quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
O poeta que há em mim
Tentei matá-lo durante muitos anos. Por um longo período achei que ele também queria me destruir. Vivia à espreita, procurando um momento propício para agir. Era um sujeito meio besta, metido a entender de dodecassílabos. Fã de Manuéis, em especial, o Bandeira. Lia tudo o que podia de Manuel de Barros. Quis aprender francês só porque achava que assim ia poder entender melhor Rimbaud, Mallarmé e a poesia em prosa de Raymond Radiguet. Não falo de Le Diable au Corps, mas do segundo e póstumo romance, Le Bal du comte d'Orgel , que foi mexido e remexido por Jean Cocteau, Joseph Kessel e Pierre de Lacretelle.
Não adiantou nada, é lógico. Mas depois de 5 anos de Aliança Francesa e durante algumas semanas, o maldito me fez crer que eu poderia fazer uma tradução do Baile do Conde. Acho que até hoje ainda não tem no Brasil. Felizmente, uma amiga da Aliança me ajudou a ver as coisas com mais clareza e colorido.
_Careca, esse romance é ruim pacas. Foi por isso que o Radiguet se esqueceu dele com o Cocteau. E vem cá que eu quero te ensinar umas coisas sobre aliteração e interjeições.
_Uau, em que língua?
_A minha e a sua.
Percebendo o sentido da outra volta do parafuso, o poeta prevaleceu por um bom período. Ele não se fez de rogado a adaptações, ele se sofisticou. Passou de Byron a Dylan Thomas. Encontrou alguma coisa ao tentar encontrar a verdadeira explicação para a troca de nome de Robert Allen Zimmerman. Tinha fases nacionalistas, atravessava Gonçalves Dias e Castro Alves, os modernistas e Augusto dos Anjos. Aí voltava os olhos para Walt Whitman e E.E.Cummings. Sabia nomes de poetas da vanguarda, da retaguarda e dos que ninguém gostava também.
Foi à luta, botou a mão na massa. Declamava em bares. Uma vez fez uma brochura, mas não teve coragem de vender. Distribuiu para as amigas. E por isso, teve seu breve momento de glória e sucesso no estertor da revolução sexual(que acabou pouco antes dele chegar). O poeta estava atrasado. Então inovou. Fez poesia com morangos. Plantava morangos nas jardineiras das moças e lia poemas para elas. E também fazia macarrão, brownie e waffles. O know-how, o Dark Side of The Moon e a fita cassete do Bob Dylan com “Lay Lady Lay” não falhavam. Com isso, o poeta quase venceu.
Mas já estava passando da hora de sair de casa. Os netos adolescentes dos seus pais viviam tentando lhe dizer isso sem magoar.
_Tio, isso aí no seu pé é uma raiz?
_Aves voam. Poetas carecas não deixam o ninho...
_O que é, o que é? É poeta, é Careca, não se manca...
Aí encontrei a Patroa. E foi poesia à primeira vista. O poeta continuou a mostrar a cara, mas foi sendo substituído pouco a pouco pelo Careca que vos fala. Só de vez em quando ele se manifestava:
_Benhê, enquanto você foi trabalhar, fiz um poema para você.
Felizmente a Patroa tratava de colocá-lo no seu devido lugar.
_Ai, que saco!
_É, né? Mas antes de casar você achava legal.
_Antes de casar, até rachar motel é legal.
Aí vieram os filhos. Primeiro o menino. E com a primeira troca de fraldas, achei que a sofisticação, o nariz empinado, o jeito poeta de ser, tudo desapareceria para sempre. Mas não, o poeta gostou, achou lindo. Voltou a fazer sonetos. E depois veio a princesa. Aí o poeta se derreteu todo. Fez acrósticos dodecassilábicos. Agora, sempre encontra um jeito de voltar.
_Mesa arrumada, velas, fondue...hum? – pergunta a Patroa.
_E as crianças estão na casa da vovó – eu digo, melífluo e telepata.
_E essa taça de vinho tinto? Morangos!!
_É para te ver melhor, Chapeuzinho...
É poesia pura.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Ahhh Careca, você é demais!
Puxa, valeu M.J.!
Postar um comentário