Há mais de dois anos não faço nada em madeira. Houve uma época em que era mania. Caixas, marchetaria, lâminas de madeira, lixas e toda uma parafernália de trabalhar com madeira eram coisas cotidianas. Também houve a época da madeira balsa, dos barcos e aviões de madeira, do papel de seda e do dope. Das réplicas caprichadas. Ainda adoro mexer com tudo isso. Mas a cola, a serragem, as tintas e principalmente o tinner me deixam doente. Foi esse um dos principais motivos para deixar de trabalhar com madeira.
Hoje me peguei olhando uma velha caixa de papelão, onde um velho e grande planador me espera. Tenho pelo menos outros dois em algum lugar, também intocados. Mas só no ano que vem, voltarei a fazer essas coisas. É preciso mais espaço e muita ventilação e agora não tenho nenhum dos dois. Sobretudo, é preciso um local adequado para deixar as ferramentas fora do alcance das crianças, mas à mão. Em breve terei algum tempo para terminar a compilação de textos do blog.
Tempo, tempo, tempo. Como voa esse tempo.
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
domingo, 30 de agosto de 2009
Domingo de manhã bem cedinho
_Paiê - chama uma voz bem baixinho, parecida com a voz da minha princesa.
Estou deitado. Ainda está escuro lá fora e é domingo. E está fazendo um friozinho gostoso. Eu imagino que o travesseiro está me chamando.
_Careca, fica no quentinho - diz o travesseiro, no meu sonho/imaginação.
_Paiê! - chama a minha princesa, mais alto desta vez.
_Hoje é domingo, domingo - sussurra o meu travesseiro.
Domingo! E eu saio da cama com cuidado, para não acordar muito a minha mulher. Ela acorda de qualquer jeito, mas a gente finge que um não acorda o outro quando acorda, e assim é possível voltar a dormir mais um pouco. No sábado, é a minha mulher que levanta para ficar com as crianças. Eu fico dormindo até as nove. No domingo, é a minha vez de levantar. As crianças já sabem a rotina e a quem chamar no dia certo.
_Bon jour, minha petite pricesse - eu digo. Ainda está escuro lá fora, é melhor esperar um pouco.
E esperamos abraçados mais ou menos uns trinta e dois segundos. Daí carregamos o cobertor, a princesa e o travesseiro para a sala. No domingo passa uns desenhos legais na TV. Daí a pouco, o irmão chega para fazer companhia e criticar os desenhos. Ele agora critica os desenhos animados.
_Não teve graça!- ele diz, depois que um elefante cor-de-rosa de massinha caiu sentado sobre um pato.
_Eu achei engraçado! - diz a minha menina. Depois que ele assumiu o papel de crítico, ela também começou a dar palpites anti-críticos. É uma espécie de versão mirim de "good cop, bad cop" com desenhos animados.
Como a conversa está muito profunda, aproveito a deixa para ir fazer alguma coisa para que todos nós possamos comer. Em geral, faço café. Mas desde que a minha antiga cafeteira desistir de trabalhar aqui em casa, não faço mais café. Só leite. No domingo, ninguém quer mexer com louça, vamos tomar um café da manhã perto de casa, numa padaria. Mas as crianças acordam com fome, não dá para esperar muito. Faço leite com morango para a menina e leite com chocolate para o menino. Frutas para os dois. Eles nunca comem, mas não custa nada insistir. Encontrei gelatina na geladeira, obra deles e da minha mulher, ontem à noite. Também fiz duas torradas com bastante manteiga, meu menino adora.
Às vezes eu olho para cima e agradeço muito pelas manhãs de domingo, bem cedo.
Estou deitado. Ainda está escuro lá fora e é domingo. E está fazendo um friozinho gostoso. Eu imagino que o travesseiro está me chamando.
_Careca, fica no quentinho - diz o travesseiro, no meu sonho/imaginação.
_Paiê! - chama a minha princesa, mais alto desta vez.
_Hoje é domingo, domingo - sussurra o meu travesseiro.
Domingo! E eu saio da cama com cuidado, para não acordar muito a minha mulher. Ela acorda de qualquer jeito, mas a gente finge que um não acorda o outro quando acorda, e assim é possível voltar a dormir mais um pouco. No sábado, é a minha mulher que levanta para ficar com as crianças. Eu fico dormindo até as nove. No domingo, é a minha vez de levantar. As crianças já sabem a rotina e a quem chamar no dia certo.
_Bon jour, minha petite pricesse - eu digo. Ainda está escuro lá fora, é melhor esperar um pouco.
E esperamos abraçados mais ou menos uns trinta e dois segundos. Daí carregamos o cobertor, a princesa e o travesseiro para a sala. No domingo passa uns desenhos legais na TV. Daí a pouco, o irmão chega para fazer companhia e criticar os desenhos. Ele agora critica os desenhos animados.
_Não teve graça!- ele diz, depois que um elefante cor-de-rosa de massinha caiu sentado sobre um pato.
_Eu achei engraçado! - diz a minha menina. Depois que ele assumiu o papel de crítico, ela também começou a dar palpites anti-críticos. É uma espécie de versão mirim de "good cop, bad cop" com desenhos animados.
Como a conversa está muito profunda, aproveito a deixa para ir fazer alguma coisa para que todos nós possamos comer. Em geral, faço café. Mas desde que a minha antiga cafeteira desistir de trabalhar aqui em casa, não faço mais café. Só leite. No domingo, ninguém quer mexer com louça, vamos tomar um café da manhã perto de casa, numa padaria. Mas as crianças acordam com fome, não dá para esperar muito. Faço leite com morango para a menina e leite com chocolate para o menino. Frutas para os dois. Eles nunca comem, mas não custa nada insistir. Encontrei gelatina na geladeira, obra deles e da minha mulher, ontem à noite. Também fiz duas torradas com bastante manteiga, meu menino adora.
Às vezes eu olho para cima e agradeço muito pelas manhãs de domingo, bem cedo.
sábado, 29 de agosto de 2009
O post 700 e o Niltinho
Faltam 30 posts para eu atingir o post número 700. Dizem que algo muito bom acontece quando você atinge o número 700. É algo tão bom quanto decifrar a mensagem secreta das aparições de Stan Lee nos filmes da Marvel e Alfred Hitchcock nos filmes dirigidos por ele mesmo. Deve haver um significaco oculto naquelas aparições. Existem malucos capazes de tecer teorias fantásticas sobre essas aparições. Na faculdade, por exemplo, tinha o Niltinho.
Niltinho era um poeta. Um campeão de rimas. Ele poderia inventar um soneto na hora, sobre qualquer tema. O cara era um fenômeno. Você falava "bala". E lá vinha o Niltinho, com um longo poema sobre a bala de fuzil e a balinha de hortelã. Ele era bom mesmo. Durante muito tempo, depois que eu me formei, eu procurei os cadernos literários, para ver se iam dar notícia do livro de poesia do Niltinho. Mas ele nunca publicou. Virou dono de posto. Recebeu uma herança.
Na verdade, Niltinho nunca deixou de ser poeta. Ontem, quando o reencontrei depois de tantos anos, ele me explicou:
_Pô, Careca, não mostro mais os meus versos para ninguém. Quando você é estudante, jovem, pobre e poeta, a coisa é encarada numa boa, todo mundo te aplaude. Mas quando se é tiozão, barrigudo, classe média e dono de posto, se você diz que é poeta a turma leva na gozação.
Acho que o Niltinho tem toda razão.
Niltinho era um poeta. Um campeão de rimas. Ele poderia inventar um soneto na hora, sobre qualquer tema. O cara era um fenômeno. Você falava "bala". E lá vinha o Niltinho, com um longo poema sobre a bala de fuzil e a balinha de hortelã. Ele era bom mesmo. Durante muito tempo, depois que eu me formei, eu procurei os cadernos literários, para ver se iam dar notícia do livro de poesia do Niltinho. Mas ele nunca publicou. Virou dono de posto. Recebeu uma herança.
Na verdade, Niltinho nunca deixou de ser poeta. Ontem, quando o reencontrei depois de tantos anos, ele me explicou:
_Pô, Careca, não mostro mais os meus versos para ninguém. Quando você é estudante, jovem, pobre e poeta, a coisa é encarada numa boa, todo mundo te aplaude. Mas quando se é tiozão, barrigudo, classe média e dono de posto, se você diz que é poeta a turma leva na gozação.
Acho que o Niltinho tem toda razão.
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
Ao Ministro da Dupla Absolvição
Até poucos anos, eu era apenas um “cozinheiro”, como o Meritíssimo fez questão de comparar outro dia, sem dúvida nenhuma com a melhor das intenções. Não tenho formação jurídica, embora tenha estudado um pouquinho. Nem por isso estou mais ou menos sujeito a argumentos de autoridade. Continuo a ser um humano vivente e pensante, que um dia vai morrer, tal e qual os gênios do Congresso que fizeram as leis e os sensacionais intérpretes das mesmas que trabalham para a sociedade brasileira aí no Supremo Tribunal Federal. Por esse motivo, julgo que tenho um mínimo de discernimento para falar sobre a decisão do Meritíssimo, que partiu um crime em dois e assim se recusou a admitir um processo sobre um trio de acusados de um crime único. Na prática, Vossa Excelência foi o melhor dos juízes, pois ao não aceitar a possibilidade de exame do caso, inocentou o mesmo acusado duplamente. Absolvição é com o Meritíssimo mesmo.
A decisão do Supremo foi acachapante e humilhante. Cinco contra quatro. O Meritíssimo foi um dos cinco que mandaram fatos às favas. Estranhamente, pelo voto do Meritíssimo, só um dos acusados do trio será processado por uma das metades do crime, embora estivesse sendo acusado de partícipe de um crime inteiro.
Exatamente pelo fato de Meritíssimo exercer o nobre ofício de intérprete legal, eu me permitirei comparar a atuação de ontem com a de um “cantor”. Registro que tenho grande respeito pela maioria dos cantores. E também devo registrar que na quinta-feira, dia 27 de agosto de 2009, o Meritíssimo brindou o país com um minueto fora do tom e em descompasso rítmico. Até aí nada de extraordinário. Existem bons e maus cantores, nem todos nos agradam. Mas o Meritíssimo desandou na harmonia ao dividir o crime da quebra de sigilo em dois: a invasão da conta e a revelação do conteúdo.
Na minha ignorância de cozinheiro, essa é uma prática inovadora, que pode se revelar perigosa. Dividir crimes em dois é bem esquisito. Especialmente quando o Ministério Público procurou e apresentou, em mais de mil e quinhentas páginas, uma coleção de indícios para tentar enquadrar um trio de acusados em apenas um. Aparentemente, ao se dividir um crime, os acusados estariam sujeitos a serem condenados duplamente por terem feito apenas uma coisa, mas o que acontece é exatamente o inverso. Ao se dividir um crime, da maneira como diabolicamente (no sentido de desconstruir, destruir) foi feita, ele deixa de existir.
Das máximas do direito, que sei de orelhada, ficaram duas: na fase de instauração de processo prevalece a regra de ouro IN DUBIO PRO SOCIETAT, na fase de julgamento prevalece a regra IN DUBIO PRO REU. Mas eu sou só um careca idiota. E apenas quatro de nove ministros concordam comigo. Para eles e para mim, o processo tinha cabimento, valia a pena julgar, ainda que não se chegasse à condenação. Mas para o Meritíssimo, é preciso primeiro apresentar provas para se ter processo. E as provas devem se referir não somente ao crime, mas também às suas partes. Confesso que pirei, nunca tinha visto nada disso em filme nenhum, nem naquela versão esquisita de “O Processo” de Kafka, em que Joseph K é processado por uma barata depois de escrever uma carta malcriada para o pai de uma ex-noiva.
Dividir crimes em dois, em geral, não é vantajoso. Vamos examinar o crime de furto. Um Fulano furta a galinha do Meritíssimo que estava na sua residência. A galinha não valia nada, nem botava mais. Mas o furto, como sugere o Meritíssimo, é dividido em dois: invasão do galinheiro e remoção da galinha. Ora, Fulano não invadiu o galinheiro, a galinha o convidou. E não removeu a galinha, ela fugiu espontaneamente com Fulano, em busca de um destino menos penoso. Muito embora os indícios apontassem em outra direção, a de que a galinha foi violada. Não faz muito sentido, mas deve haver alguma coisa em alemão sobre isso.
O Meritíssimo, com essa tese de dividir um crime pelo meio, não vai poder voltar atrás no voto nem com uma confissão do acusado. Se o ex-provável réu confessar hoje que cometeu o crime da quebra de sigilo bancário, não será processado. Para o Meritíssimo, esse fato novo não vale coisa alguma, porque ele não invadiu a conta do caseiro e não revelou o conteúdo dessa conta. Para o Meritíssimo, um trapalhão que não teria proveito nenhum com a quebra de sigilo é o único réu que pode vir a ser culpado de meio crime.
Dizem as más línguas, inclusive, que já havia um culpado pronto para se apresentar de corpo inteiro, para um crime só, mas inteiro, caso surgisse a necessidade. Por agora, ficou réu apenas um pateta covarde que achava que tinha poder para esculhambar um humilde para agradar a um poderoso, com a possibilidade, remota, de pagar meio pato. O único suspeito que poderia responder pelo crime de revelação do conteúdo para a imprensa não responderá a processo, não corre mais o risco de pagar pato algum.
Sobre isso, aliás, tivemos o Garganta Profunda, nos EUA. Dois jornalistas protegeram a identidade de um dedo-duro, um poderoso servidor público com informações quentes para derrubar chefes ainda mais poderosos. O caso Watergate botou o presidente Nixon na rua. O nome Garganta Profunda foi inspirado num filme pornográfico da época.
Aqui no Brasil entendemos e fazemos tudo ao contrário.
Nesse caso, temos o Profundo Gogó. Os jornalistas de uma grande revista protegem o sigilo da fonte poderosa que violou o sigilo de um simples caseiro para a desconstrução dessa figura. Uma perícia confirma que o fax com as informações que comprovam a quebra de sigilo foi passado de A para B. O papel do fax foi o mesmo mostrado ao suspeito pelo único que ficou réu. Mas quem liga para os fatos? O sujeito A foi liberado por insuficiência de provas e B, os cozinheiros da revista, cozinham o galo a fogo brando. O nome Profundo Gogó é inspirado na pornografia diária que fazem com as pessoas simples deste país, que ainda acreditam em justiça.
Por último, gostaria de dividir o voto do Meritíssimo em duas partes. A primeira fede. A segunda não cheira bem. Tomara que a história não venha mostrar que esse voto foi uma espécie de canto de cisne, que cantou a pedra fundamental para a imolação do STF e do judiciário do país. Mesmo assim, os "cozinheiros" que se cuidem, porque os poderosos estão cada vez mais poderosos, inquestionáveis e improcessáveis. Graças ao Meritíssimo e outros quatro colegas, prevalece o IN DUBIO PRO VIP, onde se mantém a prerrogativa de que aquele que manda pode tudo e que tudo vai continuar a ser assim mesmo. E lambam. Da minha parte, ensinarei desde já aos meus filhos que figuras como o Meritíssimo podem ser divididas em duas partes que se inclinam para a mesma direção...
A decisão do Supremo foi acachapante e humilhante. Cinco contra quatro. O Meritíssimo foi um dos cinco que mandaram fatos às favas. Estranhamente, pelo voto do Meritíssimo, só um dos acusados do trio será processado por uma das metades do crime, embora estivesse sendo acusado de partícipe de um crime inteiro.
Exatamente pelo fato de Meritíssimo exercer o nobre ofício de intérprete legal, eu me permitirei comparar a atuação de ontem com a de um “cantor”. Registro que tenho grande respeito pela maioria dos cantores. E também devo registrar que na quinta-feira, dia 27 de agosto de 2009, o Meritíssimo brindou o país com um minueto fora do tom e em descompasso rítmico. Até aí nada de extraordinário. Existem bons e maus cantores, nem todos nos agradam. Mas o Meritíssimo desandou na harmonia ao dividir o crime da quebra de sigilo em dois: a invasão da conta e a revelação do conteúdo.
Na minha ignorância de cozinheiro, essa é uma prática inovadora, que pode se revelar perigosa. Dividir crimes em dois é bem esquisito. Especialmente quando o Ministério Público procurou e apresentou, em mais de mil e quinhentas páginas, uma coleção de indícios para tentar enquadrar um trio de acusados em apenas um. Aparentemente, ao se dividir um crime, os acusados estariam sujeitos a serem condenados duplamente por terem feito apenas uma coisa, mas o que acontece é exatamente o inverso. Ao se dividir um crime, da maneira como diabolicamente (no sentido de desconstruir, destruir) foi feita, ele deixa de existir.
Das máximas do direito, que sei de orelhada, ficaram duas: na fase de instauração de processo prevalece a regra de ouro IN DUBIO PRO SOCIETAT, na fase de julgamento prevalece a regra IN DUBIO PRO REU. Mas eu sou só um careca idiota. E apenas quatro de nove ministros concordam comigo. Para eles e para mim, o processo tinha cabimento, valia a pena julgar, ainda que não se chegasse à condenação. Mas para o Meritíssimo, é preciso primeiro apresentar provas para se ter processo. E as provas devem se referir não somente ao crime, mas também às suas partes. Confesso que pirei, nunca tinha visto nada disso em filme nenhum, nem naquela versão esquisita de “O Processo” de Kafka, em que Joseph K é processado por uma barata depois de escrever uma carta malcriada para o pai de uma ex-noiva.
Dividir crimes em dois, em geral, não é vantajoso. Vamos examinar o crime de furto. Um Fulano furta a galinha do Meritíssimo que estava na sua residência. A galinha não valia nada, nem botava mais. Mas o furto, como sugere o Meritíssimo, é dividido em dois: invasão do galinheiro e remoção da galinha. Ora, Fulano não invadiu o galinheiro, a galinha o convidou. E não removeu a galinha, ela fugiu espontaneamente com Fulano, em busca de um destino menos penoso. Muito embora os indícios apontassem em outra direção, a de que a galinha foi violada. Não faz muito sentido, mas deve haver alguma coisa em alemão sobre isso.
O Meritíssimo, com essa tese de dividir um crime pelo meio, não vai poder voltar atrás no voto nem com uma confissão do acusado. Se o ex-provável réu confessar hoje que cometeu o crime da quebra de sigilo bancário, não será processado. Para o Meritíssimo, esse fato novo não vale coisa alguma, porque ele não invadiu a conta do caseiro e não revelou o conteúdo dessa conta. Para o Meritíssimo, um trapalhão que não teria proveito nenhum com a quebra de sigilo é o único réu que pode vir a ser culpado de meio crime.
Dizem as más línguas, inclusive, que já havia um culpado pronto para se apresentar de corpo inteiro, para um crime só, mas inteiro, caso surgisse a necessidade. Por agora, ficou réu apenas um pateta covarde que achava que tinha poder para esculhambar um humilde para agradar a um poderoso, com a possibilidade, remota, de pagar meio pato. O único suspeito que poderia responder pelo crime de revelação do conteúdo para a imprensa não responderá a processo, não corre mais o risco de pagar pato algum.
Sobre isso, aliás, tivemos o Garganta Profunda, nos EUA. Dois jornalistas protegeram a identidade de um dedo-duro, um poderoso servidor público com informações quentes para derrubar chefes ainda mais poderosos. O caso Watergate botou o presidente Nixon na rua. O nome Garganta Profunda foi inspirado num filme pornográfico da época.
Aqui no Brasil entendemos e fazemos tudo ao contrário.
Nesse caso, temos o Profundo Gogó. Os jornalistas de uma grande revista protegem o sigilo da fonte poderosa que violou o sigilo de um simples caseiro para a desconstrução dessa figura. Uma perícia confirma que o fax com as informações que comprovam a quebra de sigilo foi passado de A para B. O papel do fax foi o mesmo mostrado ao suspeito pelo único que ficou réu. Mas quem liga para os fatos? O sujeito A foi liberado por insuficiência de provas e B, os cozinheiros da revista, cozinham o galo a fogo brando. O nome Profundo Gogó é inspirado na pornografia diária que fazem com as pessoas simples deste país, que ainda acreditam em justiça.
Por último, gostaria de dividir o voto do Meritíssimo em duas partes. A primeira fede. A segunda não cheira bem. Tomara que a história não venha mostrar que esse voto foi uma espécie de canto de cisne, que cantou a pedra fundamental para a imolação do STF e do judiciário do país. Mesmo assim, os "cozinheiros" que se cuidem, porque os poderosos estão cada vez mais poderosos, inquestionáveis e improcessáveis. Graças ao Meritíssimo e outros quatro colegas, prevalece o IN DUBIO PRO VIP, onde se mantém a prerrogativa de que aquele que manda pode tudo e que tudo vai continuar a ser assim mesmo. E lambam. Da minha parte, ensinarei desde já aos meus filhos que figuras como o Meritíssimo podem ser divididas em duas partes que se inclinam para a mesma direção...
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
Da mão para a boca
Comprei "Da mão para a boca" quando Paul Auster estava na moda, em 1997. Um monte de filmes baseados em roteiros e romances dele haviam sido rodados naquela época. Era um escritor quente. Depois desse, escreveu livros geniais, arrebatadores. "Da mão.." também é um ótimo livro. É uma mistura de ficção com autobiografia.
Eu lia montes e montes de resenhas de livros nesse tempo. Também fazia um monte de resenhas de livros. Só me lembro de ter lido coisa elogiosa sobre Paul Auster. Mas na época eu só comprava livro que me capturasse no primeiro parágrafo. Eu tinha lido alguma coisa sobre os inícios dos livros em romances do John Irving. Ele sempre citava o início de "O Grande Gatsby", do Scott Fitzgerald. É realmente maravilhoso aquele início. E também o final. Como também é sensacional o início de Grandes Sertões: Veredas". Por isso, acho que comprei "Da mão ..." por causa do início.
Minto. Eu só comprava livro que me prendia na primeira frase e me fizesse ficar sem respirar até o final da primeira página. Essa fisgada da primeira página é que me fazia tirar o dinheiro do bolso. E para esse, eu tirei 28 reais do bolso. Está escrito a lápis na contra-capa. Botei meu nome na primeira folha. Não datei. Não sei se comprei em sebo. Eu comprava muito livro em sebo. Foi um ótimo negócio. Volta e meia, eu encontro esse livro na estante e releio.
Quer dizer, releio enquanto posso. Porque às vezes eu esqueço de usar o meu estratagema para enganar a Rose, que é a faxineira-universitária-cozinheira-ajudante-de-ordens-babá e faz-tudo daqui de casa. A Rose não pode ver um livro isolado no banheiro. Ela pega e coloca na estante, onde eu não acho nada, é uma misturada só. Outro dia comecei a ler Moby Dick, que é uma lista telefônica de tão grosso, mas vacilei, esqueci no banheiro, sozinho, sem disfarce, e ele desapareceu no meio dos outros livros na estante. Não achei mais.
Pois o "Da mão para a boca" também teria esse triste destino sem bússola se não fosse o fato de eu ter marcado a página em que eu estava com um pedaço bem grande de papel. Num instante localizei o livro do Paul Auster na estante. Moby Dick, nem sombra.
Mas o livro do Paul Auster começa assim:
"Dos vinte e muitos aos trinta e poucos anos de idade, passei por um longo período em que tudo o que eu tocava dava em fracasso. Meu casamento terminou em divórcio, meu trabalho como escritor não levava a nada e eu vivia atormentado por problemas financeiros. Não me refiro apenas a um aperto ocasional, a épocas recorrentes de vacas magras, e sim a uma falta de dinheiro constante, opressora, quase sufocante, que me envenenava a alma e mantinha-me num estado perene de pânico.
Não havia como pôr a culpa em ninguém; o culpado era mesmo eu.(...)"
Foi por isso que comprei. Não se trata de um livro de auto-ajuda. Mas é um livro que sempre me ajuda a olhar para mim mesmo e ao redor do meu umbigo. E também para longe dele. Paul Auster se examina sem auto-piedade e também reflete sobre o seu trabalho de escrever. Sem glamour. Sem autocmiseração. Sem potoca. Sem o drama dos russos que perderam a fé. Sem os deslumbres da psicanálise pós-freud. Sem delírios. Sem a viagem lisérgica dos beatnicks. Sem muito início, meio e fim, mas com método e clareza. Com simplicidade, quase crueza. É um grande livro. É sempre um prazer encontrá-lo na estante e folhear as suas páginas.
Eu lia montes e montes de resenhas de livros nesse tempo. Também fazia um monte de resenhas de livros. Só me lembro de ter lido coisa elogiosa sobre Paul Auster. Mas na época eu só comprava livro que me capturasse no primeiro parágrafo. Eu tinha lido alguma coisa sobre os inícios dos livros em romances do John Irving. Ele sempre citava o início de "O Grande Gatsby", do Scott Fitzgerald. É realmente maravilhoso aquele início. E também o final. Como também é sensacional o início de Grandes Sertões: Veredas". Por isso, acho que comprei "Da mão ..." por causa do início.
Minto. Eu só comprava livro que me prendia na primeira frase e me fizesse ficar sem respirar até o final da primeira página. Essa fisgada da primeira página é que me fazia tirar o dinheiro do bolso. E para esse, eu tirei 28 reais do bolso. Está escrito a lápis na contra-capa. Botei meu nome na primeira folha. Não datei. Não sei se comprei em sebo. Eu comprava muito livro em sebo. Foi um ótimo negócio. Volta e meia, eu encontro esse livro na estante e releio.
Quer dizer, releio enquanto posso. Porque às vezes eu esqueço de usar o meu estratagema para enganar a Rose, que é a faxineira-universitária-cozinheira-ajudante-de-ordens-babá e faz-tudo daqui de casa. A Rose não pode ver um livro isolado no banheiro. Ela pega e coloca na estante, onde eu não acho nada, é uma misturada só. Outro dia comecei a ler Moby Dick, que é uma lista telefônica de tão grosso, mas vacilei, esqueci no banheiro, sozinho, sem disfarce, e ele desapareceu no meio dos outros livros na estante. Não achei mais.
Pois o "Da mão para a boca" também teria esse triste destino sem bússola se não fosse o fato de eu ter marcado a página em que eu estava com um pedaço bem grande de papel. Num instante localizei o livro do Paul Auster na estante. Moby Dick, nem sombra.
Mas o livro do Paul Auster começa assim:
"Dos vinte e muitos aos trinta e poucos anos de idade, passei por um longo período em que tudo o que eu tocava dava em fracasso. Meu casamento terminou em divórcio, meu trabalho como escritor não levava a nada e eu vivia atormentado por problemas financeiros. Não me refiro apenas a um aperto ocasional, a épocas recorrentes de vacas magras, e sim a uma falta de dinheiro constante, opressora, quase sufocante, que me envenenava a alma e mantinha-me num estado perene de pânico.
Não havia como pôr a culpa em ninguém; o culpado era mesmo eu.(...)"
Foi por isso que comprei. Não se trata de um livro de auto-ajuda. Mas é um livro que sempre me ajuda a olhar para mim mesmo e ao redor do meu umbigo. E também para longe dele. Paul Auster se examina sem auto-piedade e também reflete sobre o seu trabalho de escrever. Sem glamour. Sem autocmiseração. Sem potoca. Sem o drama dos russos que perderam a fé. Sem os deslumbres da psicanálise pós-freud. Sem delírios. Sem a viagem lisérgica dos beatnicks. Sem muito início, meio e fim, mas com método e clareza. Com simplicidade, quase crueza. É um grande livro. É sempre um prazer encontrá-lo na estante e folhear as suas páginas.
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
Jantando com o Careca
Fiquei sabendo que o terrorista do Lockerbie (270 mortos) voltou para casa e foi recebido por uma multidão como se fosse herói. Teremos regras novas para a exploração do petróleo anunciadas em breve. Um senador mostrou um cartão vermelho para outro. O dólar caiu. O número de desempregados tende a diminuir, de acordo com as estatísticas oficiais. Meu blog vai completar dois anos, muito em breve. Não consigo fazer um desenho decente há uma semana. Só agora me dei conta da infinidade de arquivos preciosos que perdi com o crash do computador, na semana passada. Estou no meio de uma crise de criatividade. Há mais uma crise, dentro da crise, que dá a volta por dentro da velha crise.
Mas nada disso importa, porque agora estou na casa da minha cunhada, observando um sobrinho e os meus dois filhos na mesa de jantar. Meu sobrinho tem nove anos e come com voracidade. Todos os pratos são absolutamente idênticos: arroz, batata palha, feijão, salsicha de cachorro quente e molho de tomate.
_Vamos comer, criançada. Vocês é que escolheram a comida. Agora tratem de comer.
Meus filhos não acompanharam a voracidade do primo, idealizador do cardápio.
_Sabe Paiê, eu não estou com muita fome – diz a minha filha, com uma voz de chorinho.
_Acho bom comer, porque senão eu vou ter que fazer jantar para vocês dois lá em casa. E ninguém vai dormir sem jantar.
Meu filho imediatamente começou a comer, metodicamente. Minha princesa ainda insistiu.
_Paiê, eu realmente não estou com fome – ela disse, séria.
_Então vamos “realmente” embora, para que eu possa fazer o jantar lá em casa. Teremos macarrão grudento, pão com feijão gelado e cebola frita. Tomara que vocês gostem. A última vez que comi isso fiquei com dor de barriga quase duas semanas.
Meu filho acelerou as garfadas. Minha menina olhou o prato com outros olhos e também começou a comer, rapidamente. Num instante todos terminaram o jantar. Eles se despediram do primo e fomos para casa.
_Paiê, você vai mesmo fazer o seu jantar? – perguntou a minha menina, logo que chegamos.
_Só um macarrão grudento, filha – eu respondi.
_Ugh – ela emendou, com uma careta.
Mas nem fiz nada. Tratamos de trocar de roupa e ficamos todos de pijama. Foi sensacional descobrir que o meu filho já consegue ler um livro inteiro. O livro sobre os bombeiros deve ter umas dez frases, no máximo, mas ele leu tudo, sem erros e num ritmo excelente.
Depois que eles dormiram, eu os carreguei para a cama, um de cada vez. Eles estão ficando pesados e grandes. Daqui a pouco não dou conta mais. Encontrei comida na geladeira e liguei a TV. Minha criatividade evaporou. Em algum lugar do planeta, um terrorista voltou para casa. O desemprego aumentou. Um político xingou a mãe do outro, a crise acelerou....
Mas nada disso importa, porque agora estou na casa da minha cunhada, observando um sobrinho e os meus dois filhos na mesa de jantar. Meu sobrinho tem nove anos e come com voracidade. Todos os pratos são absolutamente idênticos: arroz, batata palha, feijão, salsicha de cachorro quente e molho de tomate.
_Vamos comer, criançada. Vocês é que escolheram a comida. Agora tratem de comer.
Meus filhos não acompanharam a voracidade do primo, idealizador do cardápio.
_Sabe Paiê, eu não estou com muita fome – diz a minha filha, com uma voz de chorinho.
_Acho bom comer, porque senão eu vou ter que fazer jantar para vocês dois lá em casa. E ninguém vai dormir sem jantar.
Meu filho imediatamente começou a comer, metodicamente. Minha princesa ainda insistiu.
_Paiê, eu realmente não estou com fome – ela disse, séria.
_Então vamos “realmente” embora, para que eu possa fazer o jantar lá em casa. Teremos macarrão grudento, pão com feijão gelado e cebola frita. Tomara que vocês gostem. A última vez que comi isso fiquei com dor de barriga quase duas semanas.
Meu filho acelerou as garfadas. Minha menina olhou o prato com outros olhos e também começou a comer, rapidamente. Num instante todos terminaram o jantar. Eles se despediram do primo e fomos para casa.
_Paiê, você vai mesmo fazer o seu jantar? – perguntou a minha menina, logo que chegamos.
_Só um macarrão grudento, filha – eu respondi.
_Ugh – ela emendou, com uma careta.
Mas nem fiz nada. Tratamos de trocar de roupa e ficamos todos de pijama. Foi sensacional descobrir que o meu filho já consegue ler um livro inteiro. O livro sobre os bombeiros deve ter umas dez frases, no máximo, mas ele leu tudo, sem erros e num ritmo excelente.
Depois que eles dormiram, eu os carreguei para a cama, um de cada vez. Eles estão ficando pesados e grandes. Daqui a pouco não dou conta mais. Encontrei comida na geladeira e liguei a TV. Minha criatividade evaporou. Em algum lugar do planeta, um terrorista voltou para casa. O desemprego aumentou. Um político xingou a mãe do outro, a crise acelerou....
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Cartão vermelho
Amanhã eu vou fazer que nem o Senador fez nesta terça-feira.
Vou sair pela rua com um cartão amarelo e com um cartão vermelho no bolso.
Tem um monte de gente na minha lista.
Tem um monte de gente pra mostrar o cartão amarelo.
Tem um monte de gente pra mostrar o cartão vermelho.
Tem um monte de gente na marca do pênalti.
Tem gente que eu quero mandar embora.
E não é por raiva, não senhor, não senhora.
É porque está na hora.
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
A Europa está um tédio
Meu computador pifou na sexta-feira. Tudo o que eu tinha no HD simplesmente desapareceu. Não me pergunte como. Eu não sei. Tinha um monte de coisas sem back-up, mas não me importei. A maior parte das coisas importantes está na web. Ou gravada em disco. Também perdi o gravador de CD. Talvez a coisa tenha acontecido por causa de um gravador de CD/DVD do PC. Depois que comprei o meu HD de 500 Gigas parei de me importar com esse gravador. Essas coisas eletrônicas são sensíveis, você sabe. E vingativas. Foi por isso que não postei nada no sábado e no domingo.
Também foi porque fiquei com preguiça, é verdade. No sábado, por exemplo, fiquei com preguiça o dia inteiro e nem fiz nada relevante. Quer dizer, a única coisa relevante foi tentar consertar o PC. O que efetivamente consegui, depois de umas três horas de peleja.
Aí fui almoçar num restaurante egípcio com o Cabeça, a Mulher do Cabeça e o Maurice. O Cabeça escolheu o restaurante.
_Vamos comer no egípcio, lá da Asa Norte.
_Kibe por esfiha, a gente podia ir num mais perto – tentei argumentar.
_Não, lá é que é o bom. O cara é realmente egípcio. Para ser mais típico só falta um camelo.
_Como chama, esse restaurante?
_Aqui, restaurante. Vem, aqui, aqui.
_Não, não, qual é o nome do restaurante?
_Descendo o Rio Nilo, uma coisa assim.
_Parece letra de música ruim e gente chata.
_Não, lá não tem música ambiente. Mas tem show de dança do ventre.
_Pô, Cabeça, dança do ventre me deixa de estômago embrulhado.
_Deixa de ser mala, Careca. Você não precisa imitar a dançarina.
_Eles usam talher, nesse restaurante?
_Claro que usam, né, Careca!
_Sei não, ouvi dizer que em restaurante egípcio típico só se come com as mãos.
_Nesse eles deixam você usar garfo e faca.
_Vou levar uns descartáveis, por via das dúvidas – eu disse, só pra chatear o Cabeça.
Fomos. Quando eu e minha mulher chegamos, o Cabeça já estava umas duas cervejas na minha frente, tive que correr para empatar. Depois chegou o Maurice e as filhotas. Pedimos e recebemos montes de kibes e cervejas. Enrolamos um bocado e resolvemos pedir o árabe completo. Quando você não sabe o que pedir no restaurante egípcio, vá de árabe completo. O Cabeça resolveu pedir um arroz de cordeiro. Contamos potocas e mais potocas. Pedimos kibes e aperitivos. O Maurice apresentou a sua nova Teoria da Zona de Conforto (que merece um post à parte) . Potocamos mais. Choveu. Parou de chover. Fizemos uma pequena pausa para encomendar mais kibes e aperitivos diversos. A comida estava demorando horrores.
_Cabeça, meu estômago está começando a digerir a minha coluna vertebral. Aqui sempre demora desse tanto? – eu perguntei, só para chatear o Cabeça.
_Não, olha aí, a comida está chegando.
E chegou. Um árabe completo. O arroz de cordeiro viria em instantes. Eu, minha mulher, a Mulher do Cabeça e o Maurice caímos matando. Estava uma delícia. O Cabeça suspirou. Recusou tocar no árabe completo. Num instante, nós acabamos com aquela comida toda, menos a salada. Nunca tinha visto uma salada daquele jeito.
_Gente, será que egípcio come salada assim? O ramo de hortelã inteiro? A rúcula e o alface com cara de braquiara? – eu perguntei.
O Cabeça estava com tanta fome que resolveu encarar a salada.
_Parece uma moita, essa salada – ele disse. E comeu.
Foi a sorte, porque o prato dele demorou mais uma hora para ser servido. E estava uma delícia.
Também foi porque fiquei com preguiça, é verdade. No sábado, por exemplo, fiquei com preguiça o dia inteiro e nem fiz nada relevante. Quer dizer, a única coisa relevante foi tentar consertar o PC. O que efetivamente consegui, depois de umas três horas de peleja.
Aí fui almoçar num restaurante egípcio com o Cabeça, a Mulher do Cabeça e o Maurice. O Cabeça escolheu o restaurante.
_Vamos comer no egípcio, lá da Asa Norte.
_Kibe por esfiha, a gente podia ir num mais perto – tentei argumentar.
_Não, lá é que é o bom. O cara é realmente egípcio. Para ser mais típico só falta um camelo.
_Como chama, esse restaurante?
_Aqui, restaurante. Vem, aqui, aqui.
_Não, não, qual é o nome do restaurante?
_Descendo o Rio Nilo, uma coisa assim.
_Parece letra de música ruim e gente chata.
_Não, lá não tem música ambiente. Mas tem show de dança do ventre.
_Pô, Cabeça, dança do ventre me deixa de estômago embrulhado.
_Deixa de ser mala, Careca. Você não precisa imitar a dançarina.
_Eles usam talher, nesse restaurante?
_Claro que usam, né, Careca!
_Sei não, ouvi dizer que em restaurante egípcio típico só se come com as mãos.
_Nesse eles deixam você usar garfo e faca.
_Vou levar uns descartáveis, por via das dúvidas – eu disse, só pra chatear o Cabeça.
Fomos. Quando eu e minha mulher chegamos, o Cabeça já estava umas duas cervejas na minha frente, tive que correr para empatar. Depois chegou o Maurice e as filhotas. Pedimos e recebemos montes de kibes e cervejas. Enrolamos um bocado e resolvemos pedir o árabe completo. Quando você não sabe o que pedir no restaurante egípcio, vá de árabe completo. O Cabeça resolveu pedir um arroz de cordeiro. Contamos potocas e mais potocas. Pedimos kibes e aperitivos. O Maurice apresentou a sua nova Teoria da Zona de Conforto (que merece um post à parte) . Potocamos mais. Choveu. Parou de chover. Fizemos uma pequena pausa para encomendar mais kibes e aperitivos diversos. A comida estava demorando horrores.
_Cabeça, meu estômago está começando a digerir a minha coluna vertebral. Aqui sempre demora desse tanto? – eu perguntei, só para chatear o Cabeça.
_Não, olha aí, a comida está chegando.
E chegou. Um árabe completo. O arroz de cordeiro viria em instantes. Eu, minha mulher, a Mulher do Cabeça e o Maurice caímos matando. Estava uma delícia. O Cabeça suspirou. Recusou tocar no árabe completo. Num instante, nós acabamos com aquela comida toda, menos a salada. Nunca tinha visto uma salada daquele jeito.
_Gente, será que egípcio come salada assim? O ramo de hortelã inteiro? A rúcula e o alface com cara de braquiara? – eu perguntei.
O Cabeça estava com tanta fome que resolveu encarar a salada.
_Parece uma moita, essa salada – ele disse. E comeu.
Foi a sorte, porque o prato dele demorou mais uma hora para ser servido. E estava uma delícia.
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
Halloísio, o cachorro que teremos em casa
Nós ainda nem compramos o cachorro daqui de casa, mas eu já escolhi o nome dele. Se depender de mim, o nome será Halloísio, em homenagem a um político eleito por São Paulo que às vezes dá até vontade de chutar. Embora eu saiba que não é legal chutar cachorro morto.
Acho que ainda não tinha contado aqui que a minha filha quer ter um cachorro. É só ela que quer ter o cachorro. O irmão não tem o menor interesse em caninos. Baseado na experiência de um colega de escola, ele acha ótimo cachorro, mas na casa dos outros.
_Pai, cachorro rói plêisteichion. Eu vi a Kika, do Pedro de Freitas. Eu vi – ele me contou, horrorizado. Eu balanço a cabeça, em concordância. Pelo menos um filho está do meu lado.
Mas sei que isso não é suficiente para vencer o lado feminino. É preciso mais argumentos. Por isso, no dia em que isso foi discutido, eu disse que nós moramos num apartamento e que tenho dó de bicho em apartamento. Cabe um cachorro, é verdade. Mas acho maldade manter cachorro em apartamento. Principalmente porque tem que levar o bicho para passear, fazer as necessidades e recolher o que for necessário. Acho isso chato. A parte de passear, não. A outra parte, sim, a de recolher.
_É só levar saco plástico – detonou a minha mulher, sendo ovacionada pelo restante da ala feminina.
Protestei mas fui voto vencido. O voto do meu filho foi invalidado porque ele começou a berrar que não iria permitir que o cachorro se aproximasse do Playstation. Aqui em casa não pode berrar. Eu, da minha parte, sei que aquele que perde votação, acaba tendo que levar o bicho pra passear e recolher, já vi tudo. Ao perdedor, os sacos plásticos e os recolhíveis.
A verdade é que no aniversário da minha princesa ela será presenteada com um cachorro, da raça que nós mais gostamos, que é o Schnauzer. Foi por causa da aparência geral do Schnáuzer que escolhi o nome do tal político de São Paulo. Tem os mesmo olhos bovinos, os bigodes abundantes, o rabo curto e preso. Dizem que todos os bichos dessa raça têm a mesma característica inata, uma covardia febril, uma decisão vacilante. Late que vai e fica. Uma lástima. Parece que gostam de levar bronca em público. Ô raça.
Acho que ainda não tinha contado aqui que a minha filha quer ter um cachorro. É só ela que quer ter o cachorro. O irmão não tem o menor interesse em caninos. Baseado na experiência de um colega de escola, ele acha ótimo cachorro, mas na casa dos outros.
_Pai, cachorro rói plêisteichion. Eu vi a Kika, do Pedro de Freitas. Eu vi – ele me contou, horrorizado. Eu balanço a cabeça, em concordância. Pelo menos um filho está do meu lado.
Mas sei que isso não é suficiente para vencer o lado feminino. É preciso mais argumentos. Por isso, no dia em que isso foi discutido, eu disse que nós moramos num apartamento e que tenho dó de bicho em apartamento. Cabe um cachorro, é verdade. Mas acho maldade manter cachorro em apartamento. Principalmente porque tem que levar o bicho para passear, fazer as necessidades e recolher o que for necessário. Acho isso chato. A parte de passear, não. A outra parte, sim, a de recolher.
_É só levar saco plástico – detonou a minha mulher, sendo ovacionada pelo restante da ala feminina.
Protestei mas fui voto vencido. O voto do meu filho foi invalidado porque ele começou a berrar que não iria permitir que o cachorro se aproximasse do Playstation. Aqui em casa não pode berrar. Eu, da minha parte, sei que aquele que perde votação, acaba tendo que levar o bicho pra passear e recolher, já vi tudo. Ao perdedor, os sacos plásticos e os recolhíveis.
A verdade é que no aniversário da minha princesa ela será presenteada com um cachorro, da raça que nós mais gostamos, que é o Schnauzer. Foi por causa da aparência geral do Schnáuzer que escolhi o nome do tal político de São Paulo. Tem os mesmo olhos bovinos, os bigodes abundantes, o rabo curto e preso. Dizem que todos os bichos dessa raça têm a mesma característica inata, uma covardia febril, uma decisão vacilante. Late que vai e fica. Uma lástima. Parece que gostam de levar bronca em público. Ô raça.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Touca de banho
Fiscal de farmácia, guarda de trânsito e enterro de anão a gente vê todo dia, toda hora. Por isso, não sei se vou conseguir me adaptar. Daqui a seis meses, as farmácias serão diferentes, graças a uma nova disposição da agência de vigilância da nossa saúde. Aqueles caras sim, são bons de vigiar. Vejo montes desses fiscais todos os dias, nas periferias das farmácias, assobiando, tentando disfarçar que estão fiscalizando. Todo farmacêutico sabe que eles estão ali por perto. Eles vigiam mesmo. Especialmente para ver se a lei que obriga a apresentação de receita para remédio com receita é cumprida. Coisa que toda farmácia faz, é claro, pois senão todas seriam multadas. Os fiscais ficam ali, de mutuca, só observando a freguesada chegar e pedir remédio de receita, sem receita, e a turma vender. Basta o balconista se distrair e esquecer de pedir a receita que o fiscal já pula em cima do balcão e aplica multa, quer lacrar balcão, o escambau. Já vi muito.
E agora vai ter ainda mais. Pelas novas regras, as farmácias não poderão colocar os medicamentos de venda livre nas gôndolas e prateleiras, ao alcance dos consumidores. É óbvio que essa regra será cumprida na íntegra, duela a quem duela. Esses fiscais, que existem aos milhares em cada cidade desse país, estarão vigiando as farmácias e os consumidores espertinhos, que quiserem tocar nas embalagens ou que se meterem a besta e quiserem ler as coisas que os laboratórios são obrigados a informar, por causa de outra lei.
Isso vai acabar, é lógico, tinha que acabar mesmo. Agora só para dar uma olhada na embalagem de uma Cibalena qualquer o sujeito terá que pedir a um farmacêutico juramentado do outro lado do balcão. Para saber pra que serve um Commel, o cidadão terá de pedir permissão ao balconista depois de pedir benção ao doutor.
_Ô amigão, deixa eu ver aquele remedinho ali, meu filho, aquele da embalagem mais colorida, estilo Hercovitch. Não, essa embalagem daí é mais pra Denner, Clodovil. É o outro. Mas essa anta não entende nada de griffe medicinal, que horror!
Uma amiga minha, que é também consumidora inveterada de remédios legais e contrabandeados, garrafadas milagrosas e rezas brabas, gostou particularmente dessa parte da nova regra.
_Tudo isso está certo, é porque eu e o povo brasileiro temos mania de remédios e os nossos legisladores e vigilantes resolveram cortar o mal pela raizeira, que é a prateleira da farmácia. Sim, senhor.
Sobre a restrição ao acesso, o assunto promete seis meses de polêmica, até a coisa pegar pra valer. Tem gente que gosta. E tem gente que acha ruim.
_Careca, era uns nomes difíceis, que ninguém conseguia ler, parecia alemão. Então é melhor parar com isso e conviver com as contra-indicações e efeitos colaterais – comentou um colega meu, exímio conhecedor de cerveja, consumidor eventual de dramines, xaropes e relaxantes.
Isso me deixa profundamente deprimido. Eu gosto de ficar perto das prateleiras de remédios sem receita, daqueles para dor de cabeça e resfriado, por exemplo. Acho as embalagens bonitas. Gosto dos displays, dos slogans bem bolados, do aproach. Mas é a modernidade. Fazer o quê? Aqueles emplastros, água oxigenada, methiolate, sonrisal, pomada para assadura, hipoglos, epocler e sal de fruta serão coisa de um passado remoto. Isso é muito bom, porque eu vivia fazendo estoques dessas coisas em casa. Eu e as torcidas dos maiores times do Brasil mantemos boticas e farmacinhas em casa dessas bobagens à toa, é lógico, porque as filas de hospitais públicos, conveniados e privados acabaram oficialmente no Brasil tem bem uns sete anos.
E depois a nova regra não fala só de avançar o balcão da farmácia. Ela também diz que as farmácias só poderão vender remédios ou coisas ali, das vizinhanças, tipo mamadeira e fralda descartável.
É porque as farmácias e todos nós já estávamos abusando, não é mesmo? Tinha lixa de unha, cosmético, alicate, esmalte, tinta de cabelo, aparelho de barbear, camisinha, melzinho, mel com própolis e bucha de banho. E nada disso é medicamento, gente. Olha só. A gente entrava na farmácia com o dinheiro contado para comprar os remédios e torrava tudo com essas bobagens que ficavam expostas nas prateleiras. E a gente nem se dava conta disso , né?
Temos de tirar o chapéu para esse pessoar vigilante. Embora eu, pessoalmente, ache que a bucha de banho continuará a ter sua venda permitida nas farmácias. Parece que produtos de higiene ainda poderão ser vendidos. Mas, e a touca de banho? Não que eu tenha alguma coisa com isso, afinal, não preciso dessas coisas.
Pensando bem, é melhor não. Porque aqui a turma abusa. Começa com a touca, depois vem os elásticos de cabelo, espelho, bola de gude, picolé, chiclete, escova de cabelo (ugh!) e num instante tudo voltará a ser como antes. Felizmente, a vigilância está atenta e punirá todos os infratores.
E agora vai ter ainda mais. Pelas novas regras, as farmácias não poderão colocar os medicamentos de venda livre nas gôndolas e prateleiras, ao alcance dos consumidores. É óbvio que essa regra será cumprida na íntegra, duela a quem duela. Esses fiscais, que existem aos milhares em cada cidade desse país, estarão vigiando as farmácias e os consumidores espertinhos, que quiserem tocar nas embalagens ou que se meterem a besta e quiserem ler as coisas que os laboratórios são obrigados a informar, por causa de outra lei.
Isso vai acabar, é lógico, tinha que acabar mesmo. Agora só para dar uma olhada na embalagem de uma Cibalena qualquer o sujeito terá que pedir a um farmacêutico juramentado do outro lado do balcão. Para saber pra que serve um Commel, o cidadão terá de pedir permissão ao balconista depois de pedir benção ao doutor.
_Ô amigão, deixa eu ver aquele remedinho ali, meu filho, aquele da embalagem mais colorida, estilo Hercovitch. Não, essa embalagem daí é mais pra Denner, Clodovil. É o outro. Mas essa anta não entende nada de griffe medicinal, que horror!
Uma amiga minha, que é também consumidora inveterada de remédios legais e contrabandeados, garrafadas milagrosas e rezas brabas, gostou particularmente dessa parte da nova regra.
_Tudo isso está certo, é porque eu e o povo brasileiro temos mania de remédios e os nossos legisladores e vigilantes resolveram cortar o mal pela raizeira, que é a prateleira da farmácia. Sim, senhor.
Sobre a restrição ao acesso, o assunto promete seis meses de polêmica, até a coisa pegar pra valer. Tem gente que gosta. E tem gente que acha ruim.
_Careca, era uns nomes difíceis, que ninguém conseguia ler, parecia alemão. Então é melhor parar com isso e conviver com as contra-indicações e efeitos colaterais – comentou um colega meu, exímio conhecedor de cerveja, consumidor eventual de dramines, xaropes e relaxantes.
Isso me deixa profundamente deprimido. Eu gosto de ficar perto das prateleiras de remédios sem receita, daqueles para dor de cabeça e resfriado, por exemplo. Acho as embalagens bonitas. Gosto dos displays, dos slogans bem bolados, do aproach. Mas é a modernidade. Fazer o quê? Aqueles emplastros, água oxigenada, methiolate, sonrisal, pomada para assadura, hipoglos, epocler e sal de fruta serão coisa de um passado remoto. Isso é muito bom, porque eu vivia fazendo estoques dessas coisas em casa. Eu e as torcidas dos maiores times do Brasil mantemos boticas e farmacinhas em casa dessas bobagens à toa, é lógico, porque as filas de hospitais públicos, conveniados e privados acabaram oficialmente no Brasil tem bem uns sete anos.
E depois a nova regra não fala só de avançar o balcão da farmácia. Ela também diz que as farmácias só poderão vender remédios ou coisas ali, das vizinhanças, tipo mamadeira e fralda descartável.
É porque as farmácias e todos nós já estávamos abusando, não é mesmo? Tinha lixa de unha, cosmético, alicate, esmalte, tinta de cabelo, aparelho de barbear, camisinha, melzinho, mel com própolis e bucha de banho. E nada disso é medicamento, gente. Olha só. A gente entrava na farmácia com o dinheiro contado para comprar os remédios e torrava tudo com essas bobagens que ficavam expostas nas prateleiras. E a gente nem se dava conta disso , né?
Temos de tirar o chapéu para esse pessoar vigilante. Embora eu, pessoalmente, ache que a bucha de banho continuará a ter sua venda permitida nas farmácias. Parece que produtos de higiene ainda poderão ser vendidos. Mas, e a touca de banho? Não que eu tenha alguma coisa com isso, afinal, não preciso dessas coisas.
Pensando bem, é melhor não. Porque aqui a turma abusa. Começa com a touca, depois vem os elásticos de cabelo, espelho, bola de gude, picolé, chiclete, escova de cabelo (ugh!) e num instante tudo voltará a ser como antes. Felizmente, a vigilância está atenta e punirá todos os infratores.
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Três letrinhas
Perdi hoje de lavada para a minha pequena menina. Quatro anos de idade. Vai fazer cinco em setembro. Ela fez manha na porta da escola e saiu vitoriosa. Foi assim.
_Paiê, quero ouvir as Três Letrinhas – ela disse, no meio do caminho para a escola. Ela adora essa música da Marisa Monte. Como ainda faltava metade do caminho, coloquei o cd para tocar da terceira música. Três Letrinhas é a quarta. Achei que dava tempo. Mas a canção ainda estava na metade quando estacionei na porta da escola.
_Ah, paiê, a música ainda não acabou.
_A gente leva o irmão e depois escuta a música, amanhã.
_Não, quero ouvir agora.
_Primeiro vamos levar o irmão até a sala, que ele entra mais cedo, às sete e meia, e já estamos atrasados.
_Não, não e não – e abriu o berreiro.
Fiz a promessa solene de voltar para ouvir o resto da música no carro. Ele fingiu que topou. Entramos na escola e ela adivinhou que eu ia tentar a velha manobra evasiva de inventar uma desculpa e deixar a música para o dia seguinte. Esperta como Cassandra, ela adivinhou os meus pensamentos e abriu o berreiro de novo.
Não teve jeito. Tive que entrar no carro novamente com a menina.
_E não vale, paiê. Tem que ser desde o início.
Então coloquei a música desde o início:
“Sim, são três letrinhas, Todas bonitinhas, Fáceis de dizer, Ditas por você, Nesse seu sim, assim
Outras três também, Representam não, Que não fica bem no seu coração
Sim, são três letrinhas, Todas bonitinhas, Fáceis de dizer, Ditas por você, Nesse seu sim, assim
Outras três também, Representam não, Que não fica bem no seu coração
É minha canção resto de oração, Que fugiu da igreja, Não quis mais do vinho
Foi tomar cerveja, Voltou ao jardim, E tá esperando gente, Que só disse sim
E tá esperando gente, Que só disse sim, E tá esperando gente, Que só disse sim”
Ela gosta de ouvir música de olhos fechados, acompanhando a melodia com a cabeça, como o público faz nos programas de auditório.
No almoço, confessei tudo para a minha mulher.
_Ela manobrou você direitinho. Agora já aprendeu que fazer manha dá certo.
_Acho que os pais devem perder umas batalhas.
_Do jeito que você vai, perderá a guerra também.
E na minha cabeça, eu escuto as três letrinhas.
_Paiê, quero ouvir as Três Letrinhas – ela disse, no meio do caminho para a escola. Ela adora essa música da Marisa Monte. Como ainda faltava metade do caminho, coloquei o cd para tocar da terceira música. Três Letrinhas é a quarta. Achei que dava tempo. Mas a canção ainda estava na metade quando estacionei na porta da escola.
_Ah, paiê, a música ainda não acabou.
_A gente leva o irmão e depois escuta a música, amanhã.
_Não, quero ouvir agora.
_Primeiro vamos levar o irmão até a sala, que ele entra mais cedo, às sete e meia, e já estamos atrasados.
_Não, não e não – e abriu o berreiro.
Fiz a promessa solene de voltar para ouvir o resto da música no carro. Ele fingiu que topou. Entramos na escola e ela adivinhou que eu ia tentar a velha manobra evasiva de inventar uma desculpa e deixar a música para o dia seguinte. Esperta como Cassandra, ela adivinhou os meus pensamentos e abriu o berreiro de novo.
Não teve jeito. Tive que entrar no carro novamente com a menina.
_E não vale, paiê. Tem que ser desde o início.
Então coloquei a música desde o início:
“Sim, são três letrinhas, Todas bonitinhas, Fáceis de dizer, Ditas por você, Nesse seu sim, assim
Outras três também, Representam não, Que não fica bem no seu coração
Sim, são três letrinhas, Todas bonitinhas, Fáceis de dizer, Ditas por você, Nesse seu sim, assim
Outras três também, Representam não, Que não fica bem no seu coração
É minha canção resto de oração, Que fugiu da igreja, Não quis mais do vinho
Foi tomar cerveja, Voltou ao jardim, E tá esperando gente, Que só disse sim
E tá esperando gente, Que só disse sim, E tá esperando gente, Que só disse sim”
Ela gosta de ouvir música de olhos fechados, acompanhando a melodia com a cabeça, como o público faz nos programas de auditório.
No almoço, confessei tudo para a minha mulher.
_Ela manobrou você direitinho. Agora já aprendeu que fazer manha dá certo.
_Acho que os pais devem perder umas batalhas.
_Do jeito que você vai, perderá a guerra também.
E na minha cabeça, eu escuto as três letrinhas.
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Folhas secas
Tem um samba que eu gosto muito.
Folhas secas.
Esqueci quem canta.
Os melhores sambas, não escuto mais.
Tenho preguiça.
O MP3 aumentou a minha preguiça.
Agora eu tenho mega-arquivos das coisas velhas que eu ouvia.
Copio mega-arquivos já feitos por outras pessoas.
Coisas novas, apelo para as dicas das flores Sunflower e Fina Flor.
Do Rodrigo.
Na maioria das vezes, não gosto de samba.
Mas desse eu gosto.
domingo, 16 de agosto de 2009
Inimigo público e Amadeus
Fui assistir a Inimigo Público, com o J.Deep. É bom. Em algumas cenas, deu pra notar que o diretor estava querendo fazer cinema de verdade, com letra maiúscula. Ele investiu pesado na fotografia. E acertou muitas vezes. Em outras, acho que errou.
Ele também fez uma coisa que eu gosto muito. Uma história com início, meio e fim. E com a conclusão final. Desde Cidadão Kane, os melhores filmes de Hollywood possuem uma frase final, uma moral conclusiva e definitiva. Em Kane, essa frase é resumida pela metáfora de Rosebud. Em Inimigo Público, há uma coisa parecida, não preciso dizer o que é, é a última frase do filme.
Foi um bom filme.
Mas estou com saudade de um GRANDE filme. Outro dia revi um GRANDE filme em casa, comprado numa promoção das LAs. Amadeus.
Milos Forman é um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos. Numa cena, logo no início, o maestro Salieri começa a contar porque teria matado Mozart. É uma das melhores e mais deliciosas cenas que já vi. O maestro parece ler uma partitura invisível e reger uma orquestra com a magnífica música de Mozart. Ali tem há uma "Rosebud" escondida. Uma confluência, um sentido brilhante que a mente e o coração começam a apreender, mas que se esvai, no último instante.
Em alguns momentos, Inimigos Públicos também consegue essa proeza.
Ele também fez uma coisa que eu gosto muito. Uma história com início, meio e fim. E com a conclusão final. Desde Cidadão Kane, os melhores filmes de Hollywood possuem uma frase final, uma moral conclusiva e definitiva. Em Kane, essa frase é resumida pela metáfora de Rosebud. Em Inimigo Público, há uma coisa parecida, não preciso dizer o que é, é a última frase do filme.
Foi um bom filme.
Mas estou com saudade de um GRANDE filme. Outro dia revi um GRANDE filme em casa, comprado numa promoção das LAs. Amadeus.
Milos Forman é um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos. Numa cena, logo no início, o maestro Salieri começa a contar porque teria matado Mozart. É uma das melhores e mais deliciosas cenas que já vi. O maestro parece ler uma partitura invisível e reger uma orquestra com a magnífica música de Mozart. Ali tem há uma "Rosebud" escondida. Uma confluência, um sentido brilhante que a mente e o coração começam a apreender, mas que se esvai, no último instante.
Em alguns momentos, Inimigos Públicos também consegue essa proeza.
sábado, 15 de agosto de 2009
Aromatizante argentino
_Careca, que cheiro é esse?
_Levei o carro para a revisão.
_Mas parece cheiro lança-perfume.
_Como você sabe o cheiro de lança-perfume?
_Minha prima cheirou uma vez e me fez cheirar também.
_Rá. Eu acredito. Ninguém consegue mandar em você.
_Tudo bem, mas foi só uma vez no carnaval e passei mal.
_Pois foi isso mesmo, tacaram um loló no carro depois da revisão. É para disfarçar o cheiro de óleo e graxa que passaram nas portas.
_Disfarça até demais. Estou ficando enjoada.
_Deixa disso. Já tomei todos os cuidados. Por precaução, eu entrei no carro e fiquei respirando o ar daqui de dentro uns dez minutos até o cheiro quase se esgotar.
_Caramba, parece que estou naquele carnaval.
_Alalaô,ôoÔOOOOOÔOO. Ananauê!
_Levei o carro para a revisão.
_Mas parece cheiro lança-perfume.
_Como você sabe o cheiro de lança-perfume?
_Minha prima cheirou uma vez e me fez cheirar também.
_Rá. Eu acredito. Ninguém consegue mandar em você.
_Tudo bem, mas foi só uma vez no carnaval e passei mal.
_Pois foi isso mesmo, tacaram um loló no carro depois da revisão. É para disfarçar o cheiro de óleo e graxa que passaram nas portas.
_Disfarça até demais. Estou ficando enjoada.
_Deixa disso. Já tomei todos os cuidados. Por precaução, eu entrei no carro e fiquei respirando o ar daqui de dentro uns dez minutos até o cheiro quase se esgotar.
_Caramba, parece que estou naquele carnaval.
_Alalaô,ôoÔOOOOOÔOO. Ananauê!
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Dumbo
Acidentes domésticos acontecem todos os dias. E ontem à noite aconteceu um, lá em casa. Não se preocupe, ninguém se machucou. Como todos da minha Kombi de leitores bem sabem, sou um pai super-paranóico. Oscilo entre a super-proteção e o relaxamento na hora errada, seguido de um sentimento de culpa, gagueira, febre alta e tosse.
Foi assim. Ao chegar em casa, as crianças estavam disputando quem conseguia gritar mais alto para chamar a minha atenção. Elas fazem isso de vez em quando. É natural. É, inclusive, uma evolução. Antigamente, ao chegar em casa eles pulavam sobre os meus sapatos e ficavam sentados, cada um agarrado a uma perna. Eu tinha que sacudir as pernas com força para me livrar de um de cada vez. Xô!
Uma vez molhei os sapatos depois de uma chuva forte. Desde então, eles desistiram de sentar sobre os meus pés. Em compensação, adotaram a tática de ganhar a minha atenção no grito.
_Crianças, por favor! – eu berrei, assim que consegui tirar a gravata.
Os dois me olharam, olhos arregalados.
_Eu vou virar o Monstro do Cabide, mas daqui a pouco. Preciso ir ao banheiro e trocar de roupa. Tá legal?
E esse foi o meu erro. Adulto não pode encerrar diálogo com criança com uma pergunta. Isso, na cabeça dos pequenos dinossauros, significa que você não tem certeza do que está dizendo e que poderá ser convencido com uns berros bem dados durante frases rápidas.
_Paiê, vamos jogar Ben10?
_Não, hoje é dia de vídeo – berrou a menina.
E começou a bagunça de novo. Fui até o banheiro, apesar do protesto das crianças, e consegui mais ou menos dois minutos de sossego com a porta trancada. Até que o casal de Iguanodontes começou a esmurrar a porta do banheiro. Isso me irrita, um pouco.
Sem camisa e de moleton, balancei uma toalha de rosto, branca, e saí do banheiro.
_Paz, ugh, paz. Mim ser índio legal. Vamos conversar sem dar pancada na porta. Ugh.
Mas eles estavam elétricos. Não conseguiam ficar quietos. Aí percebi que a janela da sala estava aberta. Uma corrente de ar estava deixando o ambiente bem gelado e seco. Fechei a janela e fiz a proposta mais marota do mundo.
_Hoje vamos ter sessão de cinema. Todo mundo de pijama, que eu vou fazer pipoca!!
Em noite de “sessão de cinema”, faço pipoca, ponho o vídeo, esticamos edredons no sofá e nos acabamos de comer pipoca vendo o vídeo. É super-legal.
E ia ser mesmo. Já havíamos escolhido um DVD, depois de uma votação apertada em que eu, o voto Minerva, votei duas vezes para estimular o irmão mais velho a deixar a irmã mais nova vencer ao menos daquela vez. Tudo certo. Era só pegar os edredons e ir para o sofá.
Meu filho pegou o edredon dele, no quarto, e levou até o sofá. E a minha filha também fez questão que carregar o edredon dela. Só que no canto do caminho, onde eu achei que não havia perigo, havia uma mesinha de vidro pequena, redonda, com pé em círculo.
Só escutei o barulho. Corri até a sala e lá estava a minha menina, ainda segurando o edredon, olhando para os estilhaços da mesinha. Eu a levantei e carreguei para o sofá, num check-up instantâneo de que nada havia acontecido com ela. Era a mesinha de vidro predileta da minha mulher, um xodó dos tempos do casório.
Mesmo depois que eu garanti que não tinha importância, ela chorou por uns cinco minutos, o soluço forte, de tirar o fôlego. O stress foi tão grande que ela dormiu uns dez minutos depois que eu varri todos os cacos de vidro da mesinha. E meu filho dormiu rápido também.
Às nove da noite, eu estava sozinho, as crianças dormindo bem aquecidas. E eu nem quis assistir a história do elefante que sabia voar.
Foi assim. Ao chegar em casa, as crianças estavam disputando quem conseguia gritar mais alto para chamar a minha atenção. Elas fazem isso de vez em quando. É natural. É, inclusive, uma evolução. Antigamente, ao chegar em casa eles pulavam sobre os meus sapatos e ficavam sentados, cada um agarrado a uma perna. Eu tinha que sacudir as pernas com força para me livrar de um de cada vez. Xô!
Uma vez molhei os sapatos depois de uma chuva forte. Desde então, eles desistiram de sentar sobre os meus pés. Em compensação, adotaram a tática de ganhar a minha atenção no grito.
_Crianças, por favor! – eu berrei, assim que consegui tirar a gravata.
Os dois me olharam, olhos arregalados.
_Eu vou virar o Monstro do Cabide, mas daqui a pouco. Preciso ir ao banheiro e trocar de roupa. Tá legal?
E esse foi o meu erro. Adulto não pode encerrar diálogo com criança com uma pergunta. Isso, na cabeça dos pequenos dinossauros, significa que você não tem certeza do que está dizendo e que poderá ser convencido com uns berros bem dados durante frases rápidas.
_Paiê, vamos jogar Ben10?
_Não, hoje é dia de vídeo – berrou a menina.
E começou a bagunça de novo. Fui até o banheiro, apesar do protesto das crianças, e consegui mais ou menos dois minutos de sossego com a porta trancada. Até que o casal de Iguanodontes começou a esmurrar a porta do banheiro. Isso me irrita, um pouco.
Sem camisa e de moleton, balancei uma toalha de rosto, branca, e saí do banheiro.
_Paz, ugh, paz. Mim ser índio legal. Vamos conversar sem dar pancada na porta. Ugh.
Mas eles estavam elétricos. Não conseguiam ficar quietos. Aí percebi que a janela da sala estava aberta. Uma corrente de ar estava deixando o ambiente bem gelado e seco. Fechei a janela e fiz a proposta mais marota do mundo.
_Hoje vamos ter sessão de cinema. Todo mundo de pijama, que eu vou fazer pipoca!!
Em noite de “sessão de cinema”, faço pipoca, ponho o vídeo, esticamos edredons no sofá e nos acabamos de comer pipoca vendo o vídeo. É super-legal.
E ia ser mesmo. Já havíamos escolhido um DVD, depois de uma votação apertada em que eu, o voto Minerva, votei duas vezes para estimular o irmão mais velho a deixar a irmã mais nova vencer ao menos daquela vez. Tudo certo. Era só pegar os edredons e ir para o sofá.
Meu filho pegou o edredon dele, no quarto, e levou até o sofá. E a minha filha também fez questão que carregar o edredon dela. Só que no canto do caminho, onde eu achei que não havia perigo, havia uma mesinha de vidro pequena, redonda, com pé em círculo.
Só escutei o barulho. Corri até a sala e lá estava a minha menina, ainda segurando o edredon, olhando para os estilhaços da mesinha. Eu a levantei e carreguei para o sofá, num check-up instantâneo de que nada havia acontecido com ela. Era a mesinha de vidro predileta da minha mulher, um xodó dos tempos do casório.
Mesmo depois que eu garanti que não tinha importância, ela chorou por uns cinco minutos, o soluço forte, de tirar o fôlego. O stress foi tão grande que ela dormiu uns dez minutos depois que eu varri todos os cacos de vidro da mesinha. E meu filho dormiu rápido também.
Às nove da noite, eu estava sozinho, as crianças dormindo bem aquecidas. E eu nem quis assistir a história do elefante que sabia voar.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Um dia de cão sem-terra
_Careca, o que você gostaria que tivesse acontecido hoje?
_Gostaria que uma fila de caminhões, carregados de saquinhos cheios de terra, tivesse descido a ladeira da Esplanada dos Ministérios, bem devagar. De cima de cada caçamba, lutadores de jiu-jitsu estariam atirando os saquinhos de terra em dezenas de manifestantes, à medida que os carros avançassem, numa boa, sem violência. Os caras, bem fortões, seguiriam tacando os sacos e gritando “Olha a terra aí, minha gente”! Quando acabasse o saco, aí sim, os lutadores partiriam para a reforma agrária e abririam caminho no tapa.
Atrás do cortejo de lutadores, viria a tropa de choque dos cara-pintadas, carregando milhares de atos secretos. Eles enfiariam atos secretos nos bolsos dos manifestantes e prosseguiriam até o Senado Federal cantando e seguindo a canção. Depois eles...
_...!
_Desculpe. Não é um dia bom.
_Gostaria que uma fila de caminhões, carregados de saquinhos cheios de terra, tivesse descido a ladeira da Esplanada dos Ministérios, bem devagar. De cima de cada caçamba, lutadores de jiu-jitsu estariam atirando os saquinhos de terra em dezenas de manifestantes, à medida que os carros avançassem, numa boa, sem violência. Os caras, bem fortões, seguiriam tacando os sacos e gritando “Olha a terra aí, minha gente”! Quando acabasse o saco, aí sim, os lutadores partiriam para a reforma agrária e abririam caminho no tapa.
Atrás do cortejo de lutadores, viria a tropa de choque dos cara-pintadas, carregando milhares de atos secretos. Eles enfiariam atos secretos nos bolsos dos manifestantes e prosseguiriam até o Senado Federal cantando e seguindo a canção. Depois eles...
_...!
_Desculpe. Não é um dia bom.
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
Gel e a gripe suína
Meu filho estava com um penteado esquisito ontem na escola. Era assim, meio moicano, sabe, espetado no meio. Perguntei o que era aquilo no cabelo.
_É álcool gel – ele respondeu, todo feliz.
_Ficou bonito – eu disse. É preciso apoiar as iniciativas dos filhos.
_E o melhor é que agora o meu cabelo não pega a gripe suína – disse o meu menino.
Em seguida eu vi um monte de meninos moicanos. E uma menina.
_Caramba – eu pensei, lembrando dos cabelos encaracolados da minha filha. Ela não ficaria bem de moicano.
Mas ela estava bem, com um belo enfeite de flor.
_É álcool gel – ele respondeu, todo feliz.
_Ficou bonito – eu disse. É preciso apoiar as iniciativas dos filhos.
_E o melhor é que agora o meu cabelo não pega a gripe suína – disse o meu menino.
Em seguida eu vi um monte de meninos moicanos. E uma menina.
_Caramba – eu pensei, lembrando dos cabelos encaracolados da minha filha. Ela não ficaria bem de moicano.
Mas ela estava bem, com um belo enfeite de flor.
terça-feira, 11 de agosto de 2009
Os anéis de saturno
Fui almoçar hoje com dois colegas de trabalho. Sujeitos legais. Nenhum de nós conseguiu se livrar do trabalho nas proximidades da hora do almoço e acabamos almoçando juntos no shopping. Às vezes, é uma boa.
Hoje nós encaramos um self-service razoável, dentro de uma livraria. Conversa vai. Conversa vem. Um dos caras viu um enorme telescópio em exposição na livraria.
_Pô Careca, acho que eu vou comprar um telescópio.
_É uma boa - eu disse. Dizem que é muito bom observar as estrelas.
Mas, por dentro, eu pensei: "Cara, com esse seu jeitão de astrônomo, o vendedor vai sacar no ato que você vai bisbilhotar a vizinhança inteira."
_Esse telescópio é muito bom. Eu tenho um desses. Fico observando os anéis de saturno - disse o outro colega.
_Demais, os anéis de saturno - eu disse, balançando a cabeça em concordância. O lugar onde eu trabalho está cheio de intelectuais e pensadores. São tipos abstratos.
Mas, por dentro, eu pensei:"Bicho, com esse seu jeitão de TED, está na cara que você só está a fim de olhar os anéis das satúrnias que saem do banho."
_E você, Careca? Não curte astronomia? - me perguntou o TED.
_Curto, curto de montão. Mas não sei distinguir uma Três Marias de um Cruzeiro do Sul, Escorpião de Capricórnio, Libra de Câncer. E ainda por cima acho que sou daltônico. Para mim a Estrela D´álva é da mesma cor que o planeta Vênus e o planeta Marte - eu falei, esperando os comentários.
Ninguém protestou. Em seguida, os caras falaram de política. Depois falaram de economia. Depois falaram de férias. Em seguida, falaram de futebol. E depois voltaram a falar do telescópio. Ambos duvidavam que Amstrong tivesse pisado na lua.
_Foi armação. Vi na Internet. É tudo mentira - eles disseram.
_O que você acha? - perguntou o TED.
_Acho que foram de verdade - eu disse.
E, por dentro, eu pensei:"Eles foram. E voltaram. E foram de novo, uma porção de vezes. E voltaram em todas. Não esqueceram ninguém."
Mas daqui a uns vinte anos, acho que o mito da armação estará mais forte que a verdade.
Hoje nós encaramos um self-service razoável, dentro de uma livraria. Conversa vai. Conversa vem. Um dos caras viu um enorme telescópio em exposição na livraria.
_Pô Careca, acho que eu vou comprar um telescópio.
_É uma boa - eu disse. Dizem que é muito bom observar as estrelas.
Mas, por dentro, eu pensei: "Cara, com esse seu jeitão de astrônomo, o vendedor vai sacar no ato que você vai bisbilhotar a vizinhança inteira."
_Esse telescópio é muito bom. Eu tenho um desses. Fico observando os anéis de saturno - disse o outro colega.
_Demais, os anéis de saturno - eu disse, balançando a cabeça em concordância. O lugar onde eu trabalho está cheio de intelectuais e pensadores. São tipos abstratos.
Mas, por dentro, eu pensei:"Bicho, com esse seu jeitão de TED, está na cara que você só está a fim de olhar os anéis das satúrnias que saem do banho."
_E você, Careca? Não curte astronomia? - me perguntou o TED.
_Curto, curto de montão. Mas não sei distinguir uma Três Marias de um Cruzeiro do Sul, Escorpião de Capricórnio, Libra de Câncer. E ainda por cima acho que sou daltônico. Para mim a Estrela D´álva é da mesma cor que o planeta Vênus e o planeta Marte - eu falei, esperando os comentários.
Ninguém protestou. Em seguida, os caras falaram de política. Depois falaram de economia. Depois falaram de férias. Em seguida, falaram de futebol. E depois voltaram a falar do telescópio. Ambos duvidavam que Amstrong tivesse pisado na lua.
_Foi armação. Vi na Internet. É tudo mentira - eles disseram.
_O que você acha? - perguntou o TED.
_Acho que foram de verdade - eu disse.
E, por dentro, eu pensei:"Eles foram. E voltaram. E foram de novo, uma porção de vezes. E voltaram em todas. Não esqueceram ninguém."
Mas daqui a uns vinte anos, acho que o mito da armação estará mais forte que a verdade.
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Certezas curtas
Das certezas
Tenho convicções abaladas. Isso não foi provocado por uma só coisa, um fato único. É mais uma derivação de tudo o que acontece, um efeito lento e inevitável de uma maré interna. Uma escavação de longos anos nas pedras que eu tenho no peito. Certezas, tenho poucas. Curtas.
Tenho convicções abaladas. Isso não foi provocado por uma só coisa, um fato único. É mais uma derivação de tudo o que acontece, um efeito lento e inevitável de uma maré interna. Uma escavação de longos anos nas pedras que eu tenho no peito. Certezas, tenho poucas. Curtas.
domingo, 9 de agosto de 2009
Uma grande dica de Hemingway
"Indo aonde se deve ir, fazendo o que se tem que fazer, observando o que há para se observar, qualquer um encontra e identifica material e instrumental para escrever uma história. Quanto a mim, prefiro trabalhá-la e poli-las bastante, prefiro ter de colocá-las, por assim dizer, numa espécie de bigorna, martelá-las até forjá-las a contento, ou mesmo apenas moldá-las numa pedra já formatada, e asim saber que tenho algo sobre o que escrever: prefiro isso a ter aquele material claro e brilhante, já pronto, e não ter nada a dizer, ou então tê-lo limpo e bem lubrificado, guardado no armário, mas fora de uso.
Então faz-se sempre necessário utilizar a bigorna. Gostariade viver o bastante para escrever mais três romances e mais vinte e cinco contos. Conheço alguns casos muito interessantes."
Ernest Hemingway (1938)
Esse pedaço de texto está na orelha do segundo volume de contos organizados pelo próprio Hemingway e publicado no Brasil pela Editora BB-Bertrand Brasil, em 2001. São 21 contos. Na maioria deles, um dos personagens morre. Num dos que mais gosto, Nick, o alter ego de Hemingway, testemunha a chegada de dois assassinos numa lanchonete.
É extraordinário como Ernest consegue colocar você ao lado do protagonista.
É extraordinário como, numa orelha de livro, ele parece falar do que aconteceria somente em julho de 1961, com sua espingarda de caça, na sua residência em Idaho.
Então faz-se sempre necessário utilizar a bigorna. Gostariade viver o bastante para escrever mais três romances e mais vinte e cinco contos. Conheço alguns casos muito interessantes."
Ernest Hemingway (1938)
Esse pedaço de texto está na orelha do segundo volume de contos organizados pelo próprio Hemingway e publicado no Brasil pela Editora BB-Bertrand Brasil, em 2001. São 21 contos. Na maioria deles, um dos personagens morre. Num dos que mais gosto, Nick, o alter ego de Hemingway, testemunha a chegada de dois assassinos numa lanchonete.
É extraordinário como Ernest consegue colocar você ao lado do protagonista.
É extraordinário como, numa orelha de livro, ele parece falar do que aconteceria somente em julho de 1961, com sua espingarda de caça, na sua residência em Idaho.
sábado, 8 de agosto de 2009
Uma armadilha para o meu pai
Uma vez meu irmão leu o Manual do Escoteiro-Mirim, da Disney. Ficou cheio de idéias mirabolantes para travessuras e diabruras. Uma delas consistia em pregar uma peça numa pessoa. A brincadeira exigia um balde de plástico, uma corda, água e uma porta. O balde cheio d´água era equilibrado sobre a porta entreaberta. A corda amarrada a um prego na parede e ao balde impediria a queda sobre a cabeça da pessoa. Sopa no mel. Água com açúcar. Mole, mole.
A vítima foi o nosso pai. Alguma coisa parece ter dado errado com a armadilha, pois o balde se encaixou sobre a cabeça do meu pai. Ele estava vestido de terno, gravata, processos nas mãos, papelada de trabalho, livros de direito. Ficou ensopado. Não lembro qual foi a punição que meu irmão recebeu. Mas deve ter sido justa, razoável.
Meu pai sempre foi justo e razoável. E ao contrário de mim, que não escondo cara feia e parto para uma discussão aos berros, meu pai é discreto. Queria ter puxado a ele num monte de coisas boas, mas as virtudes e qualidades não costumam ser transmitidas geneticamente, azar o meu.
Uma das qualidades que mais admiro no meu pai é a sua disciplina. Ele tem uma força de vontade fantástica e consegue se impor sacrifícios e restrições com grande rigor, para alcançar seus objetivos. Isso vai da dieta rigorosa para diminuir a taxa de colesterol ao estudo diário para aprender a tocar um instrumento musical, para saber uma coisa nova, para aprimorar o conhecimento sobre algum detalhe das coisas que lhe interessam. Com ele, aprendi desde cedo que, na maioria das vezes, "querer é poder".
Mas também não adianta dar "murro em ponta de faca". Aprendi também que "a cavalo dado não se olha os dentes". E que é muito importante ser fiel "no pouco e no muito". E também que é muito importante agradecer. Obrigado. Thank you. Merci beaucoup. Muchas gracias. E é bem verdade que às vezes eu não agradeço o tanto que deveria agradecer, fico devendo e me esqueço. Não deveria, mas acontece, o ser humano é mesmo um poço de falhas e sucumbências.
Muitos anos depois, numa aula de catecismo aprendi o o quarto mandamento, "honrarás teu pai e tua mãe". Por algum estranho mecanismo cerebral, sempre liguei esse mandamento ao dia em que meu pai caiu na armadilha do meu irmão. É lógico que não me lembro de ver meu pai com um balde sobre a cabeça, ou com as roupas molhadas. Não me lembro sequer de ter visto um processo ou um livro empapado com água. Não me recordo de nada disso. Mas tenho forte na lembrança o assombro e a vergonha que se instalaram no rosto do meu irmão. De algum modo tenho certeza de que, na verdade, a armadilha era para mim. E não ter caído nela, ensinou muito a nós dois. Embora eu às vezes ainda seja teimoso e continue a querer colocar em prática uma idéias mirabolantes que eu tenho.
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
Um dedo sujo
_Vossa Excelência é um caso de psiquiatria.
_Repita!
_Vossa Excelência é um caso de psiquiatria.
_Não aponte esse seu dedo sujo para mim.
_Coronel de...!
_Repita!
_Coronel de nada!
_Repita!
_Não aponte esse sujo dedo sujo para mim.
_Minoria com complexo de maioria!
_Dedo sujo com o dinheiro de jatinho!
_Cangaceiro!
_Dedo sujo é o seu!
_Repita!
_E o jatinho é meu! Não é de empreiteiro!
(E no final da semana, tudo acaba ao som de “Father and Son”, de Cat Stevens. Salvador Dali não iria conseguir pintar um quadro tão obsceno e maluco. O surrealismo pornográfico é a realidade da América do Sul. Eu prefiro Fábio Júnior!)
O paradeiro de Humberto Okafa
Eu estava voltando para casa outro dia. Liguei o rádio e lá estava a voz dele, inconfundível. Humberto, também conhecido como Okafa. Acho que já falei dele, aqui no blog. Humberto, o bom e velho canalha, o cafajeste mais simpático que conheci na vida. Apresentador de TV, voz bonita e grave das melhores emissoras AM e FM.
Como definir Humberto? Um mulherengo convicto. Um cara que não tolera sobrancelha levantada. Um sujeito que sabe qual é o seu lugar neste mundo, sentado, coçando. Por isso, ele não larga a cadeira. Humberto. Um gênio. Nunca emprestou dinheiro para ninguém. E também nunca pagou uma dívida. Um temendo mão-aberta. Com a grana dos outros. Um brincalhão incorrigível. Desde que a piada não fosse com ele. Um cara que nunca se contentou em ouvir um “não” como resposta. Tinha que ouvir vários. Muitos mesmo. Um cara que vencia pelo cansaço. Um cara sem medo de ser chato. Mas o melhor cara do mundo para fazer você rir de si mesmo.
quinta-feira, 6 de agosto de 2009
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
Poema sobre a volta dos que não foram
Aconteceu, foi só isso.
Durante muito tempo me disseram
que nada disso era realmente meu e seu
Até que as cores se mudaram para outro hemisfério
As alegrias se extinguiram em brasa morna
As melodias se foram
As danças secaram
Sobraram as cinzas das florestas
Tocos de velas acesas
Jantares distantes
Festas remotas
E nem eram nossas, as cinzas
Se nada do que aqui havia
era realmente teu e vosso
só se perdeu o que não se tinha
o resto de uma carência
Mas nem por isso, abandona-se o ar triste
Ainda que a minha ausência não conte
Não importa
Quando eu era mais moço
Sentia falta de tudo o que eu queria
Emobra restasse reconhecer
que do nada também se sente falta
Agora, eu sei,
Mas não há consolo
em se saber estúpido
(O aquarelista desenha bombas)
terça-feira, 4 de agosto de 2009
Adeus para a cafeteira daqui de casa
Faleceu no sábado a cafeteira daqui de casa. Durante dez anos, essa cafeteira serviu a todos nós, fielmente. Era simples, muito simples, essa cafeteira. No máximo, conseguia fazer 12 xícaras de uma passada. E cumpria sua missão com algum ruído, inconfundível. Era o barulho dos últimos vapores de uma coada. O som era acompanhado de um aroma também inconfundível, delicioso, de bem-estar. E ao som e ao aroma se somava a água na boca.
Lembro de quando ela chegou, ainda embrulhada de presente de casamento, uma beleza. Nós, eu e minha mulher, colocamos ela para trabalhar na primeira noite, quando nos instalamos no primeiro apê. Era um super-apê. E nós nos instalamos com apenas duas cadeiras de praia e um colchão. Nossa primeira “mesa” no apê de recém-casados foi um improviso com caixas de papelão, embalagens, isopor. Nosso primeiro jantar nessa mesa era pra ter sido um especial de queijos e vinhos. Mas não deu. O panaca que vos fala vacilou no supermercado. Os queijos para o fondue não vieram. Só o vinho. Minha mulher fez omelete. E depois do jantar, nosso primeiro café de máquina. Foi nota dez.
Desde então, essa cafeteira se tornou inseparável das coisas boas daqui de casa. Minha mulher tentou outras mais bonitas e incrementadas. Mas elas quebraram antes, eram reservadas para visitas chiques. Essas frescuras. A cafeteira de sempre era essa simples, a falecida.
E ela faleceu num dia bonito, essa cafeteira. Acendeu a luzinha vermelha, como sempre. Fiz o leite com chocolate que o menino gosta. Fiz o leite com o coisa de morango que a menina gosta. Mas nada da água esquentar. Esperei mais um pouco. Não esquentou mesmo. Aí bateu uma tristeza de perder a cafeteira. Eu gostava dela. Ela nunca havia me desapontado. Uma vez até a minha mãe elogiou o meu café, que ela fez, essa cafeteira. Fiquei triste.
E achei que os meninos também iam ficar tristes. Mas eles nem perceberam.
Comentei com a minha mulher e ela também não ligou muito. Acho que só eu é que sou meio apegado a essas coisas bestas, sem o menor sentido. Eu guardo um monte de coisa velha. Até coisa velha e quebrada eu guardo. E eu até pensei em guardar a cafeteira, para mandar para o conserto, algum dia.
Mas depois eu pensei bem. Eu nunca iria levar a cafeteira para o conserto. Não valeria a pena. Nessas coisas, o conserto fica quase tão caro quanto um aparelho novo. E depois que uma coisa dessas se quebra, nunca fica igual. Com certeza, essa cafeteira consertada não seria a mesma.
Por isso, no dia seguinte, no domingo, comprei uma cafeteira substituta. É bacana ela. É bem simples. Também faz 12 cafés com uma passada. Mas não faz barulho nenhum. É silenciosa.
E a minha mulher se desfez da outra cafeteira. Eu não tive coragem.
Lembro de quando ela chegou, ainda embrulhada de presente de casamento, uma beleza. Nós, eu e minha mulher, colocamos ela para trabalhar na primeira noite, quando nos instalamos no primeiro apê. Era um super-apê. E nós nos instalamos com apenas duas cadeiras de praia e um colchão. Nossa primeira “mesa” no apê de recém-casados foi um improviso com caixas de papelão, embalagens, isopor. Nosso primeiro jantar nessa mesa era pra ter sido um especial de queijos e vinhos. Mas não deu. O panaca que vos fala vacilou no supermercado. Os queijos para o fondue não vieram. Só o vinho. Minha mulher fez omelete. E depois do jantar, nosso primeiro café de máquina. Foi nota dez.
Desde então, essa cafeteira se tornou inseparável das coisas boas daqui de casa. Minha mulher tentou outras mais bonitas e incrementadas. Mas elas quebraram antes, eram reservadas para visitas chiques. Essas frescuras. A cafeteira de sempre era essa simples, a falecida.
E ela faleceu num dia bonito, essa cafeteira. Acendeu a luzinha vermelha, como sempre. Fiz o leite com chocolate que o menino gosta. Fiz o leite com o coisa de morango que a menina gosta. Mas nada da água esquentar. Esperei mais um pouco. Não esquentou mesmo. Aí bateu uma tristeza de perder a cafeteira. Eu gostava dela. Ela nunca havia me desapontado. Uma vez até a minha mãe elogiou o meu café, que ela fez, essa cafeteira. Fiquei triste.
E achei que os meninos também iam ficar tristes. Mas eles nem perceberam.
Comentei com a minha mulher e ela também não ligou muito. Acho que só eu é que sou meio apegado a essas coisas bestas, sem o menor sentido. Eu guardo um monte de coisa velha. Até coisa velha e quebrada eu guardo. E eu até pensei em guardar a cafeteira, para mandar para o conserto, algum dia.
Mas depois eu pensei bem. Eu nunca iria levar a cafeteira para o conserto. Não valeria a pena. Nessas coisas, o conserto fica quase tão caro quanto um aparelho novo. E depois que uma coisa dessas se quebra, nunca fica igual. Com certeza, essa cafeteira consertada não seria a mesma.
Por isso, no dia seguinte, no domingo, comprei uma cafeteira substituta. É bacana ela. É bem simples. Também faz 12 cafés com uma passada. Mas não faz barulho nenhum. É silenciosa.
E a minha mulher se desfez da outra cafeteira. Eu não tive coragem.
segunda-feira, 3 de agosto de 2009
domingo, 2 de agosto de 2009
Domingo, pé de cachimbo
Hoje é domingo pé de cachimbo,
o cachimbo é de barro
bate no jarro,
o jarro é fino
bate no sino,
o sino é de ouro
bate no touro ,
o touro é valente ,
bate na gente
a gente é fraco
cai no buraco ,
o buraco é fundo,
acabou-se o mundo….
Hoje é domingo
Pé de cachimbo
Cachimbo é de barro
Bate no jarro
O jarro é de ouro
Bate no touro
O touro é valente
Chifra a gente
A gente é fraco
Cai no buraco
Buraco é fundo
Acabou o mundo
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