quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Touca de banho

Fiscal de farmácia, guarda de trânsito e enterro de anão a gente vê todo dia, toda hora. Por isso, não sei se vou conseguir me adaptar. Daqui a seis meses, as farmácias serão diferentes, graças a uma nova disposição da agência de vigilância da nossa saúde. Aqueles caras sim, são bons de vigiar. Vejo montes desses fiscais todos os dias, nas periferias das farmácias, assobiando, tentando disfarçar que estão fiscalizando. Todo farmacêutico sabe que eles estão ali por perto. Eles vigiam mesmo. Especialmente para ver se a lei que obriga a apresentação de receita para remédio com receita é cumprida. Coisa que toda farmácia faz, é claro, pois senão todas seriam multadas. Os fiscais ficam ali, de mutuca, só observando a freguesada chegar e pedir remédio de receita, sem receita, e a turma vender. Basta o balconista se distrair e esquecer de pedir a receita que o fiscal já pula em cima do balcão e aplica multa, quer lacrar balcão, o escambau. Já vi muito.

E agora vai ter ainda mais. Pelas novas regras, as farmácias não poderão colocar os medicamentos de venda livre nas gôndolas e prateleiras, ao alcance dos consumidores. É óbvio que essa regra será cumprida na íntegra, duela a quem duela. Esses fiscais, que existem aos milhares em cada cidade desse país, estarão vigiando as farmácias e os consumidores espertinhos, que quiserem tocar nas embalagens ou que se meterem a besta e quiserem ler as coisas que os laboratórios são obrigados a informar, por causa de outra lei.

Isso vai acabar, é lógico, tinha que acabar mesmo. Agora só para dar uma olhada na embalagem de uma Cibalena qualquer o sujeito terá que pedir a um farmacêutico juramentado do outro lado do balcão. Para saber pra que serve um Commel, o cidadão terá de pedir permissão ao balconista depois de pedir benção ao doutor.

_Ô amigão, deixa eu ver aquele remedinho ali, meu filho, aquele da embalagem mais colorida, estilo Hercovitch. Não, essa embalagem daí é mais pra Denner, Clodovil. É o outro. Mas essa anta não entende nada de griffe medicinal, que horror!

Uma amiga minha, que é também consumidora inveterada de remédios legais e contrabandeados, garrafadas milagrosas e rezas brabas, gostou particularmente dessa parte da nova regra.

_Tudo isso está certo, é porque eu e o povo brasileiro temos mania de remédios e os nossos legisladores e vigilantes resolveram cortar o mal pela raizeira, que é a prateleira da farmácia. Sim, senhor.

Sobre a restrição ao acesso, o assunto promete seis meses de polêmica, até a coisa pegar pra valer. Tem gente que gosta. E tem gente que acha ruim.

_Careca, era uns nomes difíceis, que ninguém conseguia ler, parecia alemão. Então é melhor parar com isso e conviver com as contra-indicações e efeitos colaterais – comentou um colega meu, exímio conhecedor de cerveja, consumidor eventual de dramines, xaropes e relaxantes.

Isso me deixa profundamente deprimido. Eu gosto de ficar perto das prateleiras de remédios sem receita, daqueles para dor de cabeça e resfriado, por exemplo. Acho as embalagens bonitas. Gosto dos displays, dos slogans bem bolados, do aproach. Mas é a modernidade. Fazer o quê? Aqueles emplastros, água oxigenada, methiolate, sonrisal, pomada para assadura, hipoglos, epocler e sal de fruta serão coisa de um passado remoto. Isso é muito bom, porque eu vivia fazendo estoques dessas coisas em casa. Eu e as torcidas dos maiores times do Brasil mantemos boticas e farmacinhas em casa dessas bobagens à toa, é lógico, porque as filas de hospitais públicos, conveniados e privados acabaram oficialmente no Brasil tem bem uns sete anos.

E depois a nova regra não fala só de avançar o balcão da farmácia. Ela também diz que as farmácias só poderão vender remédios ou coisas ali, das vizinhanças, tipo mamadeira e fralda descartável.

É porque as farmácias e todos nós já estávamos abusando, não é mesmo? Tinha lixa de unha, cosmético, alicate, esmalte, tinta de cabelo, aparelho de barbear, camisinha, melzinho, mel com própolis e bucha de banho. E nada disso é medicamento, gente. Olha só. A gente entrava na farmácia com o dinheiro contado para comprar os remédios e torrava tudo com essas bobagens que ficavam expostas nas prateleiras. E a gente nem se dava conta disso , né?

Temos de tirar o chapéu para esse pessoar vigilante. Embora eu, pessoalmente, ache que a bucha de banho continuará a ter sua venda permitida nas farmácias. Parece que produtos de higiene ainda poderão ser vendidos. Mas, e a touca de banho? Não que eu tenha alguma coisa com isso, afinal, não preciso dessas coisas.

Pensando bem, é melhor não. Porque aqui a turma abusa. Começa com a touca, depois vem os elásticos de cabelo, espelho, bola de gude, picolé, chiclete, escova de cabelo (ugh!) e num instante tudo voltará a ser como antes. Felizmente, a vigilância está atenta e punirá todos os infratores.

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