E nem precisei colar. Rá, rá! Foi isso mesmo, minha querida kombi de leitores, para surpresa da médica que fazia o exame, eu só comecei a correr na esteira na marca dos oito minutos e meio, quando ela acelerou.
_Põe a música do Senna - eu disse, começando a bater os pés.
Mas isso foi no final. Tenho mania de começar as coisas pelo final e depois repetir tudo. É um hábito que peguei no cinema. Aparece a cena clímax e depois vem o letreiro de "Seis meses antes", ou "Três horas mais cedo". Então aqui vai:
Duas horas e meia mais cedo.
Eu estacionei o carro e conferi o Ipod. Todas as músicas estavam lá. Nenhuma havia desaparecido. Aumentei o volume e desci do carro. "Walking on the moon".
Na recepção, duas moças de uniforme analisaram o recém-chegado, eu mesmo.
"Sedentário" - pensou a primeira.
"Nem pagando um milhão" - pensou a segunda, com um sorriso lascivo.
"Só se fosse para garantir a perpetuação da espécie" - eu pensei.
O bom de escrever você mesmo as historietas é que você também pode controlar o que os outros pensam, rá,rá.
Comecei com um exame geral em que respondi a umas perguntas bem monótonas, feitas por um médico monótono. Fiquei pensando que se não fosse o jaleco branco, o cara seria facilmente confundido com um fiscal de alfândega.
_Você tem alguma coisa a declarar? - ele diria.
Eu não tinha nada a declarar. Mas o sujeito não tinha nem olhado direito para mim. Então no meio das perguntas resolvi fazer um teste com o sujeito, ao responder sobre alergias.
_Sim, alergias. Tenho muitas. É complicado porque não sei o que provoca as reações alérgicas. Já fiz exame, mas é difícil. Uma vez fui internado por causa de marimbondos. Numa outra, quase morri por causa de um abacaxi. Teve também uma vez que tive uma forte reação ao comer manga verde com leite e...
_Manga com leite? - ele disse. E só então levantou os olhos e viu que estava brincando. Mesmo assim continuou antipático. Então eu também me cansei de ser boa praça, respondi tudo com sim e não e depois saí da sala. Vai ver nem era culpa do cara, era só um dia ruim para ele.
Continuei a rotina do check-up anual obrigatório do trabalho com a coleta de sangue numa outra sala. O atendente era super-simpático e me deu um monte de dicas para curar rápido a minha tosse. Ele tirou quatro ou cinco tubos de sangue e não senti nada. O sistema de seringas é bem interessante e muito diferente do que usei na última vez que doei sangue, no ano passado. Achei esse bem legal.
Na sala seguinte, depois de uns minutos de espera, fiz um ultra-som do coração. Fui atendido por uma mulher que parecia a irmã gêmea não-albina do Sivuca, muito sorridente e extremamente gentil. Essa médica me explicou como funciona o sistema de ultra-som em detalhes e depois me mostrou onde existem placas de gordura nas veias e artérias do meu coração. Os anos de cigarro deixaram suas marcas, mas não há de ser nada, é só me cuidar mais um pouco. Ela se despediu com um sorriso e se dizendo surpresa com o bom estado das minhas artérias e veias. Mas o que mais a surpreendeu foi a minha pressão 11X7.
_É muito boa, a sua pressão - ela disse.
_O meu problema é a péssima impressão que eu causo - eu disse. E ela era tão simpática que riu disso também.
Depois tive que esperar um bom tempo para a prova de esforço. Nessa hora, o Ipod se mostrou de uma ajuda inestimável, pois tive que esperar numa sala cheia de gente aguardando exames. Como se sabe, sala de espera de clínica hoje em dia é apenas um lugar cheio de gente irritada falando aos berros no celular. Aumentei o volume ao máximo para ouvir "Naive", do #The Kooks". Depois ouvi um monte de coisas, inclusive "Ave Cruz", com a Céu.
E aí, ó minha kombi, foi a vez da prova de esforço começar.
A atendente começou a colar adesivos com pluges metálicos no meu corpo. E eu comecei:
_Senhores, nós podemos reconstruir esse homem. Ele será melhor, mais forte, mais rápido, tchám, tchám, tchám, tanananan, tanananannnn...
A enfermeira parecia a Tia Avó de Eddie Murphy, sendo interpretada pelo próprio Eddie Murphy. Ela me olhou como se eu fosse uma seringa contaminada por coliformes fecais e eu tive que parar.
_Moça, você já colocou adesivos demais, agora só tem lugar na testa.
_Na testa não precisa - ela disse, bem séria.
_Oh!Que lástima - eu disse, com uma expressão de lord inglês.
E quando ela conectou todos os jacarés aos pluges, um painel num laptop começou a emitir um monte de bips e bops, além de exibir uns gráficos danados de bonitos.
_Huummmm, softare pirata, em laptop pirata, numa impressora provavelmente pirata, com tinta pirata - eu pensei. Essas coisas não se falam, é óbvio. Se fosse equipamento legítimo, não precisaria estar num laptop tão fácil de esconder.
_Hum, sua pressão é excelente, 11X7.
_Eu sei, sua amiga me disse a mesma coisa. Estou pensando em tatuar os números no meu braço, o que acha? - eu disse.
Para evitar o papo furado, a enfermeira ligou a esteira e eu comecei a andar depressa. Foi estranho, porque parecia que estava fugindo de uma sessão de sadomasoquismo, com todos aqueles piercings adesivos, andando sem camisa sobre a esteira. Aguentei firme.
Aos quatro minutos, ela acelerou mais forte, mas os meus batimentos cardíacos estavam numa boa. Aos seis minutos eu ainda estava longe de onde a enfermeira deveria me fazer chegar. Aos oito minutos ela abriu o jogo.
_Olha, nós queremos ver o coração dar 150.
_Então acelera, Ayrton!
E então comecei a correr na esteira na marca dos oito minutos e meio, quando ela acelerou.
_Põe a música do Senna - eu disse, começando a bater os pés.
_Vê se aguenta até completar dez minutos - disse Eddie Murphy, digo, a enfermeira.
_E lá vem ele, senhoras e senhores, completando com o brilho de sempre, o grande, o único, o sensacional, Ayrton Senna, é do Brasil-sil-sil-sil-sil.
_Moço, o senhor é doido - falou Murphy.
_Bolas, isso aqui não é psicotécnico - eu disse.
E esperei na sala ao lado até me entregarem um monte de exames. Brasil-sil-sil-sil-sil.
2 comentários:
Texto simplesmente fantastico...
Rafael, bem-vindo à kombi, :)
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