Faleceu no sábado a cafeteira daqui de casa. Durante dez anos, essa cafeteira serviu a todos nós, fielmente. Era simples, muito simples, essa cafeteira. No máximo, conseguia fazer 12 xícaras de uma passada. E cumpria sua missão com algum ruído, inconfundível. Era o barulho dos últimos vapores de uma coada. O som era acompanhado de um aroma também inconfundível, delicioso, de bem-estar. E ao som e ao aroma se somava a água na boca.
Lembro de quando ela chegou, ainda embrulhada de presente de casamento, uma beleza. Nós, eu e minha mulher, colocamos ela para trabalhar na primeira noite, quando nos instalamos no primeiro apê. Era um super-apê. E nós nos instalamos com apenas duas cadeiras de praia e um colchão. Nossa primeira “mesa” no apê de recém-casados foi um improviso com caixas de papelão, embalagens, isopor. Nosso primeiro jantar nessa mesa era pra ter sido um especial de queijos e vinhos. Mas não deu. O panaca que vos fala vacilou no supermercado. Os queijos para o fondue não vieram. Só o vinho. Minha mulher fez omelete. E depois do jantar, nosso primeiro café de máquina. Foi nota dez.
Desde então, essa cafeteira se tornou inseparável das coisas boas daqui de casa. Minha mulher tentou outras mais bonitas e incrementadas. Mas elas quebraram antes, eram reservadas para visitas chiques. Essas frescuras. A cafeteira de sempre era essa simples, a falecida.
E ela faleceu num dia bonito, essa cafeteira. Acendeu a luzinha vermelha, como sempre. Fiz o leite com chocolate que o menino gosta. Fiz o leite com o coisa de morango que a menina gosta. Mas nada da água esquentar. Esperei mais um pouco. Não esquentou mesmo. Aí bateu uma tristeza de perder a cafeteira. Eu gostava dela. Ela nunca havia me desapontado. Uma vez até a minha mãe elogiou o meu café, que ela fez, essa cafeteira. Fiquei triste.
E achei que os meninos também iam ficar tristes. Mas eles nem perceberam.
Comentei com a minha mulher e ela também não ligou muito. Acho que só eu é que sou meio apegado a essas coisas bestas, sem o menor sentido. Eu guardo um monte de coisa velha. Até coisa velha e quebrada eu guardo. E eu até pensei em guardar a cafeteira, para mandar para o conserto, algum dia.
Mas depois eu pensei bem. Eu nunca iria levar a cafeteira para o conserto. Não valeria a pena. Nessas coisas, o conserto fica quase tão caro quanto um aparelho novo. E depois que uma coisa dessas se quebra, nunca fica igual. Com certeza, essa cafeteira consertada não seria a mesma.
Por isso, no dia seguinte, no domingo, comprei uma cafeteira substituta. É bacana ela. É bem simples. Também faz 12 cafés com uma passada. Mas não faz barulho nenhum. É silenciosa.
E a minha mulher se desfez da outra cafeteira. Eu não tive coragem.
5 comentários:
Maravilhoso seu necrológio da cafeteira. Parabéns pelo texto.
A minha cafeteira não faleceu, mas o bule de vidro quebrou e não compramos outro. Desde então fazemos café fervendo água na panela e passando essa mesma água no filtro de papel, para dentro da garrafa térmica, manualmente. Aquela coisa, espera a água passar mais um pouquinho, derrama mais, aproveta o pó das beiradas, etc. Acho que não comprar outro bule e aposentar a cafeteira virou uma opção por um momento um pouco mais lento no nosso dia.
nossa, a primeira mesa lá do meu apartamento também foi uma caixa. ficou parecendo aqueles restaurantes japoneses...meu sogro quando viu a "mesa" posta pro café da manhã me perguntou o que era aquilo. Eu respondi: "é café, leite, pão, manteiga...o sr quer um pouquinho?"
eu faço café no bule mesmo e passo pra garrafa, faço uma massa de pão de queijo rapidinho e asso (na maioria das vezes deixo a massa pronta na geladeira mesmo. já a cafeteira eu juro que tentei mas ela esfria o café rapidinho. eu gosto de café queimando a língua!
abração
Anna, é legal mesmo fazer as coisas mais devagar, propositalmente. Isso, sem dúvida nenhuma, aumenta o sabor do café.
Uaia, a garrafa térmica que eu tenho também esfria rapidinho. Me ensinaram o macete de colocar água quente dentro, enquanto se faz o café. Mas nunca lembro.
Careca,
Não gosto de café. Passei um tempo tomando cappucino com chá de hortelã. Mas café não é a minha.
Mas eu tava pensando aqui. Eu queria ler esse texto numa coluna de domingo, num jornal de domingo, tomando um suco de laranja pela manhã.
abraço
Bono, eu também queria uma coisa assim, faria muito bem à minha vaidade e quem sabe?, ao bolso. Mas na última vez que corri atrás, não rolou. Abraço,
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