quinta-feira, 21 de junho de 2012

Eu sou o meu irmão



Pink - Get The Party Started

Eu estou nessa loja de bric-a-brac. Loja de badulaques. Até pouco tempo era assim que chamavam essas lojas de materiais de construção e acabamento. Hoje é home-center. Sempre vejo muitos conhecidos nessas lojas, onde compro pequenas coisas para a manutenção da casa. Eu vejo o conhecido e busco outro itinerário, pego um desvio atrás daquelas prateleiras gigantescas. Não sou muito fã de papo-furado dentro de lojas. Não sou muito fã de papo-furado. Não é que não tenha tempo a perder, é que passo muito tempo sozinho e acabei ficando ruim de conversa. Ou com a conversa ruim, tanto faz. Pra falar a verdade, nunca fui muito bom de papo.

Vou comprar tinta nessa loja. E verniz. Eles agora fabricam um monte de tintas e vernizes diferentes, sem cheiro, à base de água e que secam bem depressa. Prefiro os antigos. Eles empesteiam o ambiente com um cheiro insuportável e tóxico, são difíceis de limpar, grudam no pincel ou rolinho e só saem à custa de muito thinner e aguarraz. Além disso, só podem ser usados se estiver fazendo tempo bom e demoram dias para secar. Mas são bem mais baratos.

Eu estou escolhendo um verniz das antigas, marca tradicional, quando dou de cara com um conhecido. Não há tempo para desvio, não há como evitá-lo. Eu o reconheço imediatamente, embora já tenha se passado pelo menos uma década desde que o vi pela última vez. É um sujeito que fez universidade comigo. Nunca fomos amigos, nem mesmo nos cumprimentávamos direito. Ali, naquele corredor estreito em que nós dois empurramos carrinhos de compras, o cumprimento será inevitável, eu penso, e ensaio um sorriso de cumprimento. Mas o sujeito passa diretamente por mim, como se não tivesse me visto.

Tanto melhor, eu penso, e continuo a empurrar o carrinho. Quando chego ao final do corredor eu me lembro que ainda preciso pegar o verniz e dou meia volta. É quando percebo que o sujeito também está voltando e dessa vez, eu penso, o cumprimento será inevitável. Lá está o meu sorriso protocolar novamente, mas pela segunda vez, o idiota passa direto, o nariz empinado apontando para o alto das prateleiras, o carrinho quase raspando no meu carrinho.

Ufa, eu penso, o pernóstico também não está a fim de papo, ainda bem. E continuo com as compras. Droga, eu penso, o panaca me fez sorrir à toa, os caras das câmeras de segurança devem se divertir com esse tipo de situação. Eu penso em muitas coisas estúpidas, eu sei. Mas em lojas assim, penso sobretudo nos caras das câmeras de segurança. Ficam lá na salinha deles, com trinta telinhas, vendo os caras torcendo o pescoço para olhar as mulheres passando de salto alto. Eles vêm os malucos que ficam tirando coisas de um lugar e levando para outro, trocando as mercadorias de prateleira. Vêm os otários que tentam furtar pequenos objetos. Vêm os homens, mulheres e crianças que se fingem de clientes e que entram na loja para mendigar. Vêm tudo, os carinhas das câmeras de segurança.

E então eu estou no caixa, com o meu carrinho. Sem querer, acabei entrando na fila de quem enche o carrinho de badulaques e bugigangas. É tarde demais para mudar de lugar e ir para o caixa rápido: uma longa fila de carrinhos já se formou atrás de mim. Prefiro continuar onde estou e esperar mais um pouco a dar meia volta e ir na contra-mão de uma dezena de carrinhos.

Talvez tenha sido a minha sorte, o engano com a fila. Eu tinha a leve desconfiança de que teria encontrado o conhecido mais uma vez se tivesse ido para a fila do caixa rápido. E bastou eu pensar nisso para que o sujeito aparecesse na outra fila, a três metros de mim. Dessa vez eu estava distraído e ele também, não deu para disfarçar que havíamos nos visto e reconhecido mutuamente, não adiantava fingir procurar um buraco no teto.

_E aí, como vai? – ele disse.

_Vou bem, obrigado.

_Não está me reconhecendo? – ele disse.

_Claro, você é o ... – eu disse, falando o nome do conhecido.

Ele sorriu de lado e disse que eu tinha me enganado. Na verdade, disse que eu tinha falado o nome do irmão gêmeo dele. Ele me disse então o seu nome e nenhum sino bateu. Eu não me lembrava daquele nome. Também não me lembrava que o conhecido tivesse um irmão gêmeo. Nos despedimos rapidamente e cada um foi cuidar da sua vida. De qualquer forma, fiz uma anotação mental para incorporar um gêmeo de mim mesmo quando fosse abordado por algum conhecido na rua e não estivesse a fim de cumprimentos.

Depois de passar as compras, no meio do estacionamento havia um sujeito ao lado de algumas caixas perto do meu carro. Ele abriu os braços e um largo sorriso assim que me aproximei.

_Doutor, doutor, sou eu, como vai o senhor e as crianças?, e a esposa?, eu espero que tudo esteja muito bem, doutor, eu saí do lava-jato onde eu trabalhava, lembra?, e depois eu não agüentei muito tempo a padaria e agora eu estou aqui, trabalhando duro, doutor, aceite esse aqui, esse, é um presente para o senhor, doutor, o senhor sempre foi muito bom comigo no lava-jato, pegue, é um presente, por favor, é modesto, mas é um presente, doutor, não se recusa um presente, ainda mais um presente como esse, foram bons tempos aqueles na padaria, mas agora a vida é diferente pra mim, eu já tomei jeito depois do lava-jato, ali era só farra, um vidão, agora sou pai de família como o senhor, doutor...

O sujeito se parecia com um monte de sujeitos a quem não damos muita atenção no dia-a-dia e eu fazia um esforço de memória para lembrar de que lava-jato aquele infeliz estava falando. Que padaria era aquela?

_Doutor, doutor, gostou do perfume é um ótimo presente, leve outro, leve outro, leve esse aqui para a sua esposa, é muito bom, ela vai adorar, leve esse então, pegue, pegue, doutor, isso, é seu, é seu, é um presente, dê um presente para ela, doutor, e também me dê uma força, qualquer quantia que o senhor puder, doutor.

Só então percebi que o sujeito estava me vendendo perfumes.

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