depois dessa, acabou - ela disse.
_Bom, agora que a senhora falou...
O Seu Cosme terminou o serviço no sábado.
_Mas é preciso que todo o material esteja aqui, disponível - ele disse.
O Seu Cosme é um cara fortão, perto dos cinquenta. É modesto, mas sabe fazer de tudo numa obra. E trocar a caixa de gordura é bico pra ele. Minha mãe fez ele ditar todo o material necessário. Conferiu a lista uma vez. Ele não acrescentou nada. Minha mãe conferiu mais uma vez. Ele não acrescentou nadinha e disse que era só aquilo mesmo.
_Tem certeza, Seu Cosme?
_Tenho, sim, senhora.
_Vamos repassar a lista mais uma vez que eu não quero ter que fazer mais de uma viagem para trazer material - disse a minha mãe.
_Não precisa não, senhora.
Mesmo assim minha mãe conferiu a lista novamente. Tudo certo. Meu irmão ouviu a história inteira e correu para fazer o orçamento da lista pelo telefone. Ele descobriu uma loja com uma super-pechincha e como eu moro nas proximidades, nada mais natural do que ir até lá pegar o material. Depois do almoço todos os itens da
lista já estavam na casa da minha mãe e o Seu Cosme deu início aos trabalhos na tarde de quarta-feira.
Na quinta-feira, pela manhã, minha mãe iniciou a maratona de idas e vindas à loja de material de construção para o término da Operação Caixa de Gordura. Até o final da tarde de sexta-feira, Seu Cosme se lembrou de um item faltante a cada duas horas, em média.
_Tem certeza de que não falta mais nada? - ela disse, depois da quinta e última ida ao comércio para a compra de um item fundamental para a continuidade do trabalho do Seu Cosme.
_Tenho, sim, senhora.
_O senhor não quer pensar mais um pouco, Seu Cosme?
_Não, senhora, não precisa. Tenho certeza absoluta.
_Olha lá, Seu Cosme. Não falta mais nada? - disse a minha mãe.
_Nadinha, não, senhora.
_Eu vou sair agora e não vou voltar para comprar mais nada para essa caixa de gordura, Seu Cosme. Nunca mais. Depois dessa, acabou - ela disse.
_Bom, agora que a senhora falou...
O Seu Cosme terminou o serviço no sábado.
domingo, 13 de março de 2011
Mountain Mocha Kilimanjaro - Sympathy
Mountain Mocha Kilimanjaro - Sympathy
Escuto todos os dias quando vou levar as crianças para o trabalho. É pura adrenalina e ajuda a começar o dia. É lógico que já encomendei o CD via Amazon. Esses caras valem uma boa vasculhada na rede. Têm um som com uma pegada rítmica de primeira categoria.
sábado, 12 de março de 2011
sexta-feira, 11 de março de 2011
Carnaval e salada de fruta
O carnaval ainda não acabou na escola nem tão alternativa assim das crianças. Amanhã vai ter baile. Hoje já tive uma pequena prévia. Minha filha saiu de casa vestida de Princesa Iasmine. Meu filho atacou de Batman, mas levou a fantasia na mochila. Preparei a câmera fotográfica para registrar o evento, mas acabei me atrapalhando. Explico.
Uma das atividades da sala de aula da minha filha era a preparação de uma salada de frutas. Cada criança deveria levar uma fruta qualquer. Banana, maçã, goiaba, ameixa, laranja, abacaxi, uva, manga e até kiwi. Minha filha ficou encarregada de levar melancia. É lógico que lembrei da Magali. Na véspera, eu havia feito compras de frutas e acertado na compra da melancia.
Para isso, em pleno supermercado, eu me despi da minha aversão a fazer perguntas a estranhos e solicitei humildemente a ajuda de um funcionário do hipermercado.
_Amigo, eu não sei comprar melancia. E eu preciso muito comprar uma melancia para a escola da minha filha. Ela adora salada de frutas e escolheu levar melancia para fazer salada de frutas. Qual é o macete? - eu disse.
O cara me olhou como se a minha ignorância também fedesse, mas acho que depois ficou com dó e me explicou tudo com a maior calma.
_Você batuca na melancia, bate nela, dá um tapa assim, ó. Viu? Escutou o som? Pois então. Se o som for meio oco, chocho, a melancia não presta - disse o cara.
-E como eu sei se o som é chocho? - eu disse, enrolando a língua.
_Tem que dar uns tapas em várias melancias e ir comparando. Observe também a casca, ela deve estar com um verde vivo, mais brilhante. Mas se o som for chocho, a melancia não presta - ele disse.
E aí o sujeito virou as costas e se mandou para fazer outras coisas. Eu fiquei ali, batucando as melancias. Tum. Toim. Tunf. Toff. Taff. Tumpft. Dei um monte de tapas nas melancias, mas não conseguia me decidir. Aí apareceu uma velhinha e ficou me olhando estapear as melancias.
_Moço, não precisa dar tapa nas melancias. É só encostar o ouvido e tamborilar com os dedos - disse a velhinha.
_Muito obrigado, Dona Xepa, e como eu fico sabendo se a melancia está boa? - eu disse.
_Se ela está boa você não escuta muita coisa - disse a velhinha.
Hum. A teoria do som oco versus a teoria do "The sound of silence". Eu estava numa encruzilhada. Como sair desta? Com o canto do olho, eu vi outro funcionário do supermercado me observando tamborilar a melancia com os dedos, de ouvido colado. O cara, visivelmente, ria por dentro.
_Amigo, como faço para saber se a melancia está boa? - eu disse.
_É só pedir para partir ao meio - ele disse.
É óbvio que não poderia ser assim tão simples. Por isso, depois de observar uma melancia de casca verde e brilhante, com um som profundo e grave e tamborilar sem escutar muita coisa, levei uma grande e bela melancia inteira para casa. Cheguei em casa em estado de grande ansiedade. E depois de experimentar a melancia, fiquei tão ou mais feliz do que Cláudio Cavalcanti em Vereda Tropical. Estava deliciosa.
Portanto, nada mais natural do que perguntar para a minha filha o que ela havia achado da melancia e da salada de frutas.
_E aí, princesa Iasmine? Gostou da salada de frutas? A melancia fez sucesso?
_Que melancia?
_Aquela melancia que sua mãe preparou para a salada de frutas da sua sala. Estava gostosa?
_Ahn? Não sei, paiê - ela disse.
_Como não sabe? Você não comeu a salada de frutas?
_Não. Eu comi biscoito - ela disse.
_Biscoito? Mas não teve salada de frutas?
_Teve. Mas eu não gosto de salada de frutas - ela disse.
_Mas você ficou falando uma semana dessa salada de frutas. E a melancia? Experimentou a melancia?
_Não paiê, eu não gosto de melancia - ela disse.
_Mas foi você que escolheu levar melancia - eu disse.
_É, paiê, mas eu descobri que não gosto mais de melancia - ela disse.
_E você gosta de baile de carnaval? - eu disse.
_Muito - ela disse.
Mesmo assim, amanhã, antes de irmos para o baile, será melhor perguntar de novo, só para eliminar eventuais mudanças de gosto.
Uma das atividades da sala de aula da minha filha era a preparação de uma salada de frutas. Cada criança deveria levar uma fruta qualquer. Banana, maçã, goiaba, ameixa, laranja, abacaxi, uva, manga e até kiwi. Minha filha ficou encarregada de levar melancia. É lógico que lembrei da Magali. Na véspera, eu havia feito compras de frutas e acertado na compra da melancia.
Para isso, em pleno supermercado, eu me despi da minha aversão a fazer perguntas a estranhos e solicitei humildemente a ajuda de um funcionário do hipermercado.
_Amigo, eu não sei comprar melancia. E eu preciso muito comprar uma melancia para a escola da minha filha. Ela adora salada de frutas e escolheu levar melancia para fazer salada de frutas. Qual é o macete? - eu disse.
O cara me olhou como se a minha ignorância também fedesse, mas acho que depois ficou com dó e me explicou tudo com a maior calma.
_Você batuca na melancia, bate nela, dá um tapa assim, ó. Viu? Escutou o som? Pois então. Se o som for meio oco, chocho, a melancia não presta - disse o cara.
-E como eu sei se o som é chocho? - eu disse, enrolando a língua.
_Tem que dar uns tapas em várias melancias e ir comparando. Observe também a casca, ela deve estar com um verde vivo, mais brilhante. Mas se o som for chocho, a melancia não presta - ele disse.
E aí o sujeito virou as costas e se mandou para fazer outras coisas. Eu fiquei ali, batucando as melancias. Tum. Toim. Tunf. Toff. Taff. Tumpft. Dei um monte de tapas nas melancias, mas não conseguia me decidir. Aí apareceu uma velhinha e ficou me olhando estapear as melancias.
_Moço, não precisa dar tapa nas melancias. É só encostar o ouvido e tamborilar com os dedos - disse a velhinha.
_Muito obrigado, Dona Xepa, e como eu fico sabendo se a melancia está boa? - eu disse.
_Se ela está boa você não escuta muita coisa - disse a velhinha.
Hum. A teoria do som oco versus a teoria do "The sound of silence". Eu estava numa encruzilhada. Como sair desta? Com o canto do olho, eu vi outro funcionário do supermercado me observando tamborilar a melancia com os dedos, de ouvido colado. O cara, visivelmente, ria por dentro.
_Amigo, como faço para saber se a melancia está boa? - eu disse.
_É só pedir para partir ao meio - ele disse.
É óbvio que não poderia ser assim tão simples. Por isso, depois de observar uma melancia de casca verde e brilhante, com um som profundo e grave e tamborilar sem escutar muita coisa, levei uma grande e bela melancia inteira para casa. Cheguei em casa em estado de grande ansiedade. E depois de experimentar a melancia, fiquei tão ou mais feliz do que Cláudio Cavalcanti em Vereda Tropical. Estava deliciosa.
Portanto, nada mais natural do que perguntar para a minha filha o que ela havia achado da melancia e da salada de frutas.
_E aí, princesa Iasmine? Gostou da salada de frutas? A melancia fez sucesso?
_Que melancia?
_Aquela melancia que sua mãe preparou para a salada de frutas da sua sala. Estava gostosa?
_Ahn? Não sei, paiê - ela disse.
_Como não sabe? Você não comeu a salada de frutas?
_Não. Eu comi biscoito - ela disse.
_Biscoito? Mas não teve salada de frutas?
_Teve. Mas eu não gosto de salada de frutas - ela disse.
_Mas você ficou falando uma semana dessa salada de frutas. E a melancia? Experimentou a melancia?
_Não paiê, eu não gosto de melancia - ela disse.
_Mas foi você que escolheu levar melancia - eu disse.
_É, paiê, mas eu descobri que não gosto mais de melancia - ela disse.
_E você gosta de baile de carnaval? - eu disse.
_Muito - ela disse.
Mesmo assim, amanhã, antes de irmos para o baile, será melhor perguntar de novo, só para eliminar eventuais mudanças de gosto.
quinta-feira, 10 de março de 2011
Os bravos trabalhadores da Bahia
Ando pagando um bocado de língua. Desta vez foi por causa do Carnaval. Durante os festejos de Momo nós recebemos uma família de bahianos. São pessoas que tradicionalmente fogem da bagunça de Salvador nesta época do ano e buscam refúgio onde não são obrigadas a escutar aquelas músicas chatésimas que só tocam no carnaval ou a disputar abadás a tapas. A aversão ao clichê carnavalesco entre os bahianos é muito mais típica do que deseja a nossa mídia. Axé music e encontro de trios elétricos não fazem a cabeça de muita gente. Ivete Sangra o Galo, Carlinhos Brown Sugar, Netinho Avozinho e Oloduni tê são nomes que não despertam lembranças agradáveis a todos os ouvidos. Aliás, esses amigos gostam mesmo é de tranquilidade e paz no Carnaval.
Dessa vez vieram para Brasília, um dos recantos menos invocados com a mania de carnaval que assola o país na temporada pré-quaresma. Aqui, no Plano Piloto, de tradicional temos o Pacotão, o Galinho e a Baratona. O Pacotão consiste num bloco de sujos e mal-lavados que sai andando pela cidade, num trajeto mal-definido e que ninguém sabe direito onde vai dar. Tem um carro de som tocando qualquer coisa em alto volume e um monte de gente biritada andando atrás do carro de som. No caminho, toma-se cerveja. Nesse bloco tem sempre um grupo de jornalistas que acha que é dono do bloco. Mas ninguém leva os caras a sério. Todo mundo só quer saber de biritar e paquerar. É bem legal. Mas faz anos que não entro nessa folia.
O Galinho é quase a mesma coisa que o Pacotão. A diferença é que o trajeto é bem definido e o ritmo é o frevo. Também tem uma turma que acha que comanda o Galinho, mas a verdade é que a turma só quer saber de encher a lata e paquerar. É bem legal. A última vez que eu fui, faz muito tempo.
A Baratona é uma síntese do Pacotão e do Galinho, onde a turma faz a mesma coisa: birita e paquera. De preferência, longe do carro de som. O Carnaval de Brasília é simples assim. Ah, tem ainda o desfile das escolas de samba de Brasília. A escola cinquentenária ARUC - Unidos do Cruzeiro venceu esse concurso 31 vezes. Mas tem gente que leva essa coisa a sério.
É lógico que a família de amigos, que têm filhos com idades quase iguais às dos meus, ficou bem longe dessas carnavalices. Procuramos outros programas: parques de diversões, restaurantes, shoppings e cinema.
Num desses programas é que descobri que eles também estavam aproveitando o período do Carnaval para terminar uma reforma, com a pintura do apartamento onde moram.
_Rá, pintura em pleno carnaval na Bahia? Duví-dê-ó-dó - eu disse.
_Não, é pra valer. Essa turma é super-séria - eles disseram.
_Gente, não é preconceito, não é regionalismo, mas pintura nesta época não rola, ainda mais na terra do acarajé e mainha. Isso só é possível aqui, na terra onde Niemeyer enterrou seus concretos - eu disse.
Na terça-feira pela manhã eles retornaram. No início da tarde eles ligaram e disseram que o apê estava lindo e o serviço completo. Suspiro.
A minha reforma, por sua vez, não avançou. O pintor e seu auxiliar foram para a folia e me deixaram com o pincel na mão. O azulejista foi atrás do trio. O eletricista não apareceu. E a dupla que ia dar um jeito na área de serviço simplesmente não deu satisfação.
Então, por essas e outras, eu rendo aqui as minhas homenagens aos nobres trabalhadores bahianos, de onde pretendo importar mão-de-obra reformista assim que as minhas combalidas finanças o permitirem. Rá.
Dessa vez vieram para Brasília, um dos recantos menos invocados com a mania de carnaval que assola o país na temporada pré-quaresma. Aqui, no Plano Piloto, de tradicional temos o Pacotão, o Galinho e a Baratona. O Pacotão consiste num bloco de sujos e mal-lavados que sai andando pela cidade, num trajeto mal-definido e que ninguém sabe direito onde vai dar. Tem um carro de som tocando qualquer coisa em alto volume e um monte de gente biritada andando atrás do carro de som. No caminho, toma-se cerveja. Nesse bloco tem sempre um grupo de jornalistas que acha que é dono do bloco. Mas ninguém leva os caras a sério. Todo mundo só quer saber de biritar e paquerar. É bem legal. Mas faz anos que não entro nessa folia.
O Galinho é quase a mesma coisa que o Pacotão. A diferença é que o trajeto é bem definido e o ritmo é o frevo. Também tem uma turma que acha que comanda o Galinho, mas a verdade é que a turma só quer saber de encher a lata e paquerar. É bem legal. A última vez que eu fui, faz muito tempo.
A Baratona é uma síntese do Pacotão e do Galinho, onde a turma faz a mesma coisa: birita e paquera. De preferência, longe do carro de som. O Carnaval de Brasília é simples assim. Ah, tem ainda o desfile das escolas de samba de Brasília. A escola cinquentenária ARUC - Unidos do Cruzeiro venceu esse concurso 31 vezes. Mas tem gente que leva essa coisa a sério.
É lógico que a família de amigos, que têm filhos com idades quase iguais às dos meus, ficou bem longe dessas carnavalices. Procuramos outros programas: parques de diversões, restaurantes, shoppings e cinema.
Num desses programas é que descobri que eles também estavam aproveitando o período do Carnaval para terminar uma reforma, com a pintura do apartamento onde moram.
_Rá, pintura em pleno carnaval na Bahia? Duví-dê-ó-dó - eu disse.
_Não, é pra valer. Essa turma é super-séria - eles disseram.
_Gente, não é preconceito, não é regionalismo, mas pintura nesta época não rola, ainda mais na terra do acarajé e mainha. Isso só é possível aqui, na terra onde Niemeyer enterrou seus concretos - eu disse.
Na terça-feira pela manhã eles retornaram. No início da tarde eles ligaram e disseram que o apê estava lindo e o serviço completo. Suspiro.
A minha reforma, por sua vez, não avançou. O pintor e seu auxiliar foram para a folia e me deixaram com o pincel na mão. O azulejista foi atrás do trio. O eletricista não apareceu. E a dupla que ia dar um jeito na área de serviço simplesmente não deu satisfação.
Então, por essas e outras, eu rendo aqui as minhas homenagens aos nobres trabalhadores bahianos, de onde pretendo importar mão-de-obra reformista assim que as minhas combalidas finanças o permitirem. Rá.
quarta-feira, 9 de março de 2011
O alarme sonoro do Carnaval
Em casa, não somos de muita folia. Aproveitamos o feriado para descansar da rotina e começar outras. Desta vez começamos bem cedo. Desde a última sexta-feira, estivemos a postos a partir das seis da manhã. Há seis dias, o relógio despertou um dos meus vizinhos às seis da manhã, com a Rádio Senado tocando "Nessa noite não", do Lobão, em grande volume.
Bacana, gosto do Lobão. Ele lançou um biografia que dizem ser muito bem escrita e bem maluca. Estou curioso. Tenho alguns CDs do Lobão aqui em casa, em algum lugar. Eu comprei numa banca de revista o CD "A vida é doce". É um disco com uma história intensa, de rebeldia contra gravadoras e de luta por direito autoral. Está aqui em casa, em algum lugar.
Embora eu pretendesse dormir mais um pouco, não teve jeito. Utilizei a minha técnica do sanduíche de travesseiro com recheio de cabeça, mas não consegui abafar o rádio. Diversos minutos se passaram e então o barulho do rádio foi substituído por um bip-bip irritante que durou uma eternidade. Nessa altura, todo mundo já tinha desistido de dormir e começamos o dia.
Foi um dia intenso.
No sábado, o alarme sonoro do vizinho atacou novamente, dessa vez com a Marina interpretando "Lanterna dos Afogados". Grande Marina. Uma vez vi um show da Marina em que ela usava uma daquelas calças pretas de borracha bem coladas, parecia uma mergulhadora. Tenho um CD de "O melhor de Marina" aqui em casa, em algum lugar.
Dessa vez fiquei tentando localizar o andar e o apartamento gerador do barulho do alarme, mas sem sucesso. Moro num prédio onde é possível escutar uma pessoa escovar os 28 dentes, um por um, mas é impossível saber em qual banheiro isso está acontecendo.
Deixei prá lá. No sábado fizemos grandes coisas.
No domingo, na segunda, na terça e hoje, quarta-feira, o alarme nos despertou no horário. No domingo a Rádio Senado tocou Alagados, dos Paralamas. Na segunda, tocou uma música chata da Maria Rita. E na terça, soltaram "Bem que se quis" da Marisa Monte. Não lembro o que tocou nesta quarta-feira, porque acordar de mau-humor estraga a memória das pessoas.
Amanhã retomo uma nova velha rotina revisitada. Dizem que depois do carnaval é que as coisas começam a funcionar neste país. Eu torço para que comecem mesmo. Agora eu olho pela janela e vejo que não existem mais vagas no estacionamento do prédio. Sinal de que todo mundo já voltou das festas.
Felizmente, amanhã usarei o meu próprio alarme para acordar às seis da manhã.
Bacana, gosto do Lobão. Ele lançou um biografia que dizem ser muito bem escrita e bem maluca. Estou curioso. Tenho alguns CDs do Lobão aqui em casa, em algum lugar. Eu comprei numa banca de revista o CD "A vida é doce". É um disco com uma história intensa, de rebeldia contra gravadoras e de luta por direito autoral. Está aqui em casa, em algum lugar.
Embora eu pretendesse dormir mais um pouco, não teve jeito. Utilizei a minha técnica do sanduíche de travesseiro com recheio de cabeça, mas não consegui abafar o rádio. Diversos minutos se passaram e então o barulho do rádio foi substituído por um bip-bip irritante que durou uma eternidade. Nessa altura, todo mundo já tinha desistido de dormir e começamos o dia.
Foi um dia intenso.
No sábado, o alarme sonoro do vizinho atacou novamente, dessa vez com a Marina interpretando "Lanterna dos Afogados". Grande Marina. Uma vez vi um show da Marina em que ela usava uma daquelas calças pretas de borracha bem coladas, parecia uma mergulhadora. Tenho um CD de "O melhor de Marina" aqui em casa, em algum lugar.
Dessa vez fiquei tentando localizar o andar e o apartamento gerador do barulho do alarme, mas sem sucesso. Moro num prédio onde é possível escutar uma pessoa escovar os 28 dentes, um por um, mas é impossível saber em qual banheiro isso está acontecendo.
Deixei prá lá. No sábado fizemos grandes coisas.
No domingo, na segunda, na terça e hoje, quarta-feira, o alarme nos despertou no horário. No domingo a Rádio Senado tocou Alagados, dos Paralamas. Na segunda, tocou uma música chata da Maria Rita. E na terça, soltaram "Bem que se quis" da Marisa Monte. Não lembro o que tocou nesta quarta-feira, porque acordar de mau-humor estraga a memória das pessoas.
Amanhã retomo uma nova velha rotina revisitada. Dizem que depois do carnaval é que as coisas começam a funcionar neste país. Eu torço para que comecem mesmo. Agora eu olho pela janela e vejo que não existem mais vagas no estacionamento do prédio. Sinal de que todo mundo já voltou das festas.
Felizmente, amanhã usarei o meu próprio alarme para acordar às seis da manhã.
sexta-feira, 4 de março de 2011
Ainda desligado
Bons empregos são raros. Os bons empregos estão cada vez mais difíceis de manter. O mundo vive uma crise de empregos. Se você encontrar um bom emprego, agarre-o com unhas e dentes. Todos os lugares comuns sobre emprego e empregabilidade atravessam a sua cabeça quando você recebe a notícia do seu desligamento imediato. Comigo também foi assim.
A primeira coisa em que pensei foi na reforma. Pô, eu estou no meio de uma reforma e sou desligado. Cacetada! Depois eu pensei nos pré-datados. Caramba, estou com um monte de pré-datados fabulosos até o mês de maio. Aí pensei no cheque especial.
Mas depois pensei que para tudo há solução. E como nesta noite começa o carnaval e todo mundo começa a voltar ao normal somente na quarta-feira, resolvi adiar os planos salvadores até lá.
A primeira coisa em que pensei foi na reforma. Pô, eu estou no meio de uma reforma e sou desligado. Cacetada! Depois eu pensei nos pré-datados. Caramba, estou com um monte de pré-datados fabulosos até o mês de maio. Aí pensei no cheque especial.
Mas depois pensei que para tudo há solução. E como nesta noite começa o carnaval e todo mundo começa a voltar ao normal somente na quarta-feira, resolvi adiar os planos salvadores até lá.
quinta-feira, 3 de março de 2011
Empacotando tudo rapidinho
Se você sentiu o cheiro da sua própria pele fritando no trabalho, deixe as gavetas prontas para serem esvaziadas rapidinho. O melhor mesmo é não juntar aquele monte de tranqueiras durante o seu período de trabalho. Mas eu sei o quanto é difícil manter o bom senso e evitar se apegar aos lugares, aos cubículos, às máquinas de capuccino e até àquela conversa fiada prazeirosa dos momentos de descontração e relaxamento.
Dessa vez eu evitei levar as tranqueiras embora. Fiz uma seleção de itens de algum valor monetário e desprezei solenemente toda a tranqueira sentimental. Os bonecos da Família Sympson(brindes da lanchonete), os robôs de papel cuidadosamente montados e colados, dois brinquedos de kinder ovo e um imã de geladeira que ganhei de lembrança de alguém que foi a Aracaju. Joguei tudo no lixo. Também joguei fora a minha coleção de jogos da mega-sena e deixei para trás a minha lata de moedas de troco para emergências. As dezenas de figurinhas de chicletes também foram para a lixeira. Só depois que fui embora é que me lembrei que tinha pelo menos três reais em moedas de cinco e dez centavos na lata.
Desprezei a papelada. Já houve um tempo em que tratava de recolher exemplos interessantes de trabalhos realizados, publicações, cds, etc. Mas depois de algum tempo eu finalmente percebi que ninguém, até hoje, me contratou porque fui capaz de fazer algumas coisas, mas por acreditar que eu seria capaz de fazer outras mais e melhores.
Ao esvaziar uma gaveta no local de trabalho é fundamental se perguntar se vai valer a pena carregar todo aquele peso até a porta de saída. É preciso calcular mentalmente a distância a ser percorrida e multiplicar o esforço físico por quatro, porque o peso das coisas aumenta uma enormidade até o tapete de entrada. Ou saída.
Dessa vez eu fiz o cálculo a tempo. Mesmo depois da minha seleção criteriosa, eu havia colocado um monte de coisas numa pequena caixa de papelão. Felizmente percebi que não queria ser visto com aquele trambolho nas mãos. Despejei a caixa de papelão no lixo. Eram só coisas que eu não queria mais ver.
Quando eu saí, a guardete se levantou para me dar um abraço e dizer que lamentava muito.
_Tenho certeza de que logo, logo, o senhor arruma uma outra colocação - ela disse.
E foi só então que eu comecei a ficar realmente muito preocupado. Mas enquanto eu ainda estava no elevador intelectual do edifício meio burrinho, eu já sabia que teria que escrever sobre a minha demissão durante esta semana. Amanhã eu conto mais um pouco.
Dessa vez eu evitei levar as tranqueiras embora. Fiz uma seleção de itens de algum valor monetário e desprezei solenemente toda a tranqueira sentimental. Os bonecos da Família Sympson(brindes da lanchonete), os robôs de papel cuidadosamente montados e colados, dois brinquedos de kinder ovo e um imã de geladeira que ganhei de lembrança de alguém que foi a Aracaju. Joguei tudo no lixo. Também joguei fora a minha coleção de jogos da mega-sena e deixei para trás a minha lata de moedas de troco para emergências. As dezenas de figurinhas de chicletes também foram para a lixeira. Só depois que fui embora é que me lembrei que tinha pelo menos três reais em moedas de cinco e dez centavos na lata.
Desprezei a papelada. Já houve um tempo em que tratava de recolher exemplos interessantes de trabalhos realizados, publicações, cds, etc. Mas depois de algum tempo eu finalmente percebi que ninguém, até hoje, me contratou porque fui capaz de fazer algumas coisas, mas por acreditar que eu seria capaz de fazer outras mais e melhores.
Ao esvaziar uma gaveta no local de trabalho é fundamental se perguntar se vai valer a pena carregar todo aquele peso até a porta de saída. É preciso calcular mentalmente a distância a ser percorrida e multiplicar o esforço físico por quatro, porque o peso das coisas aumenta uma enormidade até o tapete de entrada. Ou saída.
Dessa vez eu fiz o cálculo a tempo. Mesmo depois da minha seleção criteriosa, eu havia colocado um monte de coisas numa pequena caixa de papelão. Felizmente percebi que não queria ser visto com aquele trambolho nas mãos. Despejei a caixa de papelão no lixo. Eram só coisas que eu não queria mais ver.
Quando eu saí, a guardete se levantou para me dar um abraço e dizer que lamentava muito.
_Tenho certeza de que logo, logo, o senhor arruma uma outra colocação - ela disse.
E foi só então que eu comecei a ficar realmente muito preocupado. Mas enquanto eu ainda estava no elevador intelectual do edifício meio burrinho, eu já sabia que teria que escrever sobre a minha demissão durante esta semana. Amanhã eu conto mais um pouco.
quarta-feira, 2 de março de 2011
A mensagem adequada
Muitas pessoas, ao serem demitidas, acham de bom tom enviar uma mensagem final por e-mail aos colegas. Algumas preparam longos textos filosóficos, enaltecendo amizades e ressaltando episódios engraçados e bons momentos vividos ao lado dos colegas. Já vi até powerpoints super-elaborados de despedida. Uma vez um cara mandou um filminho de adeus e entupiu o meu e-mail.
Outras pessoas relembram passagens tocantes, em que fulano e beltrano contribuíram decisivamente para que um grande obstáculo fosse superado, para que uma meta fosse atingida, para que um bônus fosse alcançado. Não tenho nada contra esse tipo de mensagem, desde que ela tenha um caráter privado, particular e não extrapole a capacidade da minha caixa de mensagens.
Às vezes, no entanto, a pessoa é muito extrovertida e ao invés de enviar uma mensagem em caráter individual ou para um grupo bem restrito de pessoas, manda para a caixa de todos os funcionários da empresa. Em geral, ela convida todo mundo para uma despedida no boteco. Usa palavras singelas. "Não perca o meu bota-fora". "Conto com você para encher a cara no dia em que levei um chute na lata". "Vamos lá, Manezada, eu reservei a mesa mas vocês é que vão pagar a conta".
Já vi umas despedidas bem malucas e divertidas, mas acho os convites para "pé-na-bunda" umas coisas constrangedoras e embaraçosas. Por mais que a pessoa extrovertida seja um sucesso e uma campeã popular, a mensagem será lida com indiferença pela maioria dos destinatários. Isso acontecerá porque a partir do momento em que você se despede, a maioria das pessoas passará a tratá-lo como você é, ou seja, como um ex-colega. Poucas pessoas convivem com naturalidade com um ex-colega, sem demonstrar paternalismo ou um disfarçado desdém. No final do dia, alguém vai dizer que faltou uma vírgula ou um acento na sua mensagem e que você foi demitido, entre outras coisas, pelo seu péssimo português.
Por isso, acho mais importante mandar uma mensagem curta e bem direta para alguns poucos escolhidos, pessoas com quem você sempre contou durante aqueles anos de trabalho. Deixe o telefone e o e-mail. Não é preciso lembrar de todos os bons companheiros e amigas. Na saída, o melhor é errar por pouco. Mande a mensagem individualmente ou com cópia oculta para o pequeno grupo dos "escolhidos". Não mande para todos os funcionários da empresa. Os amigos, durante toda a vida, contamos nos dedos das mãos. Se temos sorte, colocamos na conta os dedos dos pés. A mensagem adequada, acredite, nunca é remetida por e-mail.
Mas não é apenas a despedida eletrônica que pode se tornar uma chatice melosa ou um incômodo imprevisto. Também acho embaraçosa e confusa a hora da despedida pessoal. Existem algumas pessoas em que é inevitável um abraço apertado ou um forte aperto de mão. É muito importante, nessa hora, manter o olhar firme e segurar a emoção. Desconfie das pessoas que se descabelam na hora da despedida. Grave na memória os que se prestarão a indicar seus erros e a lhe dar conselhos. Muitas pessoas, por mais juras que façam de que vão ligar e manter contato, jamais tornarão a vê-lo ou ouví-lo. Algumas do pequeno círculo de "escolhidos" não se lembrarão do seu nome ao fim de um mês.
As pessoas amigas ficam curiosas para saber o motivo do seu desligamento imediato, por mais obscuro que esse motivo seja para você mesmo. Os ex-colegas querem saber o motivo principalmente, e isso é super natural e válido, para auto-proteção. Muitos querem saber onde você errou para que não cometam os mesmos erros. Outros querem saber com quem você discutiu, para evitar problemas com o seu provável antagonista. Uns poucos acham que a organização onde trabalham se parece muito com um macaco que confunde o próprio rabo com uma banana. Jamais fale mal de um ex-colega, mesmo daquele que o traiu vexaminosamente. O mundo dá muitas e muitas voltas.
É preciso ter uma coisa bem clara na cabeça. Ninguém é chamado à sala de gerência de pessoal impunemente. Ou é coisa boa, ou é coisa ruim.
Eu não queria alarmar ninguém, mas neste ano, as coisas ruins deverão ser mais comuns.
Por mais que você seja um excelente ator, receber a notícia do desligamento imediato é sempre uma paulada na moleira. Então, ao sair da sala de recursos humanos, não adianta encher o peito e prender a respiração, as pessoas vão perceber os seus ombros caídos e aquele tremor involuntário da sobrancelha esquerda. Quer saber? No final das contas, não existem despedidas felizes. Apenas saia depressa e vá arrumar as suas coisas. É importante não deixar entulho para trás. Mas isso é assunto para amanhã.
Outras pessoas relembram passagens tocantes, em que fulano e beltrano contribuíram decisivamente para que um grande obstáculo fosse superado, para que uma meta fosse atingida, para que um bônus fosse alcançado. Não tenho nada contra esse tipo de mensagem, desde que ela tenha um caráter privado, particular e não extrapole a capacidade da minha caixa de mensagens.
Às vezes, no entanto, a pessoa é muito extrovertida e ao invés de enviar uma mensagem em caráter individual ou para um grupo bem restrito de pessoas, manda para a caixa de todos os funcionários da empresa. Em geral, ela convida todo mundo para uma despedida no boteco. Usa palavras singelas. "Não perca o meu bota-fora". "Conto com você para encher a cara no dia em que levei um chute na lata". "Vamos lá, Manezada, eu reservei a mesa mas vocês é que vão pagar a conta".
Já vi umas despedidas bem malucas e divertidas, mas acho os convites para "pé-na-bunda" umas coisas constrangedoras e embaraçosas. Por mais que a pessoa extrovertida seja um sucesso e uma campeã popular, a mensagem será lida com indiferença pela maioria dos destinatários. Isso acontecerá porque a partir do momento em que você se despede, a maioria das pessoas passará a tratá-lo como você é, ou seja, como um ex-colega. Poucas pessoas convivem com naturalidade com um ex-colega, sem demonstrar paternalismo ou um disfarçado desdém. No final do dia, alguém vai dizer que faltou uma vírgula ou um acento na sua mensagem e que você foi demitido, entre outras coisas, pelo seu péssimo português.
Por isso, acho mais importante mandar uma mensagem curta e bem direta para alguns poucos escolhidos, pessoas com quem você sempre contou durante aqueles anos de trabalho. Deixe o telefone e o e-mail. Não é preciso lembrar de todos os bons companheiros e amigas. Na saída, o melhor é errar por pouco. Mande a mensagem individualmente ou com cópia oculta para o pequeno grupo dos "escolhidos". Não mande para todos os funcionários da empresa. Os amigos, durante toda a vida, contamos nos dedos das mãos. Se temos sorte, colocamos na conta os dedos dos pés. A mensagem adequada, acredite, nunca é remetida por e-mail.
Mas não é apenas a despedida eletrônica que pode se tornar uma chatice melosa ou um incômodo imprevisto. Também acho embaraçosa e confusa a hora da despedida pessoal. Existem algumas pessoas em que é inevitável um abraço apertado ou um forte aperto de mão. É muito importante, nessa hora, manter o olhar firme e segurar a emoção. Desconfie das pessoas que se descabelam na hora da despedida. Grave na memória os que se prestarão a indicar seus erros e a lhe dar conselhos. Muitas pessoas, por mais juras que façam de que vão ligar e manter contato, jamais tornarão a vê-lo ou ouví-lo. Algumas do pequeno círculo de "escolhidos" não se lembrarão do seu nome ao fim de um mês.
As pessoas amigas ficam curiosas para saber o motivo do seu desligamento imediato, por mais obscuro que esse motivo seja para você mesmo. Os ex-colegas querem saber o motivo principalmente, e isso é super natural e válido, para auto-proteção. Muitos querem saber onde você errou para que não cometam os mesmos erros. Outros querem saber com quem você discutiu, para evitar problemas com o seu provável antagonista. Uns poucos acham que a organização onde trabalham se parece muito com um macaco que confunde o próprio rabo com uma banana. Jamais fale mal de um ex-colega, mesmo daquele que o traiu vexaminosamente. O mundo dá muitas e muitas voltas.
É preciso ter uma coisa bem clara na cabeça. Ninguém é chamado à sala de gerência de pessoal impunemente. Ou é coisa boa, ou é coisa ruim.
Eu não queria alarmar ninguém, mas neste ano, as coisas ruins deverão ser mais comuns.
Por mais que você seja um excelente ator, receber a notícia do desligamento imediato é sempre uma paulada na moleira. Então, ao sair da sala de recursos humanos, não adianta encher o peito e prender a respiração, as pessoas vão perceber os seus ombros caídos e aquele tremor involuntário da sobrancelha esquerda. Quer saber? No final das contas, não existem despedidas felizes. Apenas saia depressa e vá arrumar as suas coisas. É importante não deixar entulho para trás. Mas isso é assunto para amanhã.
terça-feira, 1 de março de 2011
Desligamento imediato
O despojamento é a primeira evidência do seu desligamento imediato. É assim que eles falam hoje em dia, quando você fica sabendo que perdeu o emprego. Quando você é chamado ao Departamento de Pessoal, a primeira coisa que lhe pedem é o crachá de acesso ao edifício. Em seguida, vem o recolhimento dos cartões de saúde, do plano dentário e as chaves dos armários. Caso você tenha um cartão de garagem, você também é chamado a devolvê-lo. Ah, e se houver um telefone blackberry da empresa, você também é convidado a retorná-lo.
Tudo é muito polido, sereno e cheio de verbos e pronomes oblíquos quando você é demitido. Eles também te comunicam que o seu acesso à rede será bloqueado em alguns minutos, durante aquela conversa. Mas se você quiser gravar alguma coisa, poderá fazer uma solicitação para isso, mais tarde. Muito mais tarde. E é lógico que você não quer saber de gravar nada e só pensa em dar o fora dali o mais rapidamente possível.
Você é comunicado de um bocado de coisas quando é desligado de imediato. E por um
tempo, você se sente uma máquina que foi desligada de uma maneira bem impessoal, como se alguém apenas tivesse apertado um botão. Você se sente uma máquina desnecessária que deseja se mandar dali o mais depressa possível. Por mais que a gerência de pessoal seja bem educada e se esforce para lhe dar a impressão de que não tem nada a ver com aquilo. E até lhe garanta que está tão surpresa quanto você.
Tudo é muito polido, sereno e cheio de verbos e pronomes oblíquos quando você é demitido. Eles também te comunicam que o seu acesso à rede será bloqueado em alguns minutos, durante aquela conversa. Mas se você quiser gravar alguma coisa, poderá fazer uma solicitação para isso, mais tarde. Muito mais tarde. E é lógico que você não quer saber de gravar nada e só pensa em dar o fora dali o mais rapidamente possível.
Você é comunicado de um bocado de coisas quando é desligado de imediato. E por um
tempo, você se sente uma máquina que foi desligada de uma maneira bem impessoal, como se alguém apenas tivesse apertado um botão. Você se sente uma máquina desnecessária que deseja se mandar dali o mais depressa possível. Por mais que a gerência de pessoal seja bem educada e se esforce para lhe dar a impressão de que não tem nada a ver com aquilo. E até lhe garanta que está tão surpresa quanto você.
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