As razões são constituídas de fatos. O que é verdadeiro não pode, ao mesmo tempo, ser percebido como falso. Quando isso acontece, ocorre a confusão e a loucura. A verdade não varia de indivíduo para indivíduo, de acordo com a percepção de A ou B. Isso seria absurdo. Assim, só é possível ter um único tipo de relação com a verdade, o verdadeiro. Qualquer outro tipo é falso. Para Kant, a mentira prejudica a humanidade em geral. Para Montaigne, os mentirosos deveriam ser consumidos pelas chamas.
Muitas pessoas se entregam a mentiras e a outros tipos de comportamento avesso à verdade. Isso não dificulta a conversa ou o convívio proveitoso com essas pessoas. Significa apenas que temos que ser mais cautelosos. Podemos nos sair muito bem num ambiente de fraude e de falsidade, desde que possamos contar com nossa própria capacidade de discernir entre os diferentes tipos de casos. Existem aqueles casos em que as pessoas estão deturpando as coisas para nós. Existem também os casos em que estão nos tratando com sinceridade. O único problema é que existem mais complicadores para cada uma dessas situações. As pessoas que estão deturpando as coisas, por exemplo, podem estar sinceramente convencidas de que não estão mentindo, embora o estejam. Por outro lado, podem ser mentirosos contumazes subitamente convencidos de que é melhor falar a verdade. É difícil saber. Quase sempre, somos apenas levados a acreditar em quem nos desperta maior confiança. No final das contas, as pessoas acreditam em qualquer coisa que queiram acreditar ditas pelas pessoas em quem confiam.
A variedade é grande. Existem pessoas que duvidam que o astronauta Neil Armstrong esteve na lua com o Apollo 11. Foram truques fotográficos. Outras pessoas conseguem provar que as torres gêmeas foram destruídas por explosivos cuidadosamente plantados e não porque aviões se chocaram contra os edifícios. Tudo teria sido fruto da ação de agentes do próprio governo para justificar ataques a países do Oriente Médio. Hitler teria morrido de velho na Argentina. Elvis não morreu, só se cansou da coisa toda. Obama é o verdadeiro Yuri, o comunista infiltrado pela extinta União Soviética que desmontará a América por dentro. Deus ainda não veio. Deus não veio, mas mandou o Filho, que foi morto cruelmente. Deus virá. Deus vem todos os dias. Deus não precisa vir. Eu só verei Deus se fizer as coisas ditas pelos caras que conversam com Ele.
Quem está certo? Quem está com a verdade? As pessoas acreditam no que precisam acreditar. E aquilo em que acreditam é a única verdade. Até que descubram que a verdade em que tanto acreditam, ditas pelas pessoas em quem tanto confiam é, na realidade, uma mentira.
Naquele momento, eu tive certeza de que Manoela não estava dizendo a verdade. Mas não sabia até que ponto ela estava mentindo.
_Então me devolva aquele brinquedo velho – eu disse.
_Aquilo é parte da sua mania. É o seu Elmo de Mambrino – disse Manoela.
_Besteira. Eu não sou nenhum Quixote.
_Não? Pois parece. Está aí, montado na sua motoca, de capacete, caçando moinhos de vento. E com a ajuda do seu primo barrigudo, o Sancho Pança Vini.
_Foi você que me falou da arma Zeta!
_Lá vem a sua loucura novamente. Eu jamais falei coisa alguma sobre essa sua fantasia. Eu me arrependo amargamente de ter ajudado meus pais a socorrer você, desmaiando de bebida no corredor do apartamento, naquele carnaval.
_Você não vai conseguir me confundir. Não adianta. Você é uma Mondego. Filha de Rosalvo Alencar Mondego.
_Meu nome é Manoela Caleb. Meu pai se chama Victor Caleb. Minha mãe se chama Brigite Eleonor Caleb. Passei um ano da minha vida repetindo a mesma coisa para você.
_Não é isso que está escrito aqui, ditado pelo meu primo Vini – eu disse, enquanto arrancava o pedaço de papel do bolso e olhava a minha anotação. Foi então que, sem nenhuma surpresa da minha parte, vi as letras da minha caligrafia se estreitando e se alongando, numa rápida reorganização. Agora era possível ler VICTOR CALEB, em letras maiúsculas. Eu sabia, eu sabia. Alguém, em algum lugar, havia acabado de disparar a arma Zeta na minha anotação.
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