quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Mais uma que não venci



De vez em quando eu recebo umas demandas estranhas, de responder coisas que não sei. Às vezes é uma pergunta. Já disse aqui que não sou de deixar pergunta sem resposta. Outras vezes, não são perguntas no sentido exato da palavra. Muitas vezes nem chegam a ser orações, frases com verbos. Não são frases que terminam com interrogação. São mais frases com reticências, daquelas convidativas, como se fossem espaços pontilhados para a gente completar com a palavra que fizer mais sentido. Existem pessoas mestras em fazer esse tipo de frase. E no trabalho, todos os meus Chefes e Chefas parecem saber fazer essas frases.

Aliás, parece que é isso que distingue as pessoas entre Chefes e Índios. Se você é capaz de fazer uma ou mais pessoas se darem ao trabalho de completar suas frases, você é Chefe, poderá se tornar um Touro Sentado. Agora, se você não passa de um mero completador de frases alheias, você sempre será um Caiapó Nhá-nhã-nhãin Renegado, sujeito a ser queimado num ponto de ônibus.

Não pense que é fácil deixar frases por completar. Em primeiro lugar, isso exige uma capacidade de embromação fantástica. Em segundo lugar, nem tem segundo lugar. Além de embromar (verbo que vem do bromato de potássio, a química que faz o pão inchar) legal, o ser humano que faz os outros completar suas reticências tem que exercitar algum tipo de poder. Esse poder pode ser qualquer tipo de poder. Tende a ficar mais poderoso o Chefe que exercita diariamente seus Índios na arte de completar frases, ainda que mal ajambradas Para ser perfeito, esse exercício deve começar como se o Chefe ou Chefa não quisesse nada, só bater um papo. A título de conversa mole, o Chefe ou Chefa começa a falar uma coisa qualquer e deixa essa coisa no ar, pendurada numas reticências. Essa coisa deve parecer complexa, mas na verdade ser bastante simples. De preferência deve-se começar por nomes de pessoas, filmes, artistas ou diretores de cinema que todo mundo conhece. Exemplo: Rapaz, outro dia eu vi um filme sensacional do Fernando ..........., aquele, que dirigiu Tropa de .......... .

E aí, para preencher os espaços em branco, o Chefe ou Chefa deve olhar para os outros Índios com aquele olhar entre o desprezo e essa-é-a-sua-chance-de-manter-o-seu-emprego e esperar a resposta certa. Eu não resisto. Eu caio nessa jogada todas as vezes. Eu fico olhando para os outros Índios começando a suar e quando percebo estou abrindo a boca, com as respostas em cada espaço vazio. E o meu problema não é esse. Não é cair nessa jogada. Quem está na chuva é para se molhar, então eu falo mesmo. O meu problema é que eu falo em primeiro lugar, como se estivesse no programa “Qual é a música?” , tendo que dar a resposta com apenas três notas, valendo todo o cacife. E falo bobagem.

E ultimamente, isso vem ocorrendo no trabalho, por causa de um sujeito que eu vou chamar aqui de Ronnie Von. Pelo que sei, o Ronnie foi o mega super campeão do Qualé a Música?, do Sílvio Santos. Pois no trabalho, esse Ronnie está quase sempre ao meu lado quando o Chefe começa o seu exercício matinal de fazer com que nós, os Índios, completemos frases geniais antes de seguirmos para os cubículos. Essa, aliás, é uma boa rotina para uma organização. É tão boa quanto ginástica forçada, tai chi chuan e eletrochoque. E ultimamente, Ronnie tem sido mais rápido e mais certeiro do que eu. Em todo e qualquer assunto. Até nas frases de aquecimento do Chefe.

Por conta disso, pretendo mudar o meu consumo de leituras e ouvituras. Vou procurar ler o que o Chefe costuma ler e me ligar alguns temas e sons. Mas não vou aderir a tudo, como já percebi que o Ronnie fez. Jamais hei de preferir câmbio automático. Não curto times do interior paranaense. Não entro em fila do Almodóvar. Não me meto a falar latim. Detesto expressões chulas em inglês. Paciência. Não se pode vencer todas.

4 comentários:

Rodrigo Carreiro disse...

Não faça isso mesmo não, careca. Você vai ter que ler "O Monge e o Executivo", ai já é demais.

franka disse...

nossa careca, nunca tinha pensado nisso. que incrível essa coisa que cê notou sobre o poder.

Careca disse...

Rodrigo,é demais mesmo. Mas tem um de samurais e ninjas que dizem que é ótimo.

Careca disse...

Franka, a coisa mais incrível sobre o poder é descobrir que um monte de outras pessoas mandam em você, que não manda em quase ninguém.

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