sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
Os zumbis da Patroa
Ele não dá conta de falar “hipnotizar”. Tem só quatro anos. E essa palavra é complicada. Mesmo assim, gosta de fingir que está me hipnotizando.
_Você é um leopardo! Você é um leopardo!
Ele gosta muito de leopardos. E eu finjo que sou um leopardo para que ele fique feliz. Hoje está chovendo muito e todos estamos cansados da TV e do computador. E também estamos cansados de desenhar e de correr pelo apartamento (eu não gosto de incomodar os vizinhos, mas de vez em quando, que se dane!). A irmã já foi devidamente hipnotizada. Ela, se não me engano, é um atum, o peixe que caiu do décimo oitavo andar (aaaaaaaaaaaaaaaatum!).
_Você é uma baleia! Você é uma baleia!
Ou melhor, ela é uma baleia. E agora, leopardo e baleia estão fugindo de um monstro.
_Eu sou o Monstro do Cabide!!Ho,Ho,Hou!
O Monstro do Cabide faz sucesso até hoje. E é fácil de guardar no armário.
_Esse monstro tem risada de Papai Noel?
_Não. Essa é a risada especial de monstro.
_Hoje é Natal? – pergunta a menina.
_Não, o Natal é em dezembro.Agora foge.
E o Monstro do Cabide continua em nosso encalço. Eu, leopardo, e ela, baleia, corremos lado a lado. Se o monstro nos alcançar, ficaremos presos no armário. Até ele contar até vinte. E isso é terrível. Não podemos admitir. Mas o monstro é veloz. E num instante nos alcança. Somos fechados no armário. E ela senta sobre os meus pés.
Depois de cumprirmos a nossa pena, saímos do armário. Mas o monstro está cansado.
_Vamos brincar de outra coisa?
_De quê? – pergunta a menina.
E uma dúzia de alternativas são apresentadas pelo menino. Mas nenhuma delas agrada a irmã.
_Bom, vocês me chamam quando decidirem.
Começo a fazer uma coisa e depois outra. Puro Yak shaving. E depois agarro um livro. E eu já li um bom pedaço das Crônicas Marcianas (Ray Bradbury) quando estranho o silêncio. Encontro os dois na varandinha, que virou quarto de brinquedos.
_E aí? Vamos brincar de quê?
_Zumbi – respondem os dois.
_Zumbi? E como é que se brinca disso?
E os dois estendem os braços para a frente. Ensaiam passos com as pernas duras, como se não dobrassem os joelhos.
_Juntem-se a nós! Juntem-se a nós! – os dois dizem, fazendo caretas.
E quando a Patroa abriu a porta, os três zumbis a perseguiram até que ela também andasse com os braços esticados para a frente e fizesse caretas.
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
O homem que fica em casa
Sou eu.
A definição foi feita no elevador pela filha da minha vizinha de cima.
A menina tem uns dez anos e é amiga da minha filha de 3 anos.
_Mãe, esse é o Seu Careca, o homem que fica em casa.
E a mãe riu amarelo para mim.
Eu mostrei o meu melhor sorriso.
Aquele que dá pra ver quase todos os dentes.
_É, eu sou um tipo caseiro – eu disse. E apertei o terceiro andar.
Morar no terceiro andar é muito bom para evitar diálogos com os vizinhos nos elevadores. Dá no máximo para seis frases rápidas.
Oito, se você for muito rápido.
Mas em geral, um diálogo com alguém subindo do térreo comigo não passa de quatro frases.
_Está de férias? – pergunta a vizinha.
_Estou. Estou de férias há quase um ano – eu digo, com outro sorriso muito bom.
_...
_O bom de férias muito longas é que você até esquece onde fica o trabalho.
_...
_Até logo, tenham um bom dia.
_Tchau – dizem as duas, uníssonas.
Gosto muito dessa palavra.
Uníssonas.
Parece música.
Sete. Foram sete.
Mais uma e igualava o meu recorde de frases trocadas com o síndico, o poodle do sexto andar.
E ele nem é de falar muito.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
O poeta que há em mim
Tentei matá-lo durante muitos anos. Por um longo período achei que ele também queria me destruir. Vivia à espreita, procurando um momento propício para agir. Era um sujeito meio besta, metido a entender de dodecassílabos. Fã de Manuéis, em especial, o Bandeira. Lia tudo o que podia de Manuel de Barros. Quis aprender francês só porque achava que assim ia poder entender melhor Rimbaud, Mallarmé e a poesia em prosa de Raymond Radiguet. Não falo de Le Diable au Corps, mas do segundo e póstumo romance, Le Bal du comte d'Orgel , que foi mexido e remexido por Jean Cocteau, Joseph Kessel e Pierre de Lacretelle.
Não adiantou nada, é lógico. Mas depois de 5 anos de Aliança Francesa e durante algumas semanas, o maldito me fez crer que eu poderia fazer uma tradução do Baile do Conde. Acho que até hoje ainda não tem no Brasil. Felizmente, uma amiga da Aliança me ajudou a ver as coisas com mais clareza e colorido.
_Careca, esse romance é ruim pacas. Foi por isso que o Radiguet se esqueceu dele com o Cocteau. E vem cá que eu quero te ensinar umas coisas sobre aliteração e interjeições.
_Uau, em que língua?
_A minha e a sua.
Percebendo o sentido da outra volta do parafuso, o poeta prevaleceu por um bom período. Ele não se fez de rogado a adaptações, ele se sofisticou. Passou de Byron a Dylan Thomas. Encontrou alguma coisa ao tentar encontrar a verdadeira explicação para a troca de nome de Robert Allen Zimmerman. Tinha fases nacionalistas, atravessava Gonçalves Dias e Castro Alves, os modernistas e Augusto dos Anjos. Aí voltava os olhos para Walt Whitman e E.E.Cummings. Sabia nomes de poetas da vanguarda, da retaguarda e dos que ninguém gostava também.
Foi à luta, botou a mão na massa. Declamava em bares. Uma vez fez uma brochura, mas não teve coragem de vender. Distribuiu para as amigas. E por isso, teve seu breve momento de glória e sucesso no estertor da revolução sexual(que acabou pouco antes dele chegar). O poeta estava atrasado. Então inovou. Fez poesia com morangos. Plantava morangos nas jardineiras das moças e lia poemas para elas. E também fazia macarrão, brownie e waffles. O know-how, o Dark Side of The Moon e a fita cassete do Bob Dylan com “Lay Lady Lay” não falhavam. Com isso, o poeta quase venceu.
Mas já estava passando da hora de sair de casa. Os netos adolescentes dos seus pais viviam tentando lhe dizer isso sem magoar.
_Tio, isso aí no seu pé é uma raiz?
_Aves voam. Poetas carecas não deixam o ninho...
_O que é, o que é? É poeta, é Careca, não se manca...
Aí encontrei a Patroa. E foi poesia à primeira vista. O poeta continuou a mostrar a cara, mas foi sendo substituído pouco a pouco pelo Careca que vos fala. Só de vez em quando ele se manifestava:
_Benhê, enquanto você foi trabalhar, fiz um poema para você.
Felizmente a Patroa tratava de colocá-lo no seu devido lugar.
_Ai, que saco!
_É, né? Mas antes de casar você achava legal.
_Antes de casar, até rachar motel é legal.
Aí vieram os filhos. Primeiro o menino. E com a primeira troca de fraldas, achei que a sofisticação, o nariz empinado, o jeito poeta de ser, tudo desapareceria para sempre. Mas não, o poeta gostou, achou lindo. Voltou a fazer sonetos. E depois veio a princesa. Aí o poeta se derreteu todo. Fez acrósticos dodecassilábicos. Agora, sempre encontra um jeito de voltar.
_Mesa arrumada, velas, fondue...hum? – pergunta a Patroa.
_E as crianças estão na casa da vovó – eu digo, melífluo e telepata.
_E essa taça de vinho tinto? Morangos!!
_É para te ver melhor, Chapeuzinho...
É poesia pura.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
A minha verdadeira vocação II
O Cabeça e a Patroa não aprovaram a conversa sobre a minha verdadeira vocação. E por razões diferentes. A Patroa porque não quer ser mulher de dono de bar. E o Cabeça, oras, o Cabeça me conhece desde o tempo em que só aparecia um peito e meia banda de foto de mulher nua nas revistas masculinas. Por isso, ele acha que pode me sacanear.
_Dono de boteco, esse cara? Ele queria mesmo era ser padeiro para queimar a rosca...
_Pô Cabeça, deixa de ser infantil – disse a Maira.
_Por quê vocês vivem chamando um ao outro de viado? Que coisa mais boba! – emendou a Patroa.
_Eu não chamo ele de viado. Eu nem chamo ele. Ele é que aparece quando eu venho tomar chopp – eu disse.
_Viado, homo, pedê, baitola, vocês dois são obcecados. Que coisa cansativa – disse uma das mulheres, acho que foi a Patroa.
_Tá bom, Careca, desculpa – ele disse.
_Desculpa aceita, Bambi. Vamos pedir a comida – falei.
_Bambi é a Senhora Sua Mãe!
_Não mete a mãe no meio...
_Vamos parar! Pôxa! Hoje vocês estão impossíveis – reclamou a Maira.
_Parecem crianças! Que coisa!
Mas depois do almoço, quando elas achavam que o assunto estava enterrado, o Cabeça voltou a provocar.
_O Careca queria mesmo era abrir o próprio negócio...
_ ... para receber o bruto, fazer o balanço e ficar com o líquido. Rá, Rá. Essa fui eu que te ensinei. Aos doze anos.
_Você é legal, pela frente...
_...porque atrás é todo arrombado. Essa é boa. E velha.
_Te ensinei essa na saída do colégio.
_De jeito nenhum! Essa aí foi a do....
_Não, chega! Chega! Eu e a Maira vamos sair e passear um pouco na feirinha. Vocês acertem aí e vão encontrar a gente na sorveteria – explodiu a Patroa.
E depois que elas saíram, o Cabeça virou para mim.
_Rapaz, hoje demorou, hem!
_Fica mais difícil a cada dia.
_Antigamente, bastava uma só e elas já saíam.
_Hoje é preciso repetir, repetir e repetir.
_Nada de trazer bobeira nova, tem que ser velharia...
_É, ficar sozinho no boteco, sem a Patroa por perto, dá trabalho.
E depois de alguns minutos de silêncio, o Cabeça resolve fazer um novo comentário.
_Vem cá, pra quê você quer ficar sem a Patroa por perto no boteco?
_É um hábito que tenho para proteger as costelas.
_Proteger de quê?
_De cotoveladas. Com a Patroa do lado, toda vez que passa uma mulher bonita eu levo uma cotovelada. E você?
_Eu o quê?
_Por que você quer ficar sozinho?
_Pô, é para falar de futebol, de dinheiro, de política, de F-1, da capa da Playboy, do pôster da Sexy, da gostosa do comercial, esses papos de homem...
_Cabeça, fala a verdade.
_ O quê?
_Tu é baitola...
_Vá se....
Oras, se ele acha que pode me sacanear, eu também posso.
E quando encontramos as duas na sorveteria ele ainda estava me xingando.
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008
Escolher ser sonhos a dedo
Ela fica séria quando conversa comigo. É que às vezes eu fico bravo e ela não quer que eu fique bravo. E depois que eu fico bravo eu fico com um baita remorso por ter ficado bravo à toa. E eu sou muito ruim para fazer as pazes. E ela faz as pazes muito bem e rápido. Pois ela não quer que eu fique bravo à toa.
É importante. Quase dá pra ver ela reunir as coisas importantes dentro da cabeça. Pelo esforço e concentração, é importante pacas. E eu reparo nos lábios, vejo que ela ensaia uma frase, faz bico e coça a orelha - perto do brinco que incomoda. Está pronta. Então ela olha para mim e sorri. Aí vem coisa, vem pergunta.
_Pai, eu não consigo ter sonho de Cinderela – ela diz, com uma vozinha de choro falso.
_Por favor, fale direito. Com voz de choro eu não entendo nada – e com isso ganho tempo para pensar em alguma coisa.
_É que eu não consigo sonhar com a Cinderela – e dessa vez é a perfeita voz de uma menina de três anos.
_Eu também não – eu digo sorrindo.
_Mas pai, você é homem. Homem não sonha com Cinderela. Homem tem outro sonho.
_Ah, é? E homem tem sonho de quê?
_Oras, de Batman, de Ben 10 – se intromete o irmão, quatro anos de sabedoria.
_Oras, é lógico. Santo Super-Herói, Batman, como não pensei nisso antes? – eu digo, fazendo cócegas nos dois.
E depois do fim das risadas, ela volta com o assunto. Eu já devia saber. Não há como escapar de uma inquirição dessa menina. Ela só vai me largar quando tiver todas as respostas ou pelo menos quando conseguir formular todas as perguntas. E isso não é fácil, mesmo.
_Pai, mas eu não consigo sonhar com a Cinderela.
_E com a Branca-de-Neve? E com a Chapeuzinho? E com a Mulan? E com a Ariel (Pequena Sereia)? A Jeine(a cowgirl de Toy Story)?Glória (a hipopótamo de Madagascar)?- eu pergunto, esgotando o meu vasto conhecimento de heroínas femininas. Em todas, ela balançou a cabeça, negativamente. Aí me deu um estalo.
_Peraí, você quer sonhar que é a Cinderela?
_É, pai.
_É por isso que você quer se vestir de Cinderela todas as noites?
_Mas não dá certo, pai.
_Então você quer, tipo assim, programar o sonho? Quer escolher uma heroína, colocar o sonho na cabeça e apertar o play? Como se fosse um filme? Como se você fosse a estrela do filme?
_Mas eu não consigo, pai.
_Caramba! É um problemão.
_E não adianta segurar a mão – dormiu abraçada à boneca da Borralheira nas últimas duas semanas.
_E como pretende resolver isso?
_ Pai, EU que tô perguntando – ela diz, séria como uma princesa pode ser séria. O irmão também me encara, pois é óbvio que ele tem o mesmo problema. Também quer escolher ser sonhos a dedo. Pensei depressa, porque a resposta era urgente.
_Em algumas coisas, ninguém é capaz de mandar. Ninguém manda na Vic, a gata da Vovó.
_Leopardo – diz o menino. Ninguém manda no leopardo.
_Pois os sonhos são parecidos com os bichos que ninguém consegue mandar. Eles aparecem quando querem e do jeito que querem.
_Viu, o papai também não sabe – resumiu o menino.
Nesse momento, nas pupilas dos olhos dela, uma enorme rachadura surgiu na minha estátua. Lá de cima, um pedaço da minha orelha esquerda despencou. Fez um ruído feio ao se espatifar no chão. É o início, ainda tênue, do meu desmoronamento.
domingo, 24 de fevereiro de 2008
A minha verdadeira vocação
Eu resolvi fazer uma série de perfis não-autorizados dos meus amigos e ex-amigos por causa da Maira, que é casada com meu amigo Cabeça. Acho a Maira muito demais. Ela é uma psicóloga super profissional. Ela ajuda a gente a entender o que acontece na nossa cabeça. E na dos outros. Outro dia mesmo, enquanto o Cabeça conversava com a Patroa, ela me ajudou a descobrir o motivo da minha extrema falta de paciência com garçons.
_Você é um garçom enrustido, Careca. O seu desejo mais profundo é servir cerveja gelada para todo mundo.
_Fala sério, Maira. Eu gosto é de chopp.
_É sério. Você é o típico garçom. Sorri muito. Fica em pé com as mãos nas costas. Confere a conta várias vezes. Sempre deixa gorjeta. Sonha em se vestir de branco e preto e usar gravata borboleta.
_ Qualé a sua Maira?
_Você é prestativo, humilde, quer servir comida e bebida pros outros. Quer mostrar onde é o banheiro. Distribuir cardápios. Ajeitar cadeiras. Quer ver uma coisa? Aposto que você tem um isqueiro no bolso. E você nem fuma. Sabe por quê? É para acender cigarro para os outros. Você é um garçom nato, Careca. É uma vocação. Dê vazão a isso.
_Vazão? Eu devia era tacar um vaso na sua cabeça...
_Está vendo? O primeiro impulso é negar a verdade.
_Eu não quero ser garçom.
_Quer sim, mas ainda não consegue admitir no plano consciente. Mas você é um crítico de garçons porque quer ser um. A primeira coisa que fez quando chegamos aqui foi reclamar que o garçom não olhava para a gente. Depois, quando ele olhou, fez gestos estranhos e obscenos para ele.(Ao ouvir “obscenos” o Cabeça e a Patroa pararam de conversar e prestaram atenção)
_Gestos obscenos? – eu disse.
_É, insinuou que o pênis dele era pequeno.
_Eu pedi uma cerveja! Fiz o gesto universal de traz-uma-cerveja-rápido para o garçom.
_Mas você reclamou, quando ele trouxe.
_Ele trouxe quente!
_Claro, deixou ele bravo. Se ele tivesse dito que o seu pênis era pequeno você também traria cerveja quente.
_Mas eu nunca falei nada do pênis dele...
_Ah, falou. Por mímica, mas falou. Aliás, essa fixação em pênis de garçons já tem muito tempo?
_Cacilda! – e levantei para ir ao banheiro. O garçom já me olhava fixamente, esquisito, com as mãos atrás das costas. Das duas, uma. Se aquela conversa continuasse eu seria espancado pelo garçom ou levaria uma cantada.
E quando eu voltei do banheiro, Maira voltou a insistir.
_Pensou no que eu disse?
_Sobre o quê?
_Sobre ser garçom. Esquece, viu?Eu não estava falando sério, viu?
_Eu sei. Mas você não explicou porque eu perco a paciência com garçons.
_Porque você queria mesmo era ser dono de boteco....
sábado, 23 de fevereiro de 2008
É hora de dizer obrigado
Descobri, para minha vergonha, que sou um ingrato contumaz(Adoro essa palavra, parece que o mau costume está tatuado no couro da gente). Fiz um exame do pratrazmente para ver se fazia muito tempo que eu não dizia obrigado. Verifiquei que é raro pacas eu fazer um agradecimento. Até para a Rose.
Ela, a Rosenereide, lava, limpa, passa, enxuga, cozinha e descasca todos os abacaxis domésticos daqui de casa. Todos os dias, menos domingo. Sem ela, eu estaria cercado de roupa e louça suja, de pilhas de livros desarrumados e de quilos de papéis rabiscados. Sem falar das toneladas de brinquedos das crianças, que todos os dias fazem questão de espalhar as bonecas, carrinhos e bugigangas pelo apartamento.
Mas descobri também que eu não consigo dizer obrigado de um jeito direto. Para começar, eu tenho que treinar, que nem o Robert De Niro, em Táxi Driver. Fico olhando para o espelho, com cara de mau, falando para o careca do outro lado:
_E aí, tá olhando o quê? Hã? Hã? Obrigado! Obrigado, o quê? Hã? Muito, muito obrigado! Ah é? Ah é? Merci beaucoup, hã? Thank you very much, hã? Então pega esse valeu aqui, pam, segura esse obrigadinho aqui, tam, e pam...
Então banquei o De Niro uma meia hora. Depois do aquecimento eu fui até a Rose, enquanto ela preparava o arroz. Eu disse obrigado, bem baixinho e sem olhar para ela. De modo que ela achou que eu estava falando sozinho. Como falo sozinho o tempo todo, ficou por isso mesmo.
Um a menos.
Aí lembrei do porteiro do prédio, o Seu Davi. Ele já quebrou uma porção de galhos para mim. E ainda ontem me ajudou a carregar um peso gigantesco até o armário da garagem. Então eu desci até o térreo, abri a porta do elevador e dali mesmo fiz o sinal de positivo com o polegar para o Davi.
_Valeu Davi, brigadão! - gritei. Ele levantou o polegar.
Dois a menos.
A moça da limpeza, a Dona Jandira. Deixei cair o jornal, ela me ajudou e eu disse, também sem olhar para ela:
_Obrigado, Dona Jandira! Continue o bom trabalho! – e ela sorriu, balançando a cabeça.
Três.
E antes da Patroa chegar em casa eu já tinha dito nove obrigados sem precisar pegar o carro, sendo dois deles por telefone. Eu também disse obrigado ao meu vizinho de frente, que me empresta ferramentas. Ele fez um transplante de rim e agora fica me vigiando da varanda. Acho que a serra tico-tico dele está aqui em casa. Ele estranhou quando eu falei obrigado.
_De nada. Mas não joga mais nada na minha varanda, por favor.
_Pode deixar, valeu. Essa borracha é de estimação.
_O senhor está tão esquisito. É candidato a síndico de novo?
_Não, o poodle do sexto andar é imbatível. Mas obrigado por ter votado em mim na última eleição.
_Eu não votei no senhor. Não gostei do seu slogan.
_”Tira essa escada daí!” Foi inspirado no Jorge Benjor.
_E a plataforma do poodle era melhor.
_Que plataforma?
_”Eu faço. Vocês limpam”. Vem cá, minha tico-tico está aí?
É por isso que eu concordo com o Rei do Futebol. Não sabe mesmo. Felizmente, antes da conversa ficar escatológica como o Ciro Gomes gosta, a Patroa chegou.
_Obrigado, vizinho. É isso aí, valeu Dotô – eu me despedi, batendo o blindex.
Nove.
_Está brigando na varanda, de novo, meu bem?
_Eeuu?Nãããoooo. Mas descobri que o vizinho também preferiu o voto útil.
_Ah, ele também votou no poodle?
_Sim. Como você, ele preferiu me ver livre das obrigações do cargo. Obrigado, querida.
Dez. E o dia nem tinha acabado. E eu estava me sentindo muito bem, embora um pouco vesgo. Caramba! Eu deveria ter pensado nisso antes. Se eu continuar nesse ritmo, vou conseguir agradecer a todo mundo que já me deu a mão. Inclusive a você, Lúcia, a Franka do blog Frankamente, que fez um mega post super generoso e carinhoso sobre esse meu blog. Muito obrigado. (Viu? E eu nem rimei.)
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Borat na livraria
Uma crônica do Rubem Fonseca me ensinava que a pele é o maior e mais pesado órgão do ser humano. A pele respira, bebe, seca, quebra e morre sem que a gente dê muita pelota para ela. A pele racha, incha, entra em erupção, junta cravos e encrava pêlos. Não era isso nem era assim que estava escrito, mas o livro de crônicas estava muito bom. E eu caminhava para a segunda página dessa crônica que fala sobre pele quando fui interrompido pelo vendedor.
_Gosta do Rubem? – perguntou, melífluo(Gosto muito dessa palavra. Existem parágrafos com entrelinhas. Melífluo é uma palavra com subtextos maldosos entre as sílabas).
_Oh, sim! O Rubem – e lá vou eu para a sacanagem de sempre, que agora eu chamo de “Borat-na-livraria” (Eu ainda não vi o filme mas ri à beça com os treilers).
_Pois é, gosta? – insiste o vendedor.
_Nãaaaaaooo. Do Rubem? Nãnãninininanão. Mas simpatizo. Por quê? É amigo seu?
_Não, mas é que...
_Você gosta dele?
_Gosto, claro, é ...
_Como amigo, é lógico, né?
_Não, eu nem conheço...
_Não conhece o Rubem! – e aqui eu geralmente falo um pouco mais alto.
_Conheço. Conheço. Como escritor, é claro.
_Então você conhece o Rubem?
_Olha, o Senhor está...
_Conhece ou não conhece?
_Conheço, já li uns livros dele.
_Você já visitou? Já esteve com ele?
_Não. Não.
_Telefona para ele?
_Não. Nunca.
_Escreve? Manda e-mails?
_Não. Não. Eu nem sei o e-mail dele.
_E sabe quanto custa esse livro?
_Ânh, aaah, vou ter que olhar no sistema. Só um instante, por favor.
_Ei, onde você vai com esse livro?
_Só vou consultar o preço, senhor.
_Você vai trazer de volta?
_É claro, só um instante, por favor.
_Não, senhor! Me devolve! Ou eu chamo um vendedor!
_Mas eu sou um vendedor!
_Então prove! Me diga quanto custa esse livro? Heim? Quanto custa? Hãm?Hãm?
_Eu não sei de cor, meu senhor. Tenho que olhar no sis-te-ma!
_En-tão ve-ja no sis-te-ma se cus-ta mais de vin-te pra-tas. Se for mais eu não vou le-var.
Eu estava de mau-humor e sarcástico.Obviamente, era mais uma daquelas vezes que você está com o livro certo, na hora certa e com os números errados no saldo do cartão de crédito. Queria deixar o livro no balcão da livraria e, só pela frustração, esquecer o nome dele para sempre. É, daqueles esquecimentos de tomar remédio e continuar esquecido. Daqueles esquecimentos que nem com flash-back você lembra direito. Com imagem meio embaçada, o som enrolado, igual daquela vez em que eu tive flash-back de verdade, no meio de um filme da Disney/Pixar. Eu gritando de pavor entre dezenas de criancinhas gargalhando...
_Olha, moço, custa mais de vinte reais. Vai levar?
E eu levei. Porque contra a humildade, contra a gentileza, contra os puros de coração, não há sarcasmo que resista.
(Franka, não esqueci da crônica de agradecimento não. Eu vou colocar...)
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
A vitória da Mega-Mão
As crianças de hoje estão em perigo. Você sabe disso. Eu sei disso. Todos nós sabemos disso. Mas as crianças não sabem. Elas acham que estamos exagerando. Que não é preciso tanto cuidado. Que o mundo é grande. Que cabe todo mundo numa boa. E que a vida é bela e doce.
Certo. É isso mesmo. Mas tem que ter cuidado. O mundo é grande, mas às vezes os lugares ficam apertados. Cabe todo mundo numa boa, mas às vezes pisam nos seus pés. É bela e doce, mas também amarga e terrível.
Por causa disso, eu resolvi ensinar jogos infantis bacanas e educativos para as minhas crianças. O primeiro foi Pedra-Papel-Tesoura. É lúdico. É simbólico. E não custa nem um centavo. Tive um problema inicial com os conceitos, pois o mais velho, de quatro anos, teimava em não admitir que a tesoura perde para a pedra.
_Mas é de aço, pai! Aço! Pode bater que nem amassa!
_Filhote, é simples. A tesoura ganha do papel, que ganha da pedra, que ganha da tesoura. É como um círculo, entende. Cada um ganha de um e perde para o outro.
_Sei. É só porque você quer!
_É a regra! Sempre foi assim, antes mesmo de eu ter nascido.
_Qualé, pai. Antes de você nascer, nem existia tesoura, nem tinha esse jogo...
_É, nem tinha. – emenda a caçula, três anos, louca para entrar na conversa. E ela sempre escolhe o lado do irmão. Acho bacana a solidariedade.
Tento colocar os conceitos em prática.
_Então vamos brincar? Papel, tesoura, pedra, vamos já?!
Eu coloco papel, a caçula põe tesoura e o mais velho coloca uma mão sobre a outra, como se fizesse um pássaro na brincadeira das sombras.
_O que é isso? – eu pergunto, paciente.
_É a mega-mão. Eu ganhei – ele diz, triunfante.
_Peraí, que mega-mão? Aqui é papel, tesoura, pedra, rapaz. Não tem mega-mão.
_Perdeu, eu, eu. Perdeu, eu, eu. Perdeu, eu, eu – ele grita, feliz da vida.
_Pai, cê perdeu. A mega-mão ganha da tesoura e do papel – diz a caçula.
_ É? E quem ganha da mega-mão?
_O meteoro – ele diz, com um sorriso de quem está acostumado a vencer gárgulas, quimeras e armas nucleares.
_E quem vence o meteoro?
_O mega-sol, oras – e sai pulando, heróico e vitorioso. É um Perseu sem Pégaso.
_E quem vence o mega-sol? – eu falo, à beira de um ataque histérico.
_É a mega-mão, pai – diz a caçula, ainda perto de mim.
Agora estou agachado e ela passa a mão na minha cabeça, como sempre faz quando quer me acalmar e agradar.
_Quem ensinou esse jogo para vocês? Foi sua mãe? – eu pergunto.
_ Mamãe ensinou. E o Vi (um primo mais velho) ensinou a mega-mão.
Tento lembrar de algum outro jogo gratuito lúdico e simbólico. Mas provavelmente a versão pós-pós-moderna, 4.0, já tenha deturpado um pouco os sentidos. Não é o que está acontecendo com tudo? Mãos invisíveis estão por todos os cantos, alterando a perspectiva, o enquadramento, a forma das coisas que costumavam ser mais simples, mais bonitas e perenes.
_Não fica triste, pai. É difícil vencer a mega-mão – diz minha filha, compreensiva como um oráculo.
E é mesmo.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
Metáforas, metáforas, metáforas
O Cabeça é meu amigo desde os dez anos de idade. E a gente gosta de tomar chopp num buteco aqui perto. E uns dois chopps depois de sentarmos, enquanto olhávamos para as moças, o Cabeça inicia uma conversa comigo:
_Amy Winehouse canta tão bem quanto uma negra!
_Quêquéisso Cabeça! Isso não é coisa para se falar!
_É o quê?Ela canta bem bagarái. Ganhou um monte de Emes.
_É esse negócio de cantar como negro. Isso é racismo.
_Não é não. Racismo é você relacionar atributos negativos à cor da pele.
_E o relacionamento positivo é um racismo às avessas. Se você atribui o positivo só a uma cor, a outra só pode ser negativa. Dá no mesmo!
_Dá nada! Se eu digo que você canta como negro, isso é uma coisa boa, é um elogio, não estou te sacaneando.
_Mas estaria se dissesse que eu canto como branco...
_Eu não falaria isso. Aliás, você canta mal pacas. Eu diria que você canta como uma pedra.
_Pedra é para natação. Você nada como uma pedra.
_Não seja imbecil! Foi só um exemplo. Você não canta, nem nada. Aliás, se eu me desse ao trabalho de pensar em você, eu diria que a única coisa que você faz bem é perder cabelo. É tão bom nisso que já perdeu quase tudo. Só faltam as sobrancelhas.
_Ih! Qualé Cabeça? Primeiro, sobrancelha não é cabelo. E eu posso perder o pelo e os cabelos, mas não perco a cabeça...
_Rá, rá, rá. Não tem jeito de perder a bola de boliche com essas orelhas enormes.
_Olha, vamos procurar uma opinião isenta.
_É vamos chamar alguém para sentar aqui.
_Olhá lá o Velho Tom! Véio! Véio! Senta aqui com nóis.
O Velho Tom é um amigo nosso do tempo do onça. É um guru pós-moderno. Dizem as boas línguas que ele esteve em Woodstock. As más línguas confirmam, mas dizem também que ele ficou tão chapado que não lembra de pourra ninguna.
_Véio! Que bom que veio. Estamos no meio de um diálogo socático sobre racismo.
_É socrático – diz o guru.
_Não, é que eu estou a ponto de dar uns socos no Cabeça.
_Então é como um Bílogo Maguila.
_O que é isso? – cometo o erro de perguntar.
_O Maguila tenta gravar uma mensagem na secretária eletrônica. Ele está berrando a mensagem e batem na porta. Toc, toc. O Maguila para, confuso. Toc, toc. Ele pergunta quem é, berrando para o telefone. Não é o telefone, é na porta, alguém responde. Aí o Maguila não faz nada. Toc, toc, toc, batem de novo. Toc, toc, toc. E nada. Como é Maguila, continua aí? E lá de dentro você escuta o Maguila: Aqui é o Maguila, deixe o seu recado...- diz o Velho Tom, com uma piscadela de sabidão.
_Não entendi o que isso tem a ver – diz o Cabeça.
_Velho Tom, você é um gênio, mas essa piada é uma nhaca – eu digo.
_Tem a do Árabe respondendo pesquisa. Sexo? Sete vezes por semana. Não, masculino ou feminino? Feminino, às vezes masculino, às vezes camelo...
_Isso! Isso é racismo – berra o Cabeça.
_Não, não. É uma piada – diz o Velho Tom.
_É uma piada racista – eu digo.
_Uma piada é boa ou não é. E é bom rir um pouco. Evita prisão de ventre – vaticinou o Velho Tom.
Aproveitando aquela lufada de bom senso, eu expliquei a situação ao Velho Tom e pedi a sua ilustre opinião sobre racismo.
_Olha, esse é um tema complicado para uma pergunta à flor da pele. Mas veja os americanos. Não sabiam construir foguetes nem a pau. Tentaram durante anos e nada. Aí levaram o Von Braun, os amigos do Von Braun e toda a renca do Von Braun para os Esteites. Os alemães ficaram ali, se misturaram, ganharam green card, aprenderam a cantar o hino, beisebol, milkshake... E os americanos também grudaram nos alemães. Era Fritz pra lá, Herman pra cá, Herr isso, Frau aquilo e aprenderam. Levou tempo, mas os americanos aprenderam. Hoje, estão lá construindo foguetes sozinhos que é uma beleza. E o Von Braun já até morreu. Sacou?
O Cabeça olhou para o Velho Tom como John Lennon e Paul devem ter olhado para o guru indiano após a desilusão. Eu levantei os dois polegares antes de aplaudir o Velho Tom. O Cabeça não gostou.
_Ninguém tá falando de foguetes aqui, ô Velho Tom! Eu devia era enfiar um foguete nesse seu rabo, seu velho maluco! Von Braun é o cacete, porra! O Careca aqui, me enchendo com essa merda politicamente correta e você falando de chucrutes! Preconceito é a carambola! Vá chupar um prego descascado, seu filho de um pangaré!
E então eu e o Velho Tom desistimos e ficamos só no chopp, vendo as moças passar. O Cabeça, definitivamente, não entende metáforas.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
Manias de supermercado II
Alicate igual àquele eu nunca tinha visto. Era esquisito. Parecia de pressão, mas tinha uma ponta especial, projetada não sei para quê. Obviamente, comprei e levei para casa. Depois de alguns meses eu estava cheio de alicates em casa, é claro. Embora até hoje eu não saiba para que serve aquele primeiro, de ponta especial. Acho que seria um feliz comprador de alicates até hoje se eu não tivesse cometido um erro crasso. Esqueci uma caixa de alicates onde ela poderia ser vista pela Patroa. E o que tinha de acontecer, aconteceu.
Naquela noite, a Patroa foi muito gentil e até me deixou escolher o filme na locadora.
_Benhê, cê viu o C.R.(apelido do meu controle remoto)? – eu perguntei melífluo e insinuante.
_É só seguir a trilha...
E quando ela disse “trilha” percebi que estava no meio de mais uma lição psicológica da Patroa. Uma trilha de alicates seguia do aparelho de TV até onde eu havia esquecido a caixa de alicates. Lá embaixo da caixa, os restos do C.R. (Rest In Peace, Oh, My Brother) repousavam por todos os lados e entre as bocas metálicas de jacarés-alicates.(Desculpe, eu tento matá-lo, mas às vezes o poeta que há em mim consegue escapar). Às lágrimas, tentei socorrer o C.R. com uma super bonder da minha coleção de colas rápidas, mas foi impossível.
_Levei um susto de ver tanto alicate. Esbarrei e a caixa caiu em cima do C.R., meu bem. Não foi por querer. Mas é melhor assim. Acho que foi para o seu bem. Aliás, tenho certeza, vou te explicar – disse a Patroa, condoída como ela só.
E depois de meia hora de explicações eu saquei.
_Você quer dizer que o C.R. se suicidou debaixo da caixa de alicates para impedir que eu continue a comprar alicates?
_Mais ou menos. Melhor o C.R. debaixo dessa caixa que o meu pé. Aliás, a mamãe ligou e eu já emprestei uns alicates para ela.
_Um alicate? Qual?
_Todos.
Humildemente, eu ainda espero que um dia ela devolva.
A vida continuou. O triste fim do C.R., esmagado e espedaçado, inaugurou em mim uma série de fases puramente consumistas. Não me orgulho nem um pouco do prazer estúpido e inebriante de abrir embalagens. Mas confesso que senti um leve resquício de pura nostalgia romântica de apertar o C.R. ao comprar o primeiro dos meus controles remotos universais. Isso me levou também a outras fases consumistas. Todas terríveis, avassaladoras. A fase da parafernália para automóveis. A fase dos cabos e placas para computador. Das caixas de som e equipamentos sonoros. A fase da bicicleta e seus múltiplos acessórios. A fase das câmaras e memórias digitais. Da minha modesta coleção de pen-drives. Mais recentemente, o MP3, o MP4, o Ipod e sua infinidade de produtos associados.
Mas a lição psicológica do alicate ainda está acesa na minha mente. Antes que a coisa dengrigole, eu sempre penso no C.R.(RIP, O, MB!). E no pé da Patroa. Penso mesmo, de verdade.
Até mesmo agora, que voltei do supermercado. Ali, na seção de brique a braque, vi uma linha nobre e muito interessante de lixas. Em realidade, é extraordinário como as lixas são prolíficas em variedade, cor, textura e utilidade. Como ainda tenho algumas prateleiras escondidas, acho que não haverá problema em comprar algumas...
Manias de supermercado I
Uma das coisas que você aprende a fazer quando não tem nada a fazer, é prestar atenção no que você faz. Isso parece ser meio tautológico(pedante, né). Ou melhor, isso parece ser um raciocínio em círculos, mas não é. De verdade.
Veja eu, por exemplo. Não é só porque sou egocêntrico que eu gosto de falar de mim. É porque sou o cara que eu conheço melhor. Viu, e é também porque tenho o umbigo mais bonito do mundo. Pois é, para encurtar essa lenga-lenga, eu hoje prestei atenção ao que faço no supermercado.
Mas primeiro é preciso contar o histórico.
Logo que casei com a Patroa, eu ia ao supermercado e ficava firme, na seção de brique a braque. A Patroa estava na fila de carnes, nos cereais e legumes, fazendo as compras de verdade. Eu estava lá na seção de ferramentas, vendo o preço do que realmente importava. A máquina de furar-lixar-rodopiar-fazer-piii-e-tudo-o-mais-num-só. As porcas, parafusos, chaves e colas. As buchas, pregos, martelos e serrotes. Um mundo de coisas maravilhosas. E invariavelmente, eu levava umas tábuas de madeiras, uns parafusos fortes com bucha e aqueles troços de metal onde os apoios das tábuas iriam ficar presos. E assim, no segundo ano de casado eu já tinha um estoque de prateleiras e apetrechos em casa. Sério. As paredes do quarto, da cozinha e da sala estavam cobertas de prateleiras. E eu ainda tinha um monte delas empilhadas numa prateleira extra que eu tinha montado na área de serviço.
Um dia a Patroa acabou com a farra. Cheguei em casa e descobri que cerca de 35 das minhas prateleiras sobressalentes tinham sido doadas para uma série de instituições de caridade.
_ Estavam aí à toa, meu bem, e lá eles realmente estavam precisando. Ah, e uma foi para a casa da mamãe.
_Ela também estava precisando?
_Não. Ela pediu uma só para te chatear e eu topei.
Era uma das lições psicológicas da Patroa. Ela é doutora nisso. Como sempre, percebi que ela estava com a razão. Humildemente, dei um tempo com as prateleiras.
Mas alguns hábitos criam raízes. Um mês depois, eu me vi no supermercado, examinando um alicate com extrema atenção.
(Continua)
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
O espelho mágico e o lobo III
Um mês depois, o espelho deu o braço a torcer. Ou melhor, deu o cabo a torcer.
_Ô Lobim, tira essa poeira e essas teias de mim, por favor? O silêncio eu até tolero, mas sujeira não, viu?
O lobo deu de ombros, pegou o espelho e levou para o banheiro.
Depois de bem lavado e seco é que o espelho reparou no espelho do banheiro. Grande. Enorme. Imponente. Parecia espelho de hotel.
_Ué, que espelho é esse?, perguntou, enciumado.
_Comprei numa liquidação. É um espelho mágico X.0, high-tech última geração. Diz o presente, o passado e o futuro e ainda tem conexão com a Internet. É o bicho. Gostou?
_Para com isso, essas coisas não existem, Lobim.
Mas ali, refletido no seu nitrato de prata, o pobre espelho mágico comprovou a verdade. O outro espelho era mesmo o bicho e, ainda por cima, a conexão com a Internet era banda super larga.
Depois daquela manhã, o velho espelho nunca mais foi o mesmo. Entrou em depressão. Nem reclamar, reclamava. Ficava só espelhando, no seu canto, juntando poeira e teias de aranha. Até que um dia, olhando distraído para a porta do banheiro, o velho espelho mágico percebeu que a porta não estava trancada. E lá de dentro, ele podia escutar a voz do lobo:
_Espelho, espelho meu, existe algum bicho mais bonito do que eu? E mais inteligente? E mais sabidão? E mais isso? E aquilo....
Um arrepio percorreu os nitratos de prata do velho espelho.
_É tudo vaidade, só muda o bicho - pensou ele.
E na semana seguinte, o velho espelho mágico, agora feliz da vida, deu um jeito de ser enviado por entrega especial para outro animal.
Quando abriu o pacote endereçado ao marido, Dona Marisa não encontrou nenhum bilhete, mas logo viu que aquele espelho era mágico.
_É a cara do Luís. Só falta uma estrelinha aqui...
Moral da história: só abra pacotes de remetentes conhecidos.
domingo, 17 de fevereiro de 2008
O espelho mágico e o lobo II
No dia seguinte, o espelho ficou surpreso de ver o Lobim acordar e ir direto para o banheiro. Passou horas lá dentro. E no outro dia, a mesma coisa. E no outro, no outro, no outro e no outro também. No máximo, o lobo o olhava com desdém, antes de entrar no banheiro e trancar a porta. Depois de algumas semanas, já coberto de teias de aranha, o espelho viu que o lobo acordava e perguntou:
_E aí, Lobim, não vai me perguntar nada?
_Tem fogo aí?
_Ha, Há. Boa essa. Vamos, é hora de quebrar esse gelo. Anda, Lobim, pergunte alguma coisa.
_Quem foi que mandou você para mim?
_Ah, isso eu não sei dizer.
Silêncio.
_Ah, qualé? Vai ficar de guerra do silêncio de novo?
E foi o que o lobo fez. Tome silêncio e olhares de desprezo. E todas as manhãs, horas trancado no banheiro.
(Continua)
sábado, 16 de fevereiro de 2008
O espelho mágico e o lobo
Era uma vez um lobo chamado Lobim Bobo. Um belo dia, o lobo recebeu uma entrega especial. No lugar de remetente estava escrito “Você sabe quem”. Ele achou esquisito, não podia imaginar quem teria enviado aquilo. Abriu o pacote, mas lá dentro não havia bilhete, só um espelho. E assim que o lobo olhou dentro dele percebeu que o espelho era mágico.
Todos os dias, Lobim perguntava ao espelho mágico se ele era o bicho mais bonito da face da Terra. E o espelho sempre respondia:
_ É claro que não. Existem milhares de bichos mais bonitos do que você.
_E eu sou o mais inteligente?
O espelho suspirava.
_De jeito nenhum. Existem alguns milhões mais inteligentes e espertos.
_Mas o mais bacana sou eu?
Mais suspiros e caretas.
_Nem pensar.
_E o mais...?
_Lobim, você é um tipo comum. Não tem nada de especial. Já te disse isso centenas de vezes.
_Não é possível. Eu, um medíocre?
_É sim, meu caro Lobim. De bichos iguais a você, o mundo e o inferno estão cheios. Você se acha a cereja do bolo, mas ninguém consegue encontrá-lo no meio das uvas passas. Seu diferencial é zero. E ainda por cima parece surdo. Todos os dias eu tenho que falar as mesmas coisas. Tenha a Santa Paciência!
O lobo ficou com tanta raiva que deixou o espelho coberto com um pano o dia inteiro.
(Continua)
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
Meu umbigo é um dos mais bonitos que já vi
Como você já deve estar sabendo recebi críticas dos meus outros dois leitores sobre os meus comentários sobre o Ivan Lessa, do www.bbc.co.uk . Eles disseram que eu não fui gentil com o Ivan em http://caminhodocareca.blogspot.com/2008/02/segura-no-plinto-e-balana.html . Peço desculpas ao Ivan e a todos os meus 4 leitores. Em geral eu sou mais civilizado.
O assunto de hoje, como não poderia deixar de ser, é o meu próprio umbigo. É incrível como as pessoas não se cansam de falar sobre si. Pois é, eu também sou assim. E o principal já está dito no título de hoje. Meu umbigo é um dos mais bonitos que já vi. É verdade que não vi muitos umbigos. Quer dizer, ver até que vi, mas nunca prestei muita atenção. Assim, de reparar, de observar em detalhes, dá no máximo uns oito ou nove umbigos catalogados. Um é o da Patroa. Outro é meu. Dois das crianças. E os três ou quatro restantes são de pessoas que passaram pela minha vida. Ah, e tem um, é claro que nunca vi pessoalmente, mas que também faz parte do catálogo: o umbigo da Vera Fischer. De todos, o dela deveria ser o mais bonito e interessante. E não somente pelo umbigo em si, mas pelo que está em cima e embaixo e por todos os lados. Mas o que o meu umbigo perde em beleza, ganha em interesse. Somos íntimos. Sei lá. Estamos conectados. Dele, tenho certeza absoluta em dizer, só a morte me separará. E por estripação, à japonesa.
A foto de cima eu peguei em www.eyeshot.net .
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008
Dois velhos amigos
No Caminho, acompanhando o caixão do Juvenal, conversávamos sobre os próximos enterros.
_Não sei não, Careca, mas o Juarez está meio abatido.
_Que nada Alencar, o Juarez está firme como uma rocha.
_Rocha nada. Só se for rocha pedra-pomes. Outro dia mesmo vi ele babando na hora do banho de sol.
_Eu vi também. Mas eu também babei. Foi por causa da enfermeira nova.
_A Sandrinha? Quero dizer, a Sandra?
_A Sandrinha, sim. E você também estava babando.
_Estava sim. É só o que me resta. Babei e babarei até o último fio de saliva...
_Fala sério, ô Careca.
_Tá bom. Na minha opinião, modesta, o próximo é o Vandir.
_O Vandir? Mas o Vandir já morreu, ô Careca.
_Se morreu, ninguém disse isso pra ele. Olha lá ele jogando flores no caixão do Juvenal.
_É mesmo, rapaz!
_...
_Pra quem tinha diabetes ele está muito bem, olha só. Sem bengala, sem muletas, sem cadeira de rodas...
_Sem pernas. Ele está no colo do enfermeiro, ô Alencar.
_Mas está longe de partir...
_ Inteiro. O Vandir está indo a prestações. Olha lá, a mão esquerda também já foi.
_E quem é aquele ali?
_Ali onde?
_Ali, do lado daquele sujeito parecido com você. Virgem Maria! Aquele está mal. Olha só, as olheiras, a cara encovada, o cabelo embaçado...Não dou mais nem uma semana para o infeliz.
_Mas é você Alencar! Aquilo é um espelho...
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Natacha Atlas - Diaspora
Este é um dos melhores discos que ouvi neste ano.
Confira o post abaixo, que está no endereço:
http://avaxsphere.com/music/natacha_atlas_diaspora.html
Posted By: Buruchtan | Date: 21 Mar 2007 18:34 | Comments: 4
Natacha Atlas - Diaspora.
1995 | EAC Rip | Monkey Audio > 486Mb | MP3 256 kbps > 140Mb
Genre: Electronica; Styles: Club/Dance - Ambient Techno
Even in the increasingly multicultural western musical landscape of the 1990s, Natacha Atlas has more right than most to claim multiculturalism. The half-Jewish Egyptian-Palestinian diva is fluent in four languages and, besides her training in classical singing, she trained in the 'raq shari, ' the art of bellydancing. Her toasting has also been an integral element in the success of U.K. trance-techno group Transglobal Underground, and on her debut album, she continues and extends all those aspects of her personality.
Diaspora comes up with a heady mix of traditional Arabic music and sprinkeled techno beats that is so trance-inducing that it wouldn't go unnoticed on the dancefloor eventhough the songs are mysterious, hard to get your head around, and completely exotic. Atlas spreads her gorgeous, serpentine voice over each song like the spell of a snake charmer, and the results are mesmerizing. Despite the foreign tongue, the songs are dripping with passion whether they are concerned with love and seduction, spirituality, ancient history, or the blood feud between Arabs and Jews, and never is the music less than accessible, albeit an accessibility that the listener has to work to acquire because it is so grounded in the Middle East. Although Diaspora is a lush, captivating album, it does not entirely detached itself from the sound of Transglobal Underground. Since Atlas enlists some of her Transglobal Underground bandmates, the album is still more of an extension of that band than a wholly individual sound. But on the evidence of engrossing, haunting compositions such as 'Yalla Chant' and 'Duden', as well as Atlas' otherworldly pipes, that individuality could not be long in coming. ~ allmusic.com
01. Iskanderia 05:15
02. Leysh Nat'arak 06:08
03. Diaspora 06:48
04. Yalla Chant 05:53
05. Alhambra Pt. 1 01:20
06. Duden 06:41
07. Feres 07:38
08. Fun Does Not Exist 05:56
09. Dub Yalil 07:56
10. Iskanderia [Atlas Zamalek] 05:15
11. Diaspora [Ballon Theatre Remix] 07:02
12. Fun Does Not Exist [Dolmus Remix] 06:21
Archives with recovery 3%.
Password: 7002
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
sábado, 9 de fevereiro de 2008
Perfis não autorizados dos grandes amigos
Estou a fazer perfis não autorizados dos amigos que me acompanham há 20 anos.
Ainda não decidi se vou publicar aqui. Essas coisas costumam ser melindrosas.
O primeiro perfil é meu mesmo e vai em versos.
Você que já teve a língua afiada
quer ter olhos de águia
quer ser ave de rapina
mas não aguenta o tranco de uma piada
O que há com você depois que se levanta?
Ranzinza, careca e metido
faria melhor se corresse para beijar as mãos
que te alimentam, sua anta
Aliás, faria melhor se já tivesse ido.
Ainda não decidi se vou publicar aqui. Essas coisas costumam ser melindrosas.
O primeiro perfil é meu mesmo e vai em versos.
Você que já teve a língua afiada
quer ter olhos de águia
quer ser ave de rapina
mas não aguenta o tranco de uma piada
O que há com você depois que se levanta?
Ranzinza, careca e metido
faria melhor se corresse para beijar as mãos
que te alimentam, sua anta
Aliás, faria melhor se já tivesse ido.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008
Fui ao enterro do pai de um amigo
Um outro amigo me telefonou.
Avisou que o pai de um amigo comum havia morrido ontem, de ataque cardíaco.
Era uma convocação, é claro.
E é claro que eu fui.
Foi às seis da tarde no Campo da Última Que Morre.
Nessas horas, aqueles caras que você nunca viu vacilar desabam feito bebês em prantos nos seus ombros.
E eu fiquei o tempo todo pensando em quando chegar a minha vez.
Acho que escorrerei feito areia molhada.
Não gosto nem de pensar.
Avisou que o pai de um amigo comum havia morrido ontem, de ataque cardíaco.
Era uma convocação, é claro.
E é claro que eu fui.
Foi às seis da tarde no Campo da Última Que Morre.
Nessas horas, aqueles caras que você nunca viu vacilar desabam feito bebês em prantos nos seus ombros.
E eu fiquei o tempo todo pensando em quando chegar a minha vez.
Acho que escorrerei feito areia molhada.
Não gosto nem de pensar.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
Eu não sou supersticioso
É mentira. Sou supersticioso.
Foi por isso que joguei na Mega Sena acumulada.
Eu estava passando em frente à lotérica e havia uma fila de cidadãos incautos, esperançosos e sonhadores. A fila serpenteava horrores e uma enorme faixa anunciava que um sujeito havia ganhado um prêmio bom ali.
Passei pela fila.
Eu estava a vinte passos de lá quando me ocorreu: é um teste. Todos os deuses e santos me deram todos os sinais mas eu não tive fé. Deixei passar. E se eu tivesse jogado teria levado a bolada inteira. E etc, etc, por mais dez passos.
Aí voltei e joguei na Mega Sena.
É claro, não ganhei nada.
Mas o que vale são os orixás.
Foi por isso que joguei na Mega Sena acumulada.
Eu estava passando em frente à lotérica e havia uma fila de cidadãos incautos, esperançosos e sonhadores. A fila serpenteava horrores e uma enorme faixa anunciava que um sujeito havia ganhado um prêmio bom ali.
Passei pela fila.
Eu estava a vinte passos de lá quando me ocorreu: é um teste. Todos os deuses e santos me deram todos os sinais mas eu não tive fé. Deixei passar. E se eu tivesse jogado teria levado a bolada inteira. E etc, etc, por mais dez passos.
Aí voltei e joguei na Mega Sena.
É claro, não ganhei nada.
Mas o que vale são os orixás.
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
Fezinha cega e a vaca molhada
Não resisti.
Eu sei, as chances são de um em um zilhão, mas apostei.
Fiz três jogos, R$ 4,50.
Se eu ganhar, juro que divido a grana com quem ganhar comigo.
Eu sei, as chances são de um em um zilhão, mas apostei.
Fiz três jogos, R$ 4,50.
Se eu ganhar, juro que divido a grana com quem ganhar comigo.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2008
Ainda a proibição das bebidas alcoólicas
A proibição de birita sempre agrada a mulherada.
Num escrutínio simbólico, elas derrotaram os espíritos livres presentes à mesa de votação. Acham que o governo federal está certo, que a medida salvará vidas e o escambau. Ou seja, a cortina de fumaça dá certo mesmo.
Como eu disse antes: as estradas ruins continuarão ruins, a polícia continuará sem fiscalizar estrada (mas há quem ache que começará a achacar comerciantes) e o número de vítimas continuará alto, pois os bebuns continuarão a dirigir bebuns.
Sem guarda na estrada, sem radar, sem bafômetro, sem blitz, continua tudo na mesma. Os caminhoneiros cheios de bola vão continuar cheios de bola, sem fiscalização (sem pesar os veículos, pois nenhuma balança rodoviária funciona, sem verificação de equipamentos de segurança, sem nada). Os malucos doidões e assassinos atrás dos volantes continuarão a ameaçar as vidas de quem ainda encara as estradas arruinadas do país.
Aliás, outro dia a Míriam Leitão escreveu que todos os dias 900 caminhões de madeira extraída ilegalmente da Amazônia circulam pelas rodovias do país. Nunca vi estatística de assalto em estrada, mas em diversos trechos de Minas, Bahia e Goiás os motoristas de ônibus só enfrentam a estrada em comboio. Dizem que em alguns locais, não passa ônibus sem assalto. Em outros trechos, os bandidos jogam pneus contra os carros que ultrapassam em alta velocidade. Quem parar para verificar é assaltado e pode pagar com a vida. Nessas estradas, nunca se vê polícia de dia ou à noite. Ou melhor, nunca se via. Um passarinho azul acredita que agora, com certeza, os policiais estarão no restaurante, na lojinha, vendo se alguém terá coragem de vender birita. Na beira da estrada, tenho certeza de que aqueles meninos que vendem pequi agora também vão vender cachaça.
Num escrutínio simbólico, elas derrotaram os espíritos livres presentes à mesa de votação. Acham que o governo federal está certo, que a medida salvará vidas e o escambau. Ou seja, a cortina de fumaça dá certo mesmo.
Como eu disse antes: as estradas ruins continuarão ruins, a polícia continuará sem fiscalizar estrada (mas há quem ache que começará a achacar comerciantes) e o número de vítimas continuará alto, pois os bebuns continuarão a dirigir bebuns.
Sem guarda na estrada, sem radar, sem bafômetro, sem blitz, continua tudo na mesma. Os caminhoneiros cheios de bola vão continuar cheios de bola, sem fiscalização (sem pesar os veículos, pois nenhuma balança rodoviária funciona, sem verificação de equipamentos de segurança, sem nada). Os malucos doidões e assassinos atrás dos volantes continuarão a ameaçar as vidas de quem ainda encara as estradas arruinadas do país.
Aliás, outro dia a Míriam Leitão escreveu que todos os dias 900 caminhões de madeira extraída ilegalmente da Amazônia circulam pelas rodovias do país. Nunca vi estatística de assalto em estrada, mas em diversos trechos de Minas, Bahia e Goiás os motoristas de ônibus só enfrentam a estrada em comboio. Dizem que em alguns locais, não passa ônibus sem assalto. Em outros trechos, os bandidos jogam pneus contra os carros que ultrapassam em alta velocidade. Quem parar para verificar é assaltado e pode pagar com a vida. Nessas estradas, nunca se vê polícia de dia ou à noite. Ou melhor, nunca se via. Um passarinho azul acredita que agora, com certeza, os policiais estarão no restaurante, na lojinha, vendo se alguém terá coragem de vender birita. Na beira da estrada, tenho certeza de que aqueles meninos que vendem pequi agora também vão vender cachaça.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008
PRF multa 600 por causa da lei seca nas estradas federais
A medida provisória que proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos às margens das rodovias federais é uma cortina de fumaça para as péssimas condições das rodovias federais e para a eterna omissão do governo em fiscalizar.
Nos feriados, milhares de brasileiros morrem nas estradas horrorosas que se constroem ou que se reformam por aí. (É absurdamente ridícula e sem explicação decente a diferença de qualidade entre a estrada privatizada e a estrada sem pedágio). Milhares de pessoas morrem nas estradas do país principalmente porque elas estão em péssimas condições. A bebida é a causa número um de acidentes, está certo, quem sou eu para desmentir pesquisas, as estatísticas e o bom senso. Mas sem ver o questionário que fazem às vítimas de acidentes, eu diria que o péssimo estado das rodovias é a causa número dois, número três e número quatro.
Você pode até ironizar que os bêbados não conseguem desviar dos buracos e acabam fazendo besteira. Pode dizer que os caras ficam tão cheios de mel que acham que podem andar reto nas curvas e flutuar sobre as cabeceiras esburacadas das pontes. É lógico que os bêbados e os calhambeques provocam a maioria dos acidentes. Assim como é lógico que os pilotos são os responsáveis pela maioria dos acidentes aéreos. Se eles biritassem antes dos vôos, com certeza o número de acidentes aumentaria. E no ar não tem buraco nem asfalto deformado. Ora bolas. Essa conversinha não melhora a situação das estradas e nem altera o fato de que sem motorista, sem veículo e sem estrada não existiriam acidentes. Veja bem. A existência ou não de garrafa, em última análise, não altera o conjunto mínimo relacionado a acidente. É ele. E não a garrafa. E nem o buraco. E nem só o carro mil. Mas se a estrada estiver uma porcaria, fica muito difícil desviar dos conjuntos de bêbados, das crateras e das carroças que infestam as estradas.
Aposto que você, como eu e a maioria absoluta dos brasileiros, não entra no carro com a família e encara uma estrada bêbado feito um gambá. E aposto que se você viaja de ônibus, como a maioria dos seres humanos desse país, você acha super normal aproveitar a parada obrigatória para uma refeição e acompanhar a dita cuja de uma cervejota, bem gelada. Eu acho. Sempre achei. Eu e os milhares de sujeitos que constroem os restaurantes de beira de estrada no país. Eu e os milhões de homens e mulheres que entram e consomem refeições, refrigerantes ou uma cervejinha antes de voltar para a estrada. No banco do ônibus, no banco de passageiro, no banco de trás do carro de passeio.
Aí vem o governo federal e, como sempre, quer resolver a manchete negativa na base da medida provisória. Proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos à beira das rodovias federais. É a lei seca no carnaval. A Polícia Rodoviária , louca para mostrar serviço e garantir aumento salarial, multa 600(Os atônitos que não conseguiram tirar o estoque da vista dos “fiscais” a tempo pagarão R$1.500,00 cada um). E é aqui que está o pulo do gato da MP. A polícia vai fiscalizar, gente. É isso que assusta motorista bebum. É ver o carro da polícia na beira da estrada. É pensar na possibilidade de ser parado a qualquer momento. O número de vítimas irá diminuir, com certeza, por causa do alarde de que a polícia irá fiscalizar.
E nesse ponto você pode até fazer uma intervenção à moda governista e dizer que a MP servirá para salvar vidas. Não, só irá parecer que terá servido para isso. A MP será uma cortina de fumaça porque as estradas continuarão ruins, os policiais continuarão sem policiar (a última vez que vi uma blitz nas estradas foi em 1998) e muita gente continuará a morrer nos outros feriados. As vidas terão sido salvas pelo barulho em torno da lei seca. Os motoristas que se embriagam continuarão a encher os cornos, pois vão comprar cachaça na biboca da beira da estrada ou vão levar suas próprias garrafas. A MP terá contribuído para estimular a venda ilegal de birita às margens das rodovias, para estimular a “caixinha”, a “vista grossa” e o “lava-mão”? Com certeza.
Depois que a fumaça passar poucas pessoas terão uma visão clara sobre o que aconteceu. Os milhares de comerciantes que terão deixado de vender as cervejas para os passageiros de ônibus sentirão a diferença no fluxo de caixa. Mas nem todo mundo é comerciante. E todos os conceitos de cidadania e de limites da governança estarão mais nebulosos do antes. É assim que o Estado burocrático e mandão vai se intrometendo cada vez mais na vida dos cidadãos. Com medidas que parecem boas, mas que são inócuas ou exigem uma fiscalização intensa ou uma grande conscientização preliminar para dar certo. É por isso que se diz por aí que de boas intenções o inferno está cheio.
P.S.: Fui almoçar num shopping que fica a 200 metros de uma rodovia federal que corta essa cidade. Um cartaz avisava a todos que o estabelecimento estava sujeito a multa caso vendesse ou ofertasse bebidas alcoólicas. Hilário.
Nos feriados, milhares de brasileiros morrem nas estradas horrorosas que se constroem ou que se reformam por aí. (É absurdamente ridícula e sem explicação decente a diferença de qualidade entre a estrada privatizada e a estrada sem pedágio). Milhares de pessoas morrem nas estradas do país principalmente porque elas estão em péssimas condições. A bebida é a causa número um de acidentes, está certo, quem sou eu para desmentir pesquisas, as estatísticas e o bom senso. Mas sem ver o questionário que fazem às vítimas de acidentes, eu diria que o péssimo estado das rodovias é a causa número dois, número três e número quatro.
Você pode até ironizar que os bêbados não conseguem desviar dos buracos e acabam fazendo besteira. Pode dizer que os caras ficam tão cheios de mel que acham que podem andar reto nas curvas e flutuar sobre as cabeceiras esburacadas das pontes. É lógico que os bêbados e os calhambeques provocam a maioria dos acidentes. Assim como é lógico que os pilotos são os responsáveis pela maioria dos acidentes aéreos. Se eles biritassem antes dos vôos, com certeza o número de acidentes aumentaria. E no ar não tem buraco nem asfalto deformado. Ora bolas. Essa conversinha não melhora a situação das estradas e nem altera o fato de que sem motorista, sem veículo e sem estrada não existiriam acidentes. Veja bem. A existência ou não de garrafa, em última análise, não altera o conjunto mínimo relacionado a acidente. É ele. E não a garrafa. E nem o buraco. E nem só o carro mil. Mas se a estrada estiver uma porcaria, fica muito difícil desviar dos conjuntos de bêbados, das crateras e das carroças que infestam as estradas.
Aposto que você, como eu e a maioria absoluta dos brasileiros, não entra no carro com a família e encara uma estrada bêbado feito um gambá. E aposto que se você viaja de ônibus, como a maioria dos seres humanos desse país, você acha super normal aproveitar a parada obrigatória para uma refeição e acompanhar a dita cuja de uma cervejota, bem gelada. Eu acho. Sempre achei. Eu e os milhares de sujeitos que constroem os restaurantes de beira de estrada no país. Eu e os milhões de homens e mulheres que entram e consomem refeições, refrigerantes ou uma cervejinha antes de voltar para a estrada. No banco do ônibus, no banco de passageiro, no banco de trás do carro de passeio.
Aí vem o governo federal e, como sempre, quer resolver a manchete negativa na base da medida provisória. Proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos à beira das rodovias federais. É a lei seca no carnaval. A Polícia Rodoviária , louca para mostrar serviço e garantir aumento salarial, multa 600(Os atônitos que não conseguiram tirar o estoque da vista dos “fiscais” a tempo pagarão R$1.500,00 cada um). E é aqui que está o pulo do gato da MP. A polícia vai fiscalizar, gente. É isso que assusta motorista bebum. É ver o carro da polícia na beira da estrada. É pensar na possibilidade de ser parado a qualquer momento. O número de vítimas irá diminuir, com certeza, por causa do alarde de que a polícia irá fiscalizar.
E nesse ponto você pode até fazer uma intervenção à moda governista e dizer que a MP servirá para salvar vidas. Não, só irá parecer que terá servido para isso. A MP será uma cortina de fumaça porque as estradas continuarão ruins, os policiais continuarão sem policiar (a última vez que vi uma blitz nas estradas foi em 1998) e muita gente continuará a morrer nos outros feriados. As vidas terão sido salvas pelo barulho em torno da lei seca. Os motoristas que se embriagam continuarão a encher os cornos, pois vão comprar cachaça na biboca da beira da estrada ou vão levar suas próprias garrafas. A MP terá contribuído para estimular a venda ilegal de birita às margens das rodovias, para estimular a “caixinha”, a “vista grossa” e o “lava-mão”? Com certeza.
Depois que a fumaça passar poucas pessoas terão uma visão clara sobre o que aconteceu. Os milhares de comerciantes que terão deixado de vender as cervejas para os passageiros de ônibus sentirão a diferença no fluxo de caixa. Mas nem todo mundo é comerciante. E todos os conceitos de cidadania e de limites da governança estarão mais nebulosos do antes. É assim que o Estado burocrático e mandão vai se intrometendo cada vez mais na vida dos cidadãos. Com medidas que parecem boas, mas que são inócuas ou exigem uma fiscalização intensa ou uma grande conscientização preliminar para dar certo. É por isso que se diz por aí que de boas intenções o inferno está cheio.
P.S.: Fui almoçar num shopping que fica a 200 metros de uma rodovia federal que corta essa cidade. Um cartaz avisava a todos que o estabelecimento estava sujeito a multa caso vendesse ou ofertasse bebidas alcoólicas. Hilário.
domingo, 3 de fevereiro de 2008
sábado, 2 de fevereiro de 2008
Carnaval de 1984
Foi o melhor carnaval da minha vida.
Acho que também foi o único carnaval em que pulei.
Fui para um clube. Conheci uma gata.
Durou o carnaval inteiro.
Depois do sábado de aleluia, nunca mais vi aquela moça.
Acho que também foi o único carnaval em que pulei.
Fui para um clube. Conheci uma gata.
Durou o carnaval inteiro.
Depois do sábado de aleluia, nunca mais vi aquela moça.
sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008
Segura no plinto e balança
Aprendi hoje, lendo a coluna do Ivan Lessa na BBC, o que é um plinto. Mesmo com a preguiça danada que me carrega.
_Plinto é a base retangular de uma coluna, é o pedestal de uma estátua, sua anta!
Ivan, o velho talento que o uísque, os anos, a perobagem e a empáfia insistem em diminuir, contou da maneira como só as velhas bestas conseguem, a história do concurso que o Prefeito de Londres, Ken Livingstone mandou realizar. Trafalgar Square tem quatro cantos e em três deles um plinto com estátua. Para escolher o que colocar em cima do quarto plinto, o prefeito fez o concurso, ainda sem resultado.
A palavra vai se juntar ao saco de expressões e onomatopéias que me provocam pesadelos. Venho juntando essas palavras esquisitas desde que ganhei meu primeiro dicionário, em 1970. Estão organizadas em ordem alfabética, dentro de um caderno que eu mesmo fiz. Aliás, eu aprendi a fazer cadernos só para guardar as palavras MEDONHAS que eu guardava no saco. Antes eu recortava a palavra cuidadosamente e a colocava dentro do saco. Hoje, continuo recortando a palavra, mas a coloco dentro do envelope que colei no final do caderno. Parece tolice, mas foi a única maneira de exorcizar essas palavras horrorosas que já me tiraram o sono.
_Plinto é a base retangular de uma coluna, é o pedestal de uma estátua, sua anta!
Ivan, o velho talento que o uísque, os anos, a perobagem e a empáfia insistem em diminuir, contou da maneira como só as velhas bestas conseguem, a história do concurso que o Prefeito de Londres, Ken Livingstone mandou realizar. Trafalgar Square tem quatro cantos e em três deles um plinto com estátua. Para escolher o que colocar em cima do quarto plinto, o prefeito fez o concurso, ainda sem resultado.
A palavra vai se juntar ao saco de expressões e onomatopéias que me provocam pesadelos. Venho juntando essas palavras esquisitas desde que ganhei meu primeiro dicionário, em 1970. Estão organizadas em ordem alfabética, dentro de um caderno que eu mesmo fiz. Aliás, eu aprendi a fazer cadernos só para guardar as palavras MEDONHAS que eu guardava no saco. Antes eu recortava a palavra cuidadosamente e a colocava dentro do saco. Hoje, continuo recortando a palavra, mas a coloco dentro do envelope que colei no final do caderno. Parece tolice, mas foi a única maneira de exorcizar essas palavras horrorosas que já me tiraram o sono.
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