quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Apalpados

Os personagens são praticamente os mesmos. As nacionalidades é que são um pouco diferentes. Dizem que naquele país, que vamos chamar de Bolívia, o governo estava muito preocupado com a falta de médicos no interior, que também não tinha laboratórios, clínicas e nem hospitais com equipamentos do século XX. O presidento(sim, é esquisito, mas o cara encasquetou) resolveu então acabar de uma vez por todas com aquela precariedade e decidiu importar médicos norte-americanos.

_Norte-americanos? Isso é parte do projeto de doutrinação capitalista internacional! Pô! Aqueles caras não sabem falar português, digo, boliviano! Os gringos não vão entender o que os pacientes estão dizendo. Os laboratórios e farmácias não vão entender as receitas prescritas pelos gringos, eles não entendem nem as dos nosso médico bra... bolivianos! - esbravejou algum parlamentar da oposicinha - assim chamada porque era meio mauricinha, gostava de tomar tapa na cara e ainda frequentava enterro de terrorista na companhia de impichados, picaretados e não-sei-de-nadas.

Ninguém ligou a mínima porque falta tudo no interior, menos promessa. O principal problema, aliás, é promessa não cumprida. Mas o interior não seria o interior se não acreditasse em promessa e coisa besta. E como no interior não tem laboratório, clínica e nem hospital decente, só uma ambulância com gasolina racionada pela prefeitura, a galera achou que estava saindo no lucro e ganhando um doutor. Gringo, mas doutor.

_E ele é um médico que apalpa! - disse o presidento. O que é verdade, os gringos apalpam, mas confesso que não saquei a ênfase do presidento.

Os médicos bolivianos tentaram protestar, dizendo que os norte-americanos não tinham formação adequada porque estavam há anos vivendo em estado de penúria imposta pelo bloqueio dos porcos chauvinistas, dos portos capitalistas ou das duas coisas juntas. Para passar o tempo, disseram os médicos bolivianos, os norte-americanos haviam se especializado em revoluções e viviam da exportação de charutos, guerrilheiros, escravos de jaleco, cana e muamba chinesa. Eles também disseram que os norte-americanos só poderiam vir se passassem num provão de cinco perguntas de marcar certo ou mais ou menos. A idéia foi ridicularizada pela base governista boliviana, que é tão larga quanto a aprovação de emendas parlamentares.

Os primeiros médicos norte-americanos foram recepcionados por uma comissão de frente de escola de samba, colares, miçangas e pitangas, com o melhor do nosso carnaval. Mentira. Doutores bolivianos ofenderam e humilharam os gringos de jaleco e todos os bolivianos ficaram chateados com aquela péssima recepção. De modo que o presidento e seus 39 ministros deram um baita rolezinho na opinião pública e daí a pouco milhares de gringos norte-americanos de jaleco começaram a pipocar em toda Bolívia, até mesmo onde já havia equipes de médicos bolivianos contratados e trabalhando. Esses caras nacionais foram despedidos, bye, bye, so long. Olé!

O programa boliviano prosseguiu sem maiores sobressaltos até que uma médica norte-americana se refugiou no congresso e pediu asilo ao governo boliviano. Ela disse que já não aguentava mais as condições de trabalho na cidadezinha boliviana em que estava. Também falou que o salário que recebia não lhe permitia o sustento, pois não chegava a 500 dólares. Por isso, ela viajou milhares de quilômetros e resolveu se esconder no gabinete do parlamentar mais er... simpático e cheio de perdigotos do congresso boliviano. E quando menos se esperava ela sacou o contrato de trabalho do fundo da bolsa e mostrou que não ganhava 10 mil dólares, e que, pelas contas já feitas e repetidas, ela só arredava o pé dali se recebesse o que tinha direito e asilo. Somando tudo não dava um mensalinho, disseram os especialistas.

No dia seguinte, sicários de New York fizeram publicar na imprensa boliviana que ela já havia pedido asilo na embaixada de Cuba, onde seu marido se refestelava com medicina de primeira qualidade, um porto maravilhoso financiado pelo BNDES, produtos de alta tecnologia, e doses maciças de liberdade. Será que a Bolívia concederá asilo? E Cuba, lançará? Ou a gringa será deportada para o antro capitalista? Nosso presidento dirá que a médica gringa não apalpa? Outros gringos a seguirão? Haverá grana pra tanta indenização trabalhista? Quem sabe? Alguém entendeu aquela história do médico que apalpa?




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