quinta-feira, 2 de maio de 2013

O efeito Koulechov



Ella Fitzgerald - Manhattan


No início do cinema, Koulechov fez um teste para observar como uma platéia reagiria a um determinado tipo de edição. Ele produziu três pequenas cenas e ao final de cada projeção, pediu para que o público comentasse a interpretação do ator em questão. Todas as cenas eram formadas pela mesma estrutura, uma cena curta, um corte seco, outra cena curta.

Na primeira edição, um prato de sopa era exibido e em seguida a projeção mostrava o rosto de um ator. Ao descrever a cena, os espectadores enfatizavam o olhar faminto do ator e como sua interpretação sugeria que estava com fome. “Que ótimo ator - diziam - ele dava mesmo a impressão de estar faminto.”

No segundo trecho editado, via-se uma menina numa mortalha branca com um ramo de flores, deitada num caixão. Em seguida, via-se o rosto do ator. A platéia descreveu o olhar do ator como triste e desolado, transmitindo a grande dor que parecia devastar o seu semblante. Emocionante e tocante foram adjetivos muito usados para qualificar o trabalho do ator.

No terceiro trecho, a tela mostrava uma bela mulher em pose lânguida sobre um divã e em seguida o rosto do ator. A platéia descreveu o olhar do ator como o de um homem apaixonado. Houve quem dissesse que o sujeito não conseguia esconder o desejo ardente que sentia pela mulher.

A cena do rosto do ator era exatamente a mesma nas diferentes projeções. Ao gravar a cena com o ator, Koulechov o instruiu especificamente para ser neutro, não lhe fornecendo qualquer pista sobre a montagem ou o teste que faria e muito menos para transparecer fome, luto ou luxúria. Fosse nos dias de hoje, Koulechov diria “faz cara de paisagem”.

Com o teste, Koulechov constatou que a platéia “viu” emoções na justaposição de imagens e atribuiu diferentes sentidos à inexistente expressão do rosto do ator por mera associação de imagens.

A partir daí, os teóricos da montagem cinematográfica foram mais longe. Eles perceberam rapidamente que não somente a justaposição era importante, mas que diferentes emoções poderiam ser despertadas a depender da forma como era feita a transição entre as diferentes tomadas de cenas. Anos depois, Hitchcock sintetizou tudo dizendo que a essência do cinema não era bem o “cutting” , era o “assembly”. “É como criar um mosaico num buraco vazio” – ele disse.

Vejo com tristeza que muitas pessoas acabam por acreditar na montagem que vem sendo exibida há anos. Nossas estradas e a infra-estrutura do país estão em frangalhos. Nosso cipoal jurídico continua embaraçoso. Os administradores do governo continuam a gastar muito e muito mal e os governantes estão longe de ver nisso um defeito. Além da corrupção endêmica que rouba muito dinheiro, nossas prioridades foram trocadas, entre outras, por gastos imensos com estádios irrelevantes, com setores que estão nascendo há 100 anos, com estradas que não ficam prontas, com metrôs que nunca funcionam e com transposições que acabam se perdendo em meio às secas. Premia-se o compadre, só quem se dá bem é o cupincha, há muito se perdeu a noção de mérito. Quase nada ou nada melhorou na educação, saúde e segurança pública, mesmo assim, uma porção de pessoas vem a público para cantarolar que beiramos a perfeição. O “assembly” dos poderosos continua a impor associações de idéias perniciosas e nefastas. Estamos muito longe de um final feliz.

Nenhum comentário:

Frase do dia