_O que você achou da estante ali? – perguntou a mulher.
Ele a examinou com o canto dos olhos. Ela, em geral, pedia a opinião dele apenas para descartá-la. Ela gostava de batalhas verbais.
_Ficou bacana assim. Tem bastante espaço e está bem arejado – ele disse, cauteloso.
Lá fora, os carros buzinam, impacientes, na avenida engarrafada. A rua parece um colar mal-humorado se despedaçando.
_Não está bom. Está apertado. E as cores não combinam. Além disso, os livros vão tomar muito sol.
_É, ninguém gosta de livro bronzeado – ele disse, conciliador.
De noite, quando chegou à casa, percebeu que a estante já havia voltado para o antigo lugar, dentro do quarto.
_O que achou da estante no quarto? – ela perguntou, assim que o viu na frente do computador.
_É como estava antes.
_Sim, mas o que achou?
_Ficou como antes, oras.
_Mas não ficou melhor?
_Ficou do mesmo jeito.
_Nossa, que grosso! Você fica insuportável quando está na frente do computador.
_Vai lavar uma louça, vai.
_Você é muito egoísta. E não gosta de conversar comigo.
E enquanto ela se afasta, ele olha para a janela. Lá fora, a chuva provocou um longo engarrafamento. As luzes dos carros brilham amarelas e fortes até onde a vista alcança. A avenida parece uma longa e sinuosa enguia salpicada de pontos luminosos.
Depois, com a cabeça entre dois travesseiros para abafar o barulho das buzinas, ele pensa que no futuro ainda vai achar que aqueles foram os melhores anos da sua vida.
2 comentários:
Belo texto...
gosto muito da simplicidade da vida.
abraço
Postar um comentário