sexta-feira, 22 de maio de 2009

Eu tô voltando pra casa

_Tchau, pai, a gente se vê – disse o pingo de gente, arrastando a mochila com rodinhas.

Meu filho, seis anos completos, estava decidido a sair de casa naquela manhã mesmo. Exatos dois minutos e quarenta e três segundos depois de eu ter falado em cortar o vídeo game pelo resto do sábado. Foi só o prazo de entulhar a mochila com os brinquedos preferidos, sempre mantidos ao alcance da mão.

_Tchau, filhote. Até a próxima – eu disse, fingindo não tirar o olho de cima do livro “O Motim no Bounty”, de Caroline Alexander.

_Pai, eu estou indo embora, estou falando sério.

Cortei o brinquedo porque ele havia gritado comigo duas vezes. Diversas regras daqui de casa foram copiadas dos shoppings. Duas delas são básicas. Aqui também não pode correr e nem gritar. Embora, às vezes, eu também grite. E como eu já o havia advertido na primeira vez, no segundo grito uma punição não poderia ser postergada. E o resto do sábado sem vídeo-game foi a única coisa em que consegui pensar. Quer dizer, também pensei em tapa no bumbum, mas isso é punição rara, reservada para delitos maiores e graves.

_É isso aí. Apareça outro dia, venha tomar um café com a gente – eu disse. Não sei direito o que falei. Foi uma coisa assim, sei lá, aquelas coisas manjadas que a gente sempre diz quando não é pra valer.

_ Adeus – insistiu o meu filho.

_Gudibái – falei.

Ele nem se deu ao trabalho de fechar a porta do apê. Sem tirar o olho do livro , mas sem entender nem uma vírgula do que estava olhando, eu adivinhei que ele ainda me vigiava.

_Pai, eu já vou – ainda sem olhar, eu adivinhei o lábio trêmulo, a emoção quase impossível de conter.

_Vai pela sombra – eu falei, durão.

Fletcher Christian estava fazendo o quê? Onde estava Bligh? Raios, raios duplos. Fruta-pão a bombordo. Tahiti. Como uma onda no mar. Como uma onda no mar. Nada do que foi será. Nada do que foi será.
E eu dou um pulo do sofá para encontrá-lo ainda no corredor, chorando.

_Pai, eu queria água.
Eu estendo a mão e ele a segura, com força. E enquanto ele bebe do copo de vidro de requeijão me olha desapontado, triste.

_Eu também senti muita saudade, filho.

6 comentários:

Unknown disse...

ohhh. mru filho fugiu de casa uma vez. com uma trouxinha onde ele amarrou uns playmobil...

Careca disse...

Leila, tinha uns dez alienígenas do Ben10 na mochila...

Shirley de Queiroz disse...

Lágrimas nos olhos, Careca...

Careca disse...

Shirley, deu vontade também, mas fiquei firme.

Janaína disse...

Meu sobrinho ainda não quis fugir de casa... Acho que vou morrer de catapora quando esse dia chegar, viu? Linda crônica essa, especialmente o final. Vou dizer pro meu sobrinho que fiquei com saudade também, quando o dia chegar. Valeu pela dica, Careca! Você é um pai muito legal! Abração!

Careca disse...

Janaína, grande abraço!

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