quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A vitória da Mega-Mão



As crianças de hoje estão em perigo. Você sabe disso. Eu sei disso. Todos nós sabemos disso. Mas as crianças não sabem. Elas acham que estamos exagerando. Que não é preciso tanto cuidado. Que o mundo é grande. Que cabe todo mundo numa boa. E que a vida é bela e doce.
Certo. É isso mesmo. Mas tem que ter cuidado. O mundo é grande, mas às vezes os lugares ficam apertados. Cabe todo mundo numa boa, mas às vezes pisam nos seus pés. É bela e doce, mas também amarga e terrível.
Por causa disso, eu resolvi ensinar jogos infantis bacanas e educativos para as minhas crianças. O primeiro foi Pedra-Papel-Tesoura. É lúdico. É simbólico. E não custa nem um centavo. Tive um problema inicial com os conceitos, pois o mais velho, de quatro anos, teimava em não admitir que a tesoura perde para a pedra.
_Mas é de aço, pai! Aço! Pode bater que nem amassa!
_Filhote, é simples. A tesoura ganha do papel, que ganha da pedra, que ganha da tesoura. É como um círculo, entende. Cada um ganha de um e perde para o outro.
_Sei. É só porque você quer!
_É a regra! Sempre foi assim, antes mesmo de eu ter nascido.
_Qualé, pai. Antes de você nascer, nem existia tesoura, nem tinha esse jogo...
_É, nem tinha. – emenda a caçula, três anos, louca para entrar na conversa. E ela sempre escolhe o lado do irmão. Acho bacana a solidariedade.
Tento colocar os conceitos em prática.
_Então vamos brincar? Papel, tesoura, pedra, vamos já?!
Eu coloco papel, a caçula põe tesoura e o mais velho coloca uma mão sobre a outra, como se fizesse um pássaro na brincadeira das sombras.
_O que é isso? – eu pergunto, paciente.
_É a mega-mão. Eu ganhei – ele diz, triunfante.
_Peraí, que mega-mão? Aqui é papel, tesoura, pedra, rapaz. Não tem mega-mão.
_Perdeu, eu, eu. Perdeu, eu, eu. Perdeu, eu, eu – ele grita, feliz da vida.
_Pai, cê perdeu. A mega-mão ganha da tesoura e do papel – diz a caçula.
_ É? E quem ganha da mega-mão?
_O meteoro – ele diz, com um sorriso de quem está acostumado a vencer gárgulas, quimeras e armas nucleares.
_E quem vence o meteoro?
_O mega-sol, oras – e sai pulando, heróico e vitorioso. É um Perseu sem Pégaso.
_E quem vence o mega-sol? – eu falo, à beira de um ataque histérico.
_É a mega-mão, pai – diz a caçula, ainda perto de mim.
Agora estou agachado e ela passa a mão na minha cabeça, como sempre faz quando quer me acalmar e agradar.
_Quem ensinou esse jogo para vocês? Foi sua mãe? – eu pergunto.
_ Mamãe ensinou. E o Vi (um primo mais velho) ensinou a mega-mão.

Tento lembrar de algum outro jogo gratuito lúdico e simbólico. Mas provavelmente a versão pós-pós-moderna, 4.0, já tenha deturpado um pouco os sentidos. Não é o que está acontecendo com tudo? Mãos invisíveis estão por todos os cantos, alterando a perspectiva, o enquadramento, a forma das coisas que costumavam ser mais simples, mais bonitas e perenes.
_Não fica triste, pai. É difícil vencer a mega-mão – diz minha filha, compreensiva como um oráculo.
E é mesmo.

6 comentários:

Anônimo disse...

careca, o pior é que a mais pura verdade. EXISTE a mega mão, e ela realmente vence de TODOS.

Careca disse...

Franka,
ela só vence quem acha que vai perder. Desculpe, aqui está chovendo pacas e acabei meio melancólico.

Anônimo disse...

fiz um MEGA post pra voce no frankamente. agora segura essa.

Careca disse...

Franka,
achei o maior barato o seu post no seu blog. Me senti o próprio camarão da empada.
Valeu

Anônimo disse...

Não sei o que é pior. A Mega-Mão que tudo vence, ou os jogos politicamente corretos, como Banco Imobiliário de Cooperativa (cujo objetivo não é o lucro [!]), ou o War Aquecimento Global, em que todos ganham (com as nações cooperando entre si) ou todos perdem (o planeta se torna inabitável). Acho que prefiro a Mega-Mão.

Careca disse...

Anna V., você tem razão. Parecem jogos que querem impedir a frustração. É dominó com vitória das brancas e também das pretas.

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