quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A volta do Monstro do Cabide



Quando chego em casa, os dois disputam a minha atenção com todas as forças. O menino vem mostrar as novidades, um corte no dedão, um esfolado na perna. É incrível a quantidade de hematomas e feridas que ele consegue produzir em si mesmo, em apenas doze horas. A menina corre para se esconder e brincar. Ela não coleciona machucados com tanto afinco, mas também não é uma santinha.

Hoje, logo que a Patroa chegou, a menina se machucou ao tentar reprisar, com ela, a brincadeira de se esconder de quem chega. Às vezes os dois querem se esconder e fogem em disparada, ao mesmo tempo, e acabam se chocando. É uma trapalhada comum, como se fosse uma brincadeira de barata voa. Eles repetem, repetem, repetem. Às vezes, essa rotina é cansativa. Mas na maior parte das vezes, se eu não encaro como rotina, as noites passam voando.

E quando a Patroa chega, é quase impossível conversar qualquer coisa. Os dois me abandonam depressa, só querem saber da mãe. Se eu estou cansado, eu me deixo ficar abandonado, no sofá. Já faz muito tempo que desisti de ver o noticiário da TV. Prefiro ler os jornais, na Internet. Se fico sabendo de alguma notícia importante ou interessante, vou buscar o canal de notícias. Mas, em geral, se fico na frente da TV é para acompanhar as crianças, colocar um vídeo, ver um desenho ou série legal, junto com eles. O absurdamente incrível é que não me sinto infantilizado.

Mais cedo, eu estava junto com a princesa e a Patroa no sofá, vendo um filme do Teletubbies. É terrível, eu sei, mas é inevitável. Os vídeos dos teletubbies são os filmes mais baratos que os criadores de vídeos já fizeram. A certa altura, um daqueles monstrinhos fala “De novo, de novo”, e eles repetem exatamente a mesma coisa que acabaram de mostrar. Desse modo, se um filme tem meia hora de duração, na verdade ele tem apenas dez minutos de cenas originais, com vinte minutos de repetição. Um horror, mas é a melhor coisa que inventaram para dar sono no ser humano. Com apenas dois minutos de filme, a princesinha já cochilava. Mais dois minutos e ela estava completamente apagada.

Eu fiquei admirando a minha menina, que agora tem quatro anos. Ela está bem comprida e tem muita pressa para falar. Às vezes engole as palavras. E hesita em escolher o tom de voz mais adequado para conversar. Eu e a Patroa combinamos de estimular uma fala de menina, para conter a voz de bonequinha mimada e engraçadinha. Ela gosta de fazer charme e está abusando da voz de dengosa. A Patroa diz que eu sou mais condescendente com ela do que jamais fui com o filho mais velho. Talvez seja verdade. Mas não me preocupo muito com isso. Também sei suavizar um bocado com o menino. Os dois têm uma grande capacidade de captar tendências maternas e paternas. Eles gostam de testar os limites o tempo todo. Encontrar um meio termo é bem difícil, às vezes. É bem mais cômodo ficar somente no papel de durão e sabe-tudo.

Mas comodismo também cansa. Por isso, depois de várias semanas sem aparecer, hoje eu trouxe de volta o Monstro do Cabide. Eu coloco um cabide nas costas, debaixo da camiseta, apago a luz e vou andando feito uma múmia manca pelo apartamento:

_Eu soou o moooonnnstro do cabiide. Do cabiiiiiideee!

E eles adoram fingir que ficam com medo. E depois correm feito zebras. Até que realmente ficam com medo, especialmente a menina, e então eu paro. Acendo a luz, tiro o cabide das costas, pisco os olhos com força e faço como o Doutor Banner, depois de deixar de ser o incrível Hulk:

_Nossa, onde estou? O que aconteceu? De quem será esse cabide? E o que ele está fazendo na minha mão? Será que esse cabide serve nas minhas costas, dentro da camisa? Será? Deixa eu ver. Oh, não! Estou me transformando! Será que vou virar monstro novamente? Socorro! Help!

E os dois desaparecem rapidamente enquanto apago a luz e digo, com voz bem cavernosa:

_Eu soou o moooonnnstro do cabiide. Do cabiiiiiideee!

Eu sou pior que os Teletubbies. Eu repito sem que eles digam “de novo, de novo”. E as noites passam voando, voando.

4 comentários:

Rodrigo Carreiro disse...

Tenho certeza que suas histórias e brincadeiras são melhores que Telletubies. Aquilo lá é bobo demais, mesmo pra criançinhas.

Anônimo disse...

Adorei a dica, vou brincar de "monstra" do cabide com meu sobrinho. Só que ele ainda tem 2 aninhos. Será que é muito cedo? Ele vai me odiar se ficar com muito medo? Abraços!

Cau. disse...

Que delícia brincar assim!
Tenho uma sugestão para uma brincadeira ótima: brincar de imaginar coisas invríveis e inexistentes!
"E aí, quando eu for pra escola, a escola vai ser uma piscina, é, de gelatina, e os professores vão usar uns óculos de madeira..." (??)
AS crianças são ótimas nisso..

Careca disse...

Cau, a sugestão parece boa, vou experimentar e depois digo como foi.

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