quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Da mão para a boca

Comprei "Da mão para a boca" quando Paul Auster estava na moda, em 1997. Um monte de filmes baseados em roteiros e romances dele haviam sido rodados naquela época. Era um escritor quente. Depois desse, escreveu livros geniais, arrebatadores. "Da mão.." também é um ótimo livro. É uma mistura de ficção com autobiografia.

Eu lia montes e montes de resenhas de livros nesse tempo. Também fazia um monte de resenhas de livros. Só me lembro de ter lido coisa elogiosa sobre Paul Auster. Mas na época eu só comprava livro que me capturasse no primeiro parágrafo. Eu tinha lido alguma coisa sobre os inícios dos livros em romances do John Irving. Ele sempre citava o início de "O Grande Gatsby", do Scott Fitzgerald. É realmente maravilhoso aquele início. E também o final. Como também é sensacional o início de Grandes Sertões: Veredas". Por isso, acho que comprei "Da mão ..." por causa do início.

Minto. Eu só comprava livro que me prendia na primeira frase e me fizesse ficar sem respirar até o final da primeira página. Essa fisgada da primeira página é que me fazia tirar o dinheiro do bolso. E para esse, eu tirei 28 reais do bolso. Está escrito a lápis na contra-capa. Botei meu nome na primeira folha. Não datei. Não sei se comprei em sebo. Eu comprava muito livro em sebo. Foi um ótimo negócio. Volta e meia, eu encontro esse livro na estante e releio.

Quer dizer, releio enquanto posso. Porque às vezes eu esqueço de usar o meu estratagema para enganar a Rose, que é a faxineira-universitária-cozinheira-ajudante-de-ordens-babá e faz-tudo daqui de casa. A Rose não pode ver um livro isolado no banheiro. Ela pega e coloca na estante, onde eu não acho nada, é uma misturada só. Outro dia comecei a ler Moby Dick, que é uma lista telefônica de tão grosso, mas vacilei, esqueci no banheiro, sozinho, sem disfarce, e ele desapareceu no meio dos outros livros na estante. Não achei mais.

Pois o "Da mão para a boca" também teria esse triste destino sem bússola se não fosse o fato de eu ter marcado a página em que eu estava com um pedaço bem grande de papel. Num instante localizei o livro do Paul Auster na estante. Moby Dick, nem sombra.

Mas o livro do Paul Auster começa assim:

"Dos vinte e muitos aos trinta e poucos anos de idade, passei por um longo período em que tudo o que eu tocava dava em fracasso. Meu casamento terminou em divórcio, meu trabalho como escritor não levava a nada e eu vivia atormentado por problemas financeiros. Não me refiro apenas a um aperto ocasional, a épocas recorrentes de vacas magras, e sim a uma falta de dinheiro constante, opressora, quase sufocante, que me envenenava a alma e mantinha-me num estado perene de pânico.
Não havia como pôr a culpa em ninguém; o culpado era mesmo eu.(...)"

Foi por isso que comprei. Não se trata de um livro de auto-ajuda. Mas é um livro que sempre me ajuda a olhar para mim mesmo e ao redor do meu umbigo. E também para longe dele. Paul Auster se examina sem auto-piedade e também reflete sobre o seu trabalho de escrever. Sem glamour. Sem autocmiseração. Sem potoca. Sem o drama dos russos que perderam a fé. Sem os deslumbres da psicanálise pós-freud. Sem delírios. Sem a viagem lisérgica dos beatnicks. Sem muito início, meio e fim, mas com método e clareza. Com simplicidade, quase crueza. É um grande livro. É sempre um prazer encontrá-lo na estante e folhear as suas páginas.

Um comentário:

leila disse...

tbm adoro esse livro

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