segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Careca entende um poema de Drummond

Durante algumas semanas minha unha do pé direito ficou me incomodando. Tentei todos os remédios caseiros e fiz muitos esforços pedicurísticos, mas nada funcionou. Hoje, quando fui pagar o estacionamento no shopping, passei em frente ao enorme placar do Dr. Feet e na hora meu dedão latejou. Era um sinal, dos doloridos. Tratei logo de entrar no podólogo.

Sim, é verdade. Sempre tive muita curiosidade para entrar no podólogo, mas nunca entrei antes porque as pessoas certamente iriam comentar:

_Lá vai um cara com chulé!

_Lá vai um cara com frieira!

_Lá vai um cara com pé-de-atleta!

E nenhuma das três alternativas está correta. Eu tenho é unha encravada e todo mundo sabe que isso não tem cura. Quero dizer, vai ver até que tem cura, mas ninguém da minha família acredita nisso. Não, senhor. Na minha família, as unhas encravadas são mais cultivadas que dor-de-cotovelo. Todos os homens têm e algumas mulheres também, embora não assumam. São dores quase secretas, curtidas no aconchego do lar, entre alicates, tesourinhas e água oxigenada. São especiais, não é coisa para se mencionar numa conversa com estranhos. E mesmo em família, as proezas encravadas só são mencionadas entre cochichos, até por respeito à dor alheia. Uma vez, no enterro de um tio meu, por exemplo, um primo mereceu reprimendas generalizadas por fazer alarde da unha encravada.

_Você viu o Carlaile?

_Vi, o exibido. Enrolou o dedão com gaze e esparadrapo.

_Isso não se faz. Uma coisinha à tôa daquelas.

_Pois é, estou com dois dedões em muito pior estado.

_E eu? Só tenho um mindinho bom. E estou de sapato bico fino.

_Eu nem fiz curativo nem nada, meus pés estão em brasa.

E por aí afora. Naquele dia eu também conversei com o meu primo.

_Carlaile, que exagero de curativo!

_Nada, primo, precisei levar três pontos.

_Mas para usar chinelo o mínimo é cinco pontos, você sabe.

_Nada disso, no ano passado o Ivo Júnior andou de chinelão exibindo o dedão operado e nem tinha levado pontos.

_Não era caso de unha, era dedo quebrado, é outra coisa.

Mas não teve jeito. O Carlaile não quis ouvir ninguém. Por isso, ninguém achou ruim quando o Ivo Júnior pisou no dedão do Carlaile "sem querer" e com rodada, ou meio giro de sola. O enterro ameaçou virar pancadaria mas as minhas tias foram logo pisando nos dedões dos mais alvoraçados e todos se aquietaram.

De modo que ali estava eu, de frente para o Dr. Feet, pensando em tudo isso e sentindo o dedo doer. Pensei, refleti muito e resolvi mandar as doloridas tradições familiares para o inferno.

Durante a sessão, a moça teve que pedir candidamente, quatro vezes, que eu não tentasse tirar o pé durante os procedimentos.

_Moça, eu não estou tirando o pé, estou tentando tirar o dedo!

Mas como ela estava armada com um bisturi, acabei cedendo aos argumentos. Portanto, aqui estou, minha querida kombi de leitores, livre da minha unha encravada. Ela agora é como aquela foto na parede do poema do Drummond. Estou com o pé pendurado. E até quando eu como, dói.

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