quarta-feira, 6 de maio de 2009

Os melhores anos da sua vida

_O que você achou da estante ali? – perguntou a mulher.

Ele a examinou com o canto dos olhos. Ela, em geral, pedia a opinião dele apenas para descartá-la. Ela gostava de batalhas verbais.

_Ficou bacana assim. Tem bastante espaço e está bem arejado – ele disse, cauteloso.

Lá fora, os carros buzinam, impacientes, na avenida engarrafada. A rua parece um colar mal-humorado se despedaçando.

_Não está bom. Está apertado. E as cores não combinam. Além disso, os livros vão tomar muito sol.

_É, ninguém gosta de livro bronzeado – ele disse, conciliador.

De noite, quando chegou à casa, percebeu que a estante já havia voltado para o antigo lugar, dentro do quarto.

_O que achou da estante no quarto? – ela perguntou, assim que o viu na frente do computador.

_É como estava antes.

_Sim, mas o que achou?

_Ficou como antes, oras.

_Mas não ficou melhor?

_Ficou do mesmo jeito.

_Nossa, que grosso! Você fica insuportável quando está na frente do computador.

_Vai lavar uma louça, vai.

_Você é muito egoísta. E não gosta de conversar comigo.

E enquanto ela se afasta, ele olha para a janela. Lá fora, a chuva provocou um longo engarrafamento. As luzes dos carros brilham amarelas e fortes até onde a vista alcança. A avenida parece uma longa e sinuosa enguia salpicada de pontos luminosos.
Depois, com a cabeça entre dois travesseiros para abafar o barulho das buzinas, ele pensa que no futuro ainda vai achar que aqueles foram os melhores anos da sua vida.

2 comentários:

Mwho disse...

Belo texto...

Paulo Bono disse...

gosto muito da simplicidade da vida.

abraço

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