Contei aqui o dia em que comprei um disco dos Rolling Stones. Aí fiquei pensando que isso bem que daria uma boa série de crônicas, desde que eu não fosse o único a escrevê-las. Acontece que todo mundo tem um disco de que gosta muito e sabe exatamente como foi que ele começou a fazer parte da sua vida. O Cabeça, por exemplo, teria pelo menos umas dez boas histórias sobre as centenas de discos de vinil que mantém em sua casa. Meu amigo Mário Salimon, que também é músico, com certeza teria um monte de textos sensacionais sobre cada um dos vinis que guarda com carinho em sua casa. Rodrigão, um outro amigo que é baixista, poderia falar não somente dos discos, mas da sua preciosa coleção de fitas cassete, que eu pedia emprestado e copiava fazendo malabarismos tecnológicos em casa. Outros amigos, como o Velho Tom, Marcelino e Márcio, que são conhecedores de música clássica e veneram Bach, Mozart, Beethoven e Chopin também poderiam contribuir. Para minha mulher, eu poderia pedir que contasse como ficamos mais de dois anos escutando o CD Universo ao Meu Redor, da Marisa Monte, sem enjoar. Até hoje é um dos preferidos, junto com The Atomic Mr. Basie, o CD que eu usava para embalar o sono das crianças, no balanço da rede da varanda do velho apê. Mas depois desanimei de pedir texto para os amigos, eu sou meio fogo de palha quando se trata de pedir alguma coisa a alguém.
E então pensei em contar a história do único disco que destruí. Eu não sou destruidor. Gosto de escrever e desenhar, assobio muito. Estou mais para um consumidor voraz de músicas e livros com pequenas ânsias de criatividade, do que para destruidor. Mesmo assim destruí um disco. Foi a trilha sonora de Dancin´Days, a velha novela da Globo. Minha irmã tinha ganhado esse disco, que escutamos muito, mas muito mesmo. Eu gostava. Mas de repente eu tinha 13 anos e todo mundo com quem eu andava da escola era rockeiro. Os caras da quadra eram rockeiros. Meu irmão era rockeiro. Minha mãe não se importava com o barulho. E meu pai, como todos os pais, detestava música alta. Nada disso foi capaz de me transformar num destruidor de discos. Mas uma conversa banal foi.
Um dia, o Cabeça me perguntou à queima-roupa se eu gostava de discoteca.
_Eu? Não, claro que não! - eu disse.
_Deixa disso, que eu sei! Você tem a maior cara de quem gosta de discoteca - ele disse.
_Vá abocanhar uma maçaneta gorda! Eu detesto discoteca, meia soquete, Dona Summer, Bee Gees, dançar que nem o John Travolta - eu disse.
_Dançar? Rockeiro não dança, ô Mané! Rockeiro pula! Confessa que tu és o maior "fever night" da paróquia!
_Eu sou heavy metal, xará! Lá em casa não entra discoteca. Se entrar, eu risco o disco inteirinho.
_Lá em casa eu nem me dou a esse trabalho de riscar. Eu jogo pela janela! - disse o Cabeça.
_Eu também. Eu também - eu disse.
_Ah, é? Ah, é? E como o disco faz quando se atira ele pela janela?
Silêncio. Silêncio total de quem é pego na mentira e está completamente sem alternativa para enrolar o outro ser humano. Silêncio absoluto.
_Não sabe? - ele disse.
_É que por enquanto ainda estou na fase de arranhar. Depois vou jogar pela janela.
_E qual disco você está arranhando?
_Dancin´Days.
_Tu estás a arranhar Dancin´Days? E vai jogar pela janela? Não acredito em você, cara. Você é um travolteca "stayn´alive"! Some daqui!
Foi por isso que depois que eu cheguei em casa eu terminei de arranhar o disco. Em seguida, depois de verificar que não havia ninguém na rua, eu peguei o disco e o atirei sem capa pela janela, como se fosse um disco-voador. Para minha surpresa, ao invés de flutuar em linha reta por alguns instantes, o disco mergulhou na vertical e se espatifou no asfalto. Tive sorte de não acertar ninguém e nenhum carro. Devolvi a capa do disco para a estante, onde três dezenas de discos se amontoavam em capas trocadas ou permaneciam envoltos apenas na capa plástica. No dia seguinte, quando contei como o disco fez uma curva rápida e se espatifou sobre a calçada, o Cabeça fez um gesto de não-entendimento, deu uma risada e depois me disse que eu era um dos caras mais malucos que ele conhecia.
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