terça-feira, 16 de outubro de 2012

Resgatando o Sortudo

No domingo meu irmão me ligou e pediu para ir a Vicente Pires ver um cachorro de cinco meses. O bairro fica entre a Estrada Parque Taguatinga e a Avenida Estrutural, bem em frente a Águas Claras. Eu estava no Guará, bem pertinho. Fui com um dos cunhados, que a área tem fama de ser barra pesada. Meu irmão passou umas indicações legais, mas depois de dez minutos rodando em Vicente Pires meu cunhado chegou à conclusão de que estávamos perdidos e que seria melhor ver se encontrávamos um Chapa ou perguntássemos para alguém.

_Não, está tudo bem. Acho que estamos quase lá - eu disse.

_Qualé, Careca? Vai me dizer que está com vergonha de perguntar pra alguém? - disse o meu cunhado.

_Não é isso. É que estou com a sensação de que vamos achar a Rua 8 logo, logo.

_Está de sacanagem? Tem vinte minutos que estamos rodando nessa área. Já atravessamos Vicente Pires, não percebeu? Ali é a Es-tru-tu-ral.

_Rapaz, não é que é mesmo! Bom, vamos voltar.

_Não, senhor. Não, senhor. Vamos pedir informação.

_Então pergunta praquele brother ali, ó, aquele da cor do ministro fodão que está botando pra quebrar no mensalão. Ê, cabra bom, aquele ministro!

Meu cunhado perguntou o endereço para o brasileiro, que não só sabia onde era como estava indo para lá pertinho naquele instante e será que vocês poderiam me dar uma carona?
Diante de nossas caras de paisagem, o cidadão levantou a camisa, girou um giro de 360 graus em câmara lenta e disse que era de paz, honesto, pai de família e trabalhador. Pra falar a verdade, eu já havia engatado a primeira e estava preparado para uma superarrancada no melhor estilo frita pneus de filme de gangster, mas a demonstração de que não havia porte de arma branca e nem de fogo foi convincente, relaxei mesmo, a polícia civil continua em greve há mais de setenta dias, então todo cuidado é pouco. Pedi para o cunhado ir para o banco de trás e o brother ficou no banco de passageiro, ao meu lado. O meu cunhado é quase uma moça de gentil, mas é grandalhão e vi que o brother demonstrou o adequado respeito ao tamanho dos outros. Em cinco minutos, achamos a Rua 8. O brother se despediu, agradeceu e apontou para a direção a seguir. Em dois minutos estávamos na frente do condomínio.

_Esse cachorro é de qual raça? - disse o cunhado.

_Boxer - eu disse.

_Mas você não tem um shi-tzu?

_Tenho. É da minha filha. O boxer é para o meu pai.

_Mas seu pai já não tem um boxer?

_Tinha dois, mas morreram de leishmaniose. Agora ele tem um dobberman.

_Vice!

_Pois é, o boxer vai fazer companhia para o doberman.

_E o seu pai?

_Que que tem o meu pai?

_Ele quer ter dois cachorros?

_Para ele, dois é melhor do que um - eu disse.

_E pra você?

_Mesma coisa, mas já temos dois bichos. Tem o Rafa e a Beta.

_Uma cadelinha?

_Não, é um peixe beta, cor-de-rosa. Não temos nem certeza se é fêmea.

_O nome Beta é abreviação de Bethânia?

_Não, é corruptela de analfabeta, porque ela não sabe ler nem escrever.

_Engraçadinho.

_Olha lá, deve ser o dono do boxer, vai abrir o portão, finalmente.

O dono do boxer trouxe o animal pendurado num dos braços. Era bem miúdo e estava bem assustado. Fiquei com dó do bicho. O dono disse alguma coisa sobre uma pessoa que havia desistido do boxer, no final de semana anterior.

_O elemento me fez perder o dia inteiro e, no final, nem quis levar o cachorro. Espero que vocês não me façam desfeita. Eu deveria estar descansando porque amanhã cedo tenho que estar de prontidão.

_A gene pode ver os pais do boxer? - eu disse.

_Claro, claro. Olha aqui o cartão de vacinas, ele tomou todas, só tem duas atrasadas. Mas é um cachorro muito bom, come de tudo, não tem frescura.

O bicho continuava bem assustado. Os pais também eram miúdos e desajeitados. Havia também um casal de poodles, um fox paulistinha, um vira e um lhasa gigantesco com laços cor-de-rosa.

_É coisa da minha mulher - disse o dono do boxer.

Eu ia aproveitar a deixa para inventar uma desculpa e sair sem levar o cachorro. Eu diria que a minha mulher certamente desaprovaria a compra, uma coisa assim, mas olhei de novo para o boxer e fiquei mesmo com muita pena do animal. Ele tremia encostado a uma grade, todos os outros cães latindo alto, sem parar.

Já se passaram dois dias, mas Lucky, o pequeno boxer, continua com muito medo da gente. Ele só estica o corpo e fica saltitando como todo filhote quando não existe ninguém por perto e ele não percebe que estamos olhando.









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