quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A máquina de costura da Patroa



Um dia um amigo me falou que eu escrevo muito pouco sobre a Patroa. E escrevo muito sobre mim. É verdade. E vai continuar sendo assim. Eu tenho muito ciúme da Patroa. E, estranhamente, não tenho ciúmes de mim. Por isso, foi com relutância que eu escrevi o título acima, que trata de um objeto de consumo da minha companheira, mãe dos meus filhos e mulher da minha vida, a Patroa. Acho admirável a capacidade que ela possui de não ligar muito para os meus defeitos. Mas uma vez eu abusei. Estendi uma caneta e uma folha de papel A4 para ela e falei para ela escrever todos os meus defeitos ali. Depois de meia hora de intensa atividade, quando eu já tinha esquecido do meu próprio pedido, ela se aproximou com a folha totalmente preenchida, frente e verso.
_Acho que eu vou precisar de uma resma – ela falou. Gostei tanto que me casei com ela.
Uma resma. Rá! E eu nem tenho tanto defeito assim. É verdade que estranhei o estranho senso de humor da Patroa. Meu cartão de vacinas, por exemplo, ela só havia pedido para dar uma olhada uma única vez, até uma semana antes do casamento. Achei legal da parte dela. Mas na véspera de casar ela se aproximou de mim, quando eu revisava a lista de convidados pela nonagésima vez, e perguntou se eu havia me lembrado de tomar a vacina de febre amarela. Como eu disse que não, ela fez uma cara terrível e depois falou para mim:
_ Então cancela tudo, não vou mais casar! Você nem é vacinado! Onde já se viu, eu, casar com um cara que não é vacinado contra a febre amarela?! Nem pensar! Vamos cancelar!
_Você está falando sério?, eu perguntei, cauteloso. Eu tinha acabado de encontrar um tio, o Tio Alaor, que não havia recebido nenhum convite. E nem dava tempo de mandar mais. Talvez fosse bom nem mencionar. Afinal, o tio era dela. E foi o primeiro japonês com o nome de Alaor de que tive notícia. E ela estava querendo cancelar o casamento.
_Não, claro que não. Depois da lua-de-mel você vacina, bobinho! – ela disse, só para me tranqüilizar. Na verdade, por precaução, eu me vacinei contra a febre amarela um pouco antes da noite de núpcias, depois de contar a ela que foi impossível encontrar o Tio Alaor.
_Por que você não me disse antes?! – ela perguntou, furiosa.
_Porque eu não achei importante, amorzículo!
_Não achou importante? Não achou importante? Eu deixei a vacina da febre amarela passar e você vem me falar que o meu tio Alaor, o melhor tio do mundo, não é importante? Cancela!
_Benzinho, veja bem...
Anos e anos de estudos profundos da cabala, dos discursos de Rui Barbosa, das canções de Raul Seixas e do hermetismo da canção “Na Tonga da Mironga do Kabuletê” me auxiliaram naquele momento. Mas eu só consegui convencê-la a não cancelar tudo porque fui até a clínica de vacinas, me vacinei e mostrei o cartão de vacina. Lá em casa tem poucos quadros, um deles é o cartão de vacinas, que mandei emoldurar. Desde aquele dia, que está gravado na aliança, na certidão de casamento e que eu vivo escrevendo na palma da mão para acessar a conta do banco, eu soube que o casamento é uma coisa estabelecida sobre respostas certas para as perguntas mais cabeludas que você possa imaginar.
A Patroa também é a única mulher que não se importa de dividir um hambúrguer comigo, inclusive a parte que eu cubro de maionese, ketchup e mostarda. São essas pequenas coisas que fazem a diferença num relacionamento. Outra pequena coisa grande, eu descobri agora, depois de mais de dez anos de casado: a Patroa gosta de costurar. É sério. E para comemorar essa gostação de costura, as habilidades de haute couture, essa vocação pret a porter, ela resolveu comprar uma mini-máquina de costura. É bonitinha a maquinazinha. Mas faz um barulho infernal. Agora, por exemplo, eu estou aqui, fazendo o meu teléco, teléco, teléco para o blog. E a Patroa ganha longe com o barulho de big bang que a maquininha faz. Um dia, tenho certeza, meu teclado e aquela máquina estarão ali, lado a lado, dividindo a parede com o cartão da vacina contra a febre amarela, perfeitamente emoldurados. E aqui em casa, eu digo em alto e bom som, ninguém costura pra fora.

10 comentários:

Anônimo disse...

12 anos de convivência, dentre eles, 8 anos de casada. Pouco, mas neste curto espaço de tempo eu procurei ensinar pra ele as respostas que as mulheres querem ouvir.Obviamente, nenhuma admite, mas é isso mesmo. É, a vida parece ser mais simples assim.É engraçado quando ele quer me passar a perna, tentanto um golpe que eu mesma ensinei...rs.Aí eu finjo que nem sei e ele finge que dá conta da parada...rs. Somos amigos. E hoje ele consegue dar nó em pingo d'água em se tratando de suas irmãs e mãe.
Achei muito lindo sua declaração pra Patroa.
abração

Anônimo disse...

Sabe Careca eu gosto de declarações assim, sem aquele eu-te-amo-que-já-perdeu-o-sentido-faz-tempo.

Quem sabe vc e a patroa não vão estrelar a nova versão do Casal 20?

Chris

Paulo Bono disse...

a patroa...ah, a patroa.
é difícil mesmo falar da patroa.
grande abraço, careca

Mwho disse...

Careca,
Melhor que emoldurar é plastificar o cartão de vacinação!
Abraço,
Mwho.

Anônimo disse...

Patroa é uma moça de sorte... você até me fez pensar, por poucos minutos, que casamento é algo que dá certo! Parabéns pelo texto e pelo casório. Mesmo o conhecendo apenas pelo blog, pelo que você conta aqui, posso dizer que casais como vocês são raridade. Vou ver a dica kerriana do feriado em dia normal. Valeu! Abs!

Careca disse...

Janaína, confira a Kerry. É uma página de livro dela. Um abração,

Careca disse...

Mwho,emoldurei há dez anos. O bom de plastificar é que pode cair na água que não tem problema, né?

Careca disse...

Bono, é tão difícil que eu nem falo. Abração,

Careca disse...

Chris, não dá para fazer versão mais nova comigo. Eu só posso fazer versão de mais de quarenta...
Um abraço,:)

Careca disse...

Uai, estamos quase empatados em tempo de casório. Mas ainda estou longe de dar nó em pingo dágua nas mulheres da família. Finjo muito mal. Grande abraço,:)

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