domingo, 23 de fevereiro de 2014

A Arma Zeta 23 fevereiro

Manoela sobreviveu, disseram que foi um milagre. Mas Brigitte nunca se recuperou do estado de felicidade permanente. Jamais soube o que teria acontecido a Alencar. Durante pouco tempo, eu e minha família encontramos uma maneira de ajudar as vizinhas. E depois que teve alta, Manoela tratou de suplantar as dificuldades financeiras com suas habilidades: era exímia artesã, uma ourives de tirar o chapéu. Dizia que tinha aprendido tudo com o pai, agora desaparecido. Copiava, recuperava e embelezava todos os tipos de jóias e também criava peças magníficas com rapidez e qualidade. Sua fama se espalhou rapidamente e em breve, as duas deixariam de ser minhas vizinhas.

Durante muitos meses, no entanto, tentei obter de Manoela explicações sobre o que realmente havia acontecido naquele carnaval. O grande problema é que ela não conseguia se lembrar de muita coisa e qualquer esforço nesse sentido a deixava se sentindo muito mal. Ela nunca mais falaria sobre Caleb, ou contaria qualquer história da família Mondego. Ao mencionar as coisas de que me recordava, Manoela simplesmente se calava. Insistir a levava às lágrimas, era uma tormenta mental que se manifestava fisicamente. A arma Zeta e tudo o que se referia a ela era simplesmente um assunto doloroso.

Obviamente, eu jamais havia dito a qualquer pessoa uma palavra sequer sobre a arma Zeta. Ninguém acreditaria em mim. Aliás, eu também comecei a duvidar de mim mesmo na quarta-feira de cinzas, quando Manoela ainda estava no hospital e eu ainda tentava construir uma história convincente para contar aos meus pais e convencê-los a ajudar as vizinhas: a filha ferida na barriga e a mãe enlouquecida. Isso se mostrou desnecessário porque estamos tão habituados a testemunhar violências horrorosas e absurdas que toda e qualquer história é plausível. Desse modo, minha família acreditou que os vizinhos tinham sido vítimas de um terrível assalto a mão armada e tentado buscar ajuda no apartamento em frente. Versão esta que ficou registrada no boletim de ocorrência e seria repetida por mim à exaustão durante um pretenso processo investigativo. Se descobriram alguma coisa nunca me contaram, nem mesmo durante uma tarde em que fui interrogado duramente, o que me deu a certeza de que a polícia me considerava o principal suspeito do que havia acontecido com Manoela. Mas isso durou pouco tempo, um assalto parecido com o que contei aconteceu no prédio ao lado, e também em outro, e numa porção de bairros da cidade. Nenhuma das investigações sobre esses crimes, que eu saiba, produziu sequer uma única prisão.

Eu seguia com a minha vida, era o tempo de grandes mudanças. Estudos, vestibular, provas, provas e mais provas. A arma Zeta também se tornou para mim um tema incômodo para acalentar na cabeça. Num belo dia no final daquele ano, atravessei o corredor para uma rápida e tradicional visita para a família Mondego, mas não havia mais ninguém lá. Soube pelo porteiro que eles haviam se mudado do prédio naquela manhã. Fiquei entristecido, achava que merecia pelo menos uma breve despedida. Já estava chegando ao elevador quando o porteiro avisou que ela havia deixado uma correspondência na caixa de correio.

Subi as escadas correndo com a carta na mão. Entrei voando no meu quarto e me preparei para a leitura. Mais uma vez, eu pensava, agora era hora de uma boa música de background.



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