segunda-feira, 18 de maio de 2009

Segunda-feira na parede

Minha incapacidade cognitiva já foi lendária. Hoje esse problema está mais reduzido. Mas já foi monumental. Algumas coisas simplesmente demoravam a entrar na minha cabeça. Pois foi nessa época que inventamos a estória do emparedamento.

Se não me engano, a coisa começou com o Natal. Acontece que o Natal é um dos sujeitos mais simpáticos do mundo. E tranqüilo também. Além disso, é distraído. O Natal simplesmente se esquecia do que havia combinado com a gente, mesmo se fosse lembrado a cada cinco minutos. Na verdade, o Natal se esquecia mesmo das coisas que ele mesmo havia combinado.

Uma vez, num carnaval, nós resolvemos visitar o Natal na Fazenda da Família do Natal atendendo a insistentes convites do mesmo.

_Pô, Pessoal. Estou sozinho na fazenda. Venham passar o carnaval comigo, por favor! Se não der pra ficar, venham ao menos pra um almoço leve, uma leitoazinha.

Tolos. Confiantes. Ingênuos. Nós fomos. Era longe pra dedéu. Era pra lá de bem distante. E as indicações natalinas não eram muito precisas. Mas conseguimos. Um longo caminho separava a porteira da sede da Fazenda. E a fazenda aparentava estar deserta. E a minha fome era tão grande quanto a solidariedade que nos levava a encontrar um amigo, solitário, tristonho e ilhado numa fazenda gigantesca(O Natal foi meu primeiro e único amigo latifundiário!) em pleno carnaval.

Mas isso tudo mudou depois de uma curva, antes da Casa Grande. De repente, lá estava o Natal e a Família do Natal inteira e mais os maridos das irmãs do Natal, os filhos, os primos, as primas, os tios e os agregados da Família do Natal. Tinha mais gente na fazenda que em pipoca de trio elétrico da Bahia. E nós, tolos, confiantes e ingênuos tínhamos passado por lá na maior inocência, na hora do rango, para filar um almoço. É lógico que não tinha mais arroz, na panelada de arroz com pequi. É lógico que da leitoa só restava um pedacinho de pururuca crestado, uns ossos bem rapados, e uma coisa preta e incomível, grudada numa travessa engordurada. É absolutamente lógico que do feijão tropeiro só havia um leve vestígio. Só tinha laranja. Mas tinha marimbondo no pé.

_Pô, Pessoal. Vocês podiam ter avisado! – brincou o Natal.

E foi nessa ocasião que a mãe do Natal apresentou o Cabeça para toda a família Natal e agregados.

_Esse aqui é o Doutor Cabeça, excelente médico lá de Brasília! – ela disse, orgulhosa, tomando apelido por nome e nome por apelido, metonimicamente.

Mas isso foi antes do Natal se casar. Quando se casou, nós imaginamos que a coisa tomaria jeito. Pra começar, o Natal casou com uma libanesa que se chamava Natalie, o que era uma completação de nome e de personalidades. O Natal e a Natalie sempre andavam juntos, grudados. Onde um ia, o outro ia também. Eles pensavam parecido. Enchiam a cara de um jeito parecido. Estavam sempre felizes. E todo mundo adorava os dois.

E nessa época, quando quase todos estavam casados, havia sempre um almoço num boteco, no final de semana. E os amigos eram os de sempre. Um ou outro podia estar de plantão. Um ou outro poderia estar de ressaca. Mesmo assim, o índice de comparecimento era de encher os olhos dos garçons de lágrimas de alegria. Era uma galera enorme, parecida com turma de direito em Dia da Pendura, com a diferença que todo mundo sempre pagou a conta direitinho.

_Ô Natal , você emparedou a Natalie? – alguém começou. Deve ter sido o Cabeça que perguntou. Ele é que é fã do Edgar Allan Poe e do simbolismo gótico de emparedar os outros.

Pois o Natal não tinha emparedado ninguém. Na verdade, a Natalie tinha ido visitar os pais e sumiu uns tempos, antes de sumir de vez e antes do Natal se mudar para o Rio de Janeiro e começar a levar um vidão por lá.

Foi assim, então, que surgiu a expressão “você emparedou fulano?”, muito usada no início dos anos 2000, e ainda em voga em alguns círculos demodé. Eu mesmo, sempre uso essa expressão no início da semana, numa segunda-feira que nem essa. A gente parece até emparedado.

9 comentários:

pevê disse...

Ô Careca, o Natal esqueceu-se a si mesmo no sofá de casa e nem deu as caras na fazenda, vc não lembra?

Careca disse...

PV, lembrar eu lembrava, mas se eu escrevesse isso iam achar que era exagero, que eu estava de sacanagem com o Natal...mas que ele não foi, não foi.

poupadordeporra disse...

Porra careca, simbolismo gótico? Nem o Afonso Romano de Santanna conseguiu tal proeza.

pevê disse...

É, Careca, vc tem toda a razão, ninguém acreditaria... O bom e velho Natal é personagem do Sítio do Pica-Pau Amarelo (olha só o trocadilho involuntário!)... é primo primeiro do Saci, Cuca e Curupira.
Mas que existe, existe!

Unknown disse...

Careca! Finalmente fui citado nesse super blog, já tava demorando. A respeito das citações honrosas, obrigado, valeu. Mas vc cometeu um erro: eu os convidei e não fui, pra vc ver que a história real é ainda pior pra mim e mais saborosa pro escritor. Há ainda outro errinho: esse vidão estaria muito melhor se estivesse na companhia de vcs, saudades, muitas...

Careca disse...

Poupador Véi, eu nunca li Afonso Romano de Santanna. É bom ou é melhor se emparedar?

Careca disse...

PV, ele tem um monte de primos esquisitos. E nunca apresentou as primas pra gente...

Careca disse...

Grande Natal, todos estamos com saudades também, um abração!

Bob Cuspe disse...

História boa com o Natal não falta. O negócio vai ser desemparedar a galera e continuar os bons e velhos almoços de sábado...

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