segunda-feira, 24 de março de 2014

Outra tarde de devaneios

Meia hora praticamente parado num engarrafamento sem motivo. Eu poderia estar lendo um dos maravilhosos artigos de Coetzee sobre literatura e escritores. Como não trouxe o livro, fico tentando me lembrar dos melhores trechos do artigo que li ainda cedo. Aos poucos, retomo o velho hábito de ler logo que acordo, para manter a mente focada logo cedo. Pode parecer meio besta, mas eu preciso ler artigos, se pretendo ler artigos. Preciso ler livros, se estou escrevendo livros. E preciso ler logo cedo para não ficar perdido em devaneios e planos mirabolantes o resto do dia. Com algumas pessoas, funciona com a leitura dos jornais ou com a leitura da imprensa na internet. Comigo, depois de muitas experimentações, descobri que o melhor efeito foco é obtido com um livro.

Nesse artigo que estou tentando lembrar, Coetzee fala sobre Italo Svevo. É um pseudônimo, o nome verdadeiro é Aaron qualquer coisa(dá um google, aí). Ele é natural de Trieste e durante algum tempo morou na Inglaterra como representante de uma empresa especializada num produto do balocobaco. A empresa era dona da patente de um líquido que impedia o crescimento de cracas nos cascos dos navios. E a Inglaterra estava cheia de navios. Italo Svevo se esbaldava. E precisava de um professor de inglês para melhorar as suas correspondências comerciais. Contratou um professor chamado James Joyce. Nunca consegui ler um livro inteiro do irlandês. Ulysses é um volume começado várias vezes, mas jamais concluído. A tradução inventiva para o português(creio que é de um dos irmãos Campos) conseguiu transformar o que já era uma chatice num troço gloriosamente chatíssimo. Já atolei tantas vezes que desisti. Esse não pego mais.

Por outro lado, releio Moby Dick e Os Miseráveis de vez em quando. Mantenho "O Idiota" ao alcance das mãos, um dia pretendo reler. Quando dou por mim, estou no final do engarrafamento, devaneando leituras que desejo fazer.

Em outro artigo, Coetzee fala sobre o truque de Robert Walser para atingir um estado de transe sonambúlico que ele considerava necessário e fundamental para a escrita. Walser inventou uma estenografia caligráfica peculiar que lhe permitia entrar em modo de escrever. Tento me lembrar das palavras exatas, mas não consigo. É o artigo mais trágico do livro até agora. No dia de Natal de 1956, Walser foi encontrado morto de frio nas proximidades de um hospital para doentes mentais na Suíça. Seus olhos estavam abertos. A polícia tirou uma foto do cadáver com os olhos arregalados e depois disso as reimpressões dos livros de Walser passaram a ostentar a foto dos olhos abertos do cadáver. Isso foi feito até 1973 e só parou depois de um artigo de Elias Canetti deplorando o uso da foto do morto na contracapa e nas orelhas de suas publicações.

Quando percebo, estou estacionando o carro e já é hora de fazer todas as outras coisas.

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