quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Metáforas, metáforas, metáforas



O Cabeça é meu amigo desde os dez anos de idade. E a gente gosta de tomar chopp num buteco aqui perto. E uns dois chopps depois de sentarmos, enquanto olhávamos para as moças, o Cabeça inicia uma conversa comigo:
_Amy Winehouse canta tão bem quanto uma negra!
_Quêquéisso Cabeça! Isso não é coisa para se falar!
_É o quê?Ela canta bem bagarái. Ganhou um monte de Emes.
_É esse negócio de cantar como negro. Isso é racismo.
_Não é não. Racismo é você relacionar atributos negativos à cor da pele.
_E o relacionamento positivo é um racismo às avessas. Se você atribui o positivo só a uma cor, a outra só pode ser negativa. Dá no mesmo!
_Dá nada! Se eu digo que você canta como negro, isso é uma coisa boa, é um elogio, não estou te sacaneando.
_Mas estaria se dissesse que eu canto como branco...
_Eu não falaria isso. Aliás, você canta mal pacas. Eu diria que você canta como uma pedra.
_Pedra é para natação. Você nada como uma pedra.
_Não seja imbecil! Foi só um exemplo. Você não canta, nem nada. Aliás, se eu me desse ao trabalho de pensar em você, eu diria que a única coisa que você faz bem é perder cabelo. É tão bom nisso que já perdeu quase tudo. Só faltam as sobrancelhas.
_Ih! Qualé Cabeça? Primeiro, sobrancelha não é cabelo. E eu posso perder o pelo e os cabelos, mas não perco a cabeça...
_Rá, rá, rá. Não tem jeito de perder a bola de boliche com essas orelhas enormes.
_Olha, vamos procurar uma opinião isenta.
_É vamos chamar alguém para sentar aqui.
_Olhá lá o Velho Tom! Véio! Véio! Senta aqui com nóis.
O Velho Tom é um amigo nosso do tempo do onça. É um guru pós-moderno. Dizem as boas línguas que ele esteve em Woodstock. As más línguas confirmam, mas dizem também que ele ficou tão chapado que não lembra de pourra ninguna.
_Véio! Que bom que veio. Estamos no meio de um diálogo socático sobre racismo.
_É socrático – diz o guru.
_Não, é que eu estou a ponto de dar uns socos no Cabeça.
_Então é como um Bílogo Maguila.
_O que é isso? – cometo o erro de perguntar.
_O Maguila tenta gravar uma mensagem na secretária eletrônica. Ele está berrando a mensagem e batem na porta. Toc, toc. O Maguila para, confuso. Toc, toc. Ele pergunta quem é, berrando para o telefone. Não é o telefone, é na porta, alguém responde. Aí o Maguila não faz nada. Toc, toc, toc, batem de novo. Toc, toc, toc. E nada. Como é Maguila, continua aí? E lá de dentro você escuta o Maguila: Aqui é o Maguila, deixe o seu recado...- diz o Velho Tom, com uma piscadela de sabidão.
_Não entendi o que isso tem a ver – diz o Cabeça.
_Velho Tom, você é um gênio, mas essa piada é uma nhaca – eu digo.
_Tem a do Árabe respondendo pesquisa. Sexo? Sete vezes por semana. Não, masculino ou feminino? Feminino, às vezes masculino, às vezes camelo...
_Isso! Isso é racismo – berra o Cabeça.
_Não, não. É uma piada – diz o Velho Tom.
_É uma piada racista – eu digo.
_Uma piada é boa ou não é. E é bom rir um pouco. Evita prisão de ventre – vaticinou o Velho Tom.
Aproveitando aquela lufada de bom senso, eu expliquei a situação ao Velho Tom e pedi a sua ilustre opinião sobre racismo.
_Olha, esse é um tema complicado para uma pergunta à flor da pele. Mas veja os americanos. Não sabiam construir foguetes nem a pau. Tentaram durante anos e nada. Aí levaram o Von Braun, os amigos do Von Braun e toda a renca do Von Braun para os Esteites. Os alemães ficaram ali, se misturaram, ganharam green card, aprenderam a cantar o hino, beisebol, milkshake... E os americanos também grudaram nos alemães. Era Fritz pra lá, Herman pra cá, Herr isso, Frau aquilo e aprenderam. Levou tempo, mas os americanos aprenderam. Hoje, estão lá construindo foguetes sozinhos que é uma beleza. E o Von Braun já até morreu. Sacou?

O Cabeça olhou para o Velho Tom como John Lennon e Paul devem ter olhado para o guru indiano após a desilusão. Eu levantei os dois polegares antes de aplaudir o Velho Tom. O Cabeça não gostou.

_Ninguém tá falando de foguetes aqui, ô Velho Tom! Eu devia era enfiar um foguete nesse seu rabo, seu velho maluco! Von Braun é o cacete, porra! O Careca aqui, me enchendo com essa merda politicamente correta e você falando de chucrutes! Preconceito é a carambola! Vá chupar um prego descascado, seu filho de um pangaré!

E então eu e o Velho Tom desistimos e ficamos só no chopp, vendo as moças passar. O Cabeça, definitivamente, não entende metáforas.

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