quinta-feira, 14 de maio de 2009

Um pouco sobre rins e dentes

Encontrei um vizinho no estacionamento do prédio onde moro. É um sujeito que tem filhos gêmeos, da mesma idade que o meu filho mais velho. Sempre achei esse cara bem arrogante, quase prepotente. Apesar da idade dos nossos filhos ser a mesma, ele deve ser uns dez anos mais velho do que eu. Mas dessa vez havia alguma coisa diferente. Só de bater o olho dava para notar. Ele parecia mais velho. Mais humilde. Lembrei que ele havia falado alguma coisa sobre uma cirurgia na boca. Alguma coisa sobre os dentes.

_E aí, como foi a cirurgia? – perguntei, depois das perguntas de praxe. E aí dei uma olhada mais atenta para os olhos e para o rosto do meu vizinho.

_Tife que tivar tovos os denves – ele respondeu, manso, derrotado. Com a voz encovada, meu vizinho me explicou que um problema ósseo prejudicou toda a arcada dentária. O dentista extraiu todos os seus dentes.

_E o fior é a denvaduva. Vão confivo uvar. Ve va anfia di fômivo – ele explicou.
Lamentei junto com ele. Quando estou doente, a pior coisa que me acontece é uma sensação de humilhação. Eu me desespero no meu amor próprio e me sinto culpado por estar doente. Sei que é ridículo, mas é o que me acontece.

_Vão vevo nava a ninvém – disse o vizinho, depois de apertar a minha mão, com um pouco de força demais.

_Isso, você não deve nada a ninguém – repeti, tolamente.

Não me sinto confortável perto de pessoas sem dentes, que não conseguem usar dentaduras porque elas provocam ânsia de vômito. Fico pensando que isso poderá acontecer comigo.

Eu me afastei rapidamente e depois entrei no elevador.

Um outro vizinho subia da garagem. Lembrei que ele havia feito um transplante de rim, no ano passado.

_Como vai?

_Tudo bem. Tudo ótimo! – ele respondeu. E os olhos dele estavam bem confiantes e felizes. Bem diferentes dos olhos do meu outro vizinho.

Quando entrei em casa, as crianças brincavam de pular de um sofá para outro, rindo feito malucas. Eu tirei os sapatos e fui para junto delas, passar de um sofá para outro. Eu também ri feito doido.

Um comentário:

Paulo Bono disse...

ainda te conto umas histórias de rins, careca.

abraço

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