segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A primavera obscena do Careca



A ilustração acima sempre me vem à cabeça na primavera. Achava que tinha sido um colega de classe que inventara. Ele desenhava a silhueta feminina, colocava o V e depois finalizava com ERA. Na minha cachola, essa ilustração era uma alusão direta a Vera Fischer, a musa de todos nós, os seres humanos do sexo masculino. A Vera Fischer, a Luiza Brunet, a Isadora Ribeiro eram uma espécie de triunvirato da imaginação masculina naquela época. Outras faziam sucesso, também. Mas as três eram campeãs meio imbatíveis da minha seleção de musas juvenis, os anjos azuis dos meus sonhos de adolescente.

Pode parecer estranho que um filme de 1930, Der Blaue Engel, tenha aparecido de repente na minha cachola. Mas lembrei que em uma das cenas do clássico com Marlene Dietrich, um dos alunos do Professor que fica maluco tira uma foto do Anjo Azul de dentro do livro e sopra as peninhas que cobrem as partes pudendas de Marlene. Não se vê nada na tela, pois um corte de montagem mostra o rosto do aluno se deliciando com a imagem da moça do cabaré. Em seguida, pelo que me recordo, o Professor toma a fotografia do aluno para logo depois também ser hipnotizado pela fotografia. Lembro pouco desse filme, que aluguei em VHS há muitos e muitos anos. Lembro pouco da minha juventude. E geralmente não gosto de me lembrar dessa juventude e das suas primaveras.

É primavera. O Anjo Azul foi o único livro que tentei ler em alemão. É óbvio que não consegui. Acabei lendo em inglês. Eu estudei um ano no Goethe Institute, no período noturno, mas não consegui avançar muito. Foi uma época conturbada do início da minha vida adulta. É estranho como alguns períodos da vida da gente simplesmente desaparecem da memória. Nessa época eu queria fazer tantas coisas ao mesmo tempo que não conseguia fazer nada. Embora eu ainda seja um pouco assim. Eu queria, mas me esforçava apenas o necessário para não fracassar. É óbvio que isso não era o suficiente. Hoje, o alemão ainda parece uma língua decifrável para os meus ouvidos. Algum dia tentarei reaprender.

Muitos anos depois eu vi uma outra pessoa desenhar esse mesmo desenho daí de cima. E essa pessoa jurou que havia visto o próprio pai desenhar esse desenho e copiado a idéia. Depois, vi muitas outras pessoas fazendo o mesmo desenho. Mesmo assim, minha memória teima em apontar como autor original do desenho um amigo que nunca mais vi. Lembro daquele dia, na escola, quando ele caminhou até o quadro-negro e riscou com um giz amarelo esse desenho. Lembro também que ele me deu o giz amarelo e que logo em seguida todos voltaram repentinamente do recreio.

E só porque eu estava com o giz amarelo, todos pensaram que o desenho tinha sido feito por mim. Lembro que esta foi a primeira vez que fui obrigado a ir conversar com o responsável pela disciplina, o Irmão Hilário. Era um religioso que tinha esse nome, mas não era nada engraçado. Esse cara era um campeão de lançamento de perdigotos, era uma espécie de bedel da escola. E lembro que foi a primeira e única anotação que recebi na minha caderneta de estudante. Dizia que eu era sujeito a devaneios e tinha sido apanhado a desenhar obscenidades.

Precisei roubar uma gilette do barbeador do meu pai, daqueles de metal, de enroscar. Com todo o cuidado do mundo, eu gilettei uma única folha da caderneta. Naquela época, todos os alunos da escola tinham uma caderneta com foto, calendário para carimbo de presença, anotações, hino da escola, hinos diversos e mensagens. O corte ficou quase imperceptível. Depois eu peguei a página recortada, um pequeno retângulo, e queimei. Durante muito anos, fiquei sem desenhar obscenidades. Durante muitos anos fiquei sem desenhar nada.

10 comentários:

Unknown disse...

Careca,
Este é, de fato, O triunvirato. Não aquele dos livros de história, mas aquele que fez parte da formação do nosso imaginário masculino. A este time, e obviamente com menos estrelas, incluiria a Angelina Muniz, Matilde Mastrangi - Sala Especial! - a Xuxa do Pelé, a Luma, Cristiane Torloni, Monique Evans, Magda Gotrofe... As mulheres de papel, a miopia adolescente e o brilhantismo de nossas mentes!
E o mais divertido é que descobrimos, mais tarde, que as mulheres verdadeiras é que são as musas de nossas vidas, de nossa arte...

Rodrigo Carreiro disse...

Eu até hj não desenho nada. Tenho vergonha, pq meus traços são tão absurdos, que parecem feitos por uma criança de 2 anos de idade. Esse é meu trauma.

Anônimo disse...

Aposto que você aprendeu com seu irmão essa coisa de cortar a página da caderneta com lâmina de barbear! rsrsrsrs... Puxa, na minha época, nossos musos eram os camaradas do seriado Chips. Esses tempos vi Erick Estrada (o policial moreno) como está hoje e quase caí de costa. Suas musas, pelo contrário, continuam inteiraças. Você tava bem de musa, não? Abraços.

anna disse...

acho que a adolecência não é um período legal prá ninguém.
tenho péssimas lembranças. eita sensação de inadequação constante. a alma era estranha ao corpo e vice-versa.
a única vez que fui suspensa na escola, foi porque uma bedel, tão mal amada como seu padre aí, cismou que eu estava dançando no hino nacional.
eu... super careta, tímida, que preferia ser transparente a maior parte do tempo!
como disse um psiquiatra, a adolescência, para os próprios ou seus pais, é uma doença que começa aos treze e termina aos 16.
ufa!

Paulo Bono disse...

pô, Careca. Vera Fisher! Nem me fale!

Careca disse...

PV, sim, todas essas entrariam no time, com certeza. Acho que todos temos um pouco do que foi descrito no magnífico O Complexo de Portnoy.

Careca disse...

Rodrigo, meus desenhos também parecem ter sido feitos por uma criança de dois anos, mas eu acho ótimo!

Careca disse...

Janaína, estou. Continuam musas. Abçs,:)

Careca disse...

Anna, que coisa! É engraçado como os meus piores vexames aconteceram nessa época. Só lembro de ridículos, de me sentir traído e ferido por ser inocente.

Careca disse...

Bono, tenho um autógrafo e uma marca de beijo de batom da Vera Fischer num guardanapo. Jantei uma vez com ela e toda a trupe de uma peça de teatro, aqui em Brasília. Foi uma das melhores noites da minha adolescência.

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