(Continuação do texto publicado neste blog em março de 2008)
Na entrada da escola, uma dezena de pais, bicicletas, velocípedes, skates e patinetes se aglomeravam no portão. De repente, são engolidos por fagocitose e desaparecem em segundos.
_Pai, eu não vou entrar – ele fala, categórico.
_Pode ir tranqüilo que eu volto daqui a pouco, com sua bicicleta arrumada.
E aí nós nos atiramos noutro bolo de gente e entramos na escola.
Na frente da sala do mais velho, tinha até uma bicicleta imitando a vassoura voadora do Harry Potter. Esse povo alternativo é muito massa. Contei dezesseis bicicletas. As bicicletas da sala da menina estão todas do lado de dentro. São 13 bicicletas azuis e uma cor-de-rosa. Com a dela, são quinze bicicletas. Só duas meninas na sala. Aos três anos de idade e tendo lições diárias de sobrevivência na selva. Somando tudo, dava pelo menos cem bicicletas. Em suma, não havia a menor possibilidade de deixar meu garoto de fora daquela confusão. É, tenho de confessar que essa traição me passou pela cabeça.
Menino e menina entregues. Tratei de voltar pra casa rapidinho. Eu tinha duas tarefas urgentes. Primeiro achar a rodinha que havia sumido. E em segundo lugar, arrumar o parafuso espanado da rodinha. Cheguei em casa e a Rose, a mulher que eu colocaria na Casa Civil, já havia encontrado a rodinha. Então só faltava arrumar o parafuso espanado. Procurei na casa inteira, e não havia nenhum parafuso que servisse. Coloquei daquelas fitas de pvc, que se usa em vazamento de mangueira de gás, em volta do parafuso. Pareceu firme. Reforcei com uma amarração de arame com alicate. Achei que daria para agüentar. Depois descobri que só resistiu por uns cinco minutos de uso, mas alguém da escola consertou com um parafuso de verdade. Ficou bom mesmo. Voei para a escola.
Consegui chegar antes do recreio. No portão, encontro uma mãe, também carregando uma bicicleta.
_Esqueceu da bicicleta também? Hoje foi o dia, né? – ela sorri, solidária.
_É essa correria, né? Lavar, passar, manicure, olhar menino... dá uma canseira na gente!
Ela me olha como se eu tivesse hanseníase e se afasta.
O meu filho assiste a minha chegada pela janela da sala. Um sorriso enorme vira um grito de alegria. E quando ele sai correndo da sala para me abraçar eu morro de medo dele tropeçar. Eu acho que a vida seria muito mais bonita se alguém ligasse uma trilha sonora nesses instantes, se pusesse a música adequada para tocar no momento certo. Mesmo assim, foi muito melhor que abraço de pai e filho em cinema, cena que sempre me emociona até as lágrimas. E depois disso eu voltei para casa.
Mais tarde, quando eu fui pegar os dois, eu perguntei qual tinha sido a melhor coisa daquele dia. Eu sempre pergunto isso.
_Foi “fora”, com as bicicletas – diz a menina. E ela conta como se divertiu com a bicicleta, sua única companheira de sala e os outros meninos. Ela caiu, me mostrou o machucado na mão esquerda. E disse que chorou. Mas também riu e ficou alegre. Acho que ficou mais tempo alegre do que triste. E ficou em ação, em movimento.
E eu estou muito curioso e insisto com o menino.
_E o que foi melhor hoje para você, filho?
_Foi “dentro”. Caiu o dente da Camila e ela me deixou segurar. Era um dentão! – diz o menino.
Eu sei, eu sei. O maravilhoso é sempre alguma coisa que não podemos sequer imaginar.
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