segunda-feira, 4 de junho de 2012

O fim do poeta



Editors - Munich

Nós tivemos uma manhã difícil no sábado, com aquelas conversas de marido e mulher. Era alguma coisa sobre a influência excessiva de um sobre o outro que acaba em controle e domínio. Sei que os ânimos se exaltaram um pouco, mas somos adultos civilizados e responsáveis, soubemos abaixar a bola e buscar o diálogo. Decidimos fazer uma coisa juntos, uma coisa cooperativa. Isso sempre funciona. Como era preciso sair para comprar um presente de aniversário para a minha mãe, aproveitamos para unir o útil ao agradável. Fomos ao pólo verde, uma área cheia de lojas de plantas e flores que fica perto de casa. Passeamos longamente, olhando plantas, móveis rústicos, flores, pedras, peixes, mesas, cadeiras, velas, luminárias, candelabros, treliças, sementes, mudas e estranhas fontes de barro pintado. Compramos uma orquídea linda para minha mãe. Andamos em todas as lojas do pólo verde até encontrar o vaso certo. Olhamos uns trinta modelos diferentes até que eu e a minha mulher concordamos com um vaso pintado à mão e meio vitrificado.

_Você sabe quem é o dono dessa loja? - eu perguntei para a minha mulher, enquanto ela pagava o vaso.

_É aquele senhor ali atrás, de cabelo liso branco, óculos de John Lennon - ela disse.

_Eu sei, eu sei, disfarça que ele está olhando pra gente - eu cochichei.

_Que nada, está falando no celular, nem está vendo a gente.

Era verdade. Ele discutia o preço de alguma coisa com alguém. Mesmo assim, eu assobiei baixo e saí da loja disfarçando.

_Qual é o problema? - disse a minha mulher, cochichando também.

_Nenhum, é que ele é um cara famoso, o dono da loja.

_Famoso, é? Nunca vi mais gordo - disse a minha mulher.

_É um poeta famoso. Fazia parte da Geração do Mimeógrafo. Estudamos ele na escola. Eu sabia uma porção de versos dele.

_E como é o nome dele?

Eu disse o nome completo do poeta. Minha mulher me disse que nunca tinha ouvido falar.

_Eu achava esse cara o maior gênio. Quem diria, o poeta agora vende plantas.

_E vasos, também. Por quê você não falou com ele?

_Falar o quê? Dizer que achava ele um grande poeta? Pedir um autógrafo? Tietar o cara dentro da loja dele?

_E por quê não? Quem sabe ele não dava um desconto no vaso?

_Sei. Eu recitava uns versos do cara e pedia um desconto! Mas que idéia!

_Estou só brincando, eu sei que você é incapaz de puxar conversa com as pessoas.

_Êpa, de repente entrei na berlinda. Nada disso, eu converso numa boa com qualquer ser humano.

_Então vamos lá conversar com o poeta, quero ver!

_Vamos lá, então - eu disse. Dei dois passos na direção da loja e parei.

_Já desistiu?

_Como você consegue fazer isso? É incrível - eu disse para a minha mulher.

Eu olhei para dentro da loja e lá estava ele, o poeta da Geração do Mimeógrafo. Lia um jornal, totalmente absorto. Tinha uma cara de quem não me daria desconto nem se eu declamasse suas obras completas equilibrando pratos. Tive vontade de entrar lá e perguntar se ainda fazia poesias. Mas parecia óbvio que não.

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