terça-feira, 23 de julho de 2013

No dentista, mais uma vez



Tame Impala - "Elephant"

Estamos neste consultório odontológico, onde vim com as crianças para tirar novas chapas radiológicas. Acho que esqueci de contar que mandei o último dentista às favas porque ele sempre dizia que tudo estava normal e que não poderia fazer uma estimativa sobre o final do tratamento ortodôntico. Dentistas, médicos, advogados, sociólogos, economistas, psicólogos e toda a turma com canudo na mão é bem corporativista, ninguém critica o trabalho do colega. O novo dentista também não disse nada, só estranhou que as crianças ainda estivessem com os mesmo aparelhos com que iniciaram o tratamento, há quase dois anos.

_Talvez tenha sido um engano. O palato das crianças se modifica rapidamente. Os aparelhos servem, no máximo, por oito meses. Depois disso elas sempre estarão se queixando de dores e incômodos. E o pior, como o aparelho não serve mais na boca, ele pode provocar ferimentos e facilitar a ocorrência de infecções - disse o novo dentista.

Quando soube disso, senti vontade de chutar um hidrante. Depois, quando me lembrava das queixas das crianças, sentia vontade de chutar dois hidrantes. De qualquer modo, ali estávamos nós tentando resolver os problemas que acreditávamos que estavam sendo enfrentados anteriormente, quando eu não percebia que estávamos sendo apenas enrolados. Novas radiografias para o novo tratamento.

Eu não estou com o plástico do convênio, levo apenas os números do plano dental, que imprimi do e-mail que a minha mulher me mandou. Mais uma vez, as atendentes me olham com aquele ar de superioridade dedicado a quem não tem o plano dental no próprio nome. Finjo que não percebo a empáfia. Mas um pedaço de e-mail não impõe muito respeito no mundo dos cartões plásticos dos planos de saúde. A atendente desconfia de mim, por algum motivo. Talvez sejam os meus tênis, um All-Star cano longo. Ninguém leva muito a sério um adulto baixinho com um All-star cano longo. Ela me faz perguntas chaves sobre as crianças.

_Qual é a data de nascimento da menina? - ela pergunta, de repente.

Eu respondo. Lembro do dia como se fosse hoje. Da alegria de ser abençoado com uma menina, de como desfilei com ela enrolada feito um pacotinho no corredor do hospital, só até saleta com uma grande vidraça onde eu a exibi para meus pais e irmãos.

_O plano dental não cobre o molde. Vai pagar à parte?

_Não. Só vamos fazer as radiografias - eu disse.

_Mas aqui está marcado o quadradinho do molde - disse a atendente. Ela exibe o pedido assinado pelo dentista, o quadradinho do molde com um "x".

_Os moldes já foram feitos. Eles só irão fazer as radiografias - eu disse.

_Tem certeza? Não acha melhor conferir com a titular do plano? - ela disse.

_Com a minha esposa? Você quer que eu incomode a minha mulher no trabalho? A essa hora? - eu disse, só pra provocar.

_Tudo bem, se não estiver certo, você pode voltar qualquer dia, né? - ela disse. E bingo, a atendente virou o placar novamente.

Quando eu estava sentado, à espera do chamado, a atendente me perguntou de surpresa, quando estava atendendo outra pessoa.

_E o menino, qual é a data de nascimento do menino? - ela disse.

Eu respondi. É a data mais fácil do mundo. Foi o dia em que eu comecei a renascer. A atendente pareceu desapontada. Aparentemente eu não era alguém tentando fraudar o plano dental, conseguindo duas radiografias de graça para duas crianças. Esse tipo de coisa deve ocorrer todos os dias, eu imagino.








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