sexta-feira, 19 de julho de 2013

Dois bancos para a mesa de almoço



Latasha Lee & The BlackTies- Sad Mood

Eu nunca havia me preocupado com móveis até mudarmos para uma casa. Quando morávamos no velho apartamento, os espaços eram bem limitados, qualquer pequeno excesso era um estorvo. No dia seguinte à mudança, quando todas as caixas de papelão tinham sido esvaziadas e todos os móveis estavam onde deveriam estar, percebi que não tínhamos quase nada. A sala estava completamente vazia. O escritório possuía somente a minha velha estante e a velha mesa do computador. Felizmente, os quartos das crianças estavam com móveis novos e adequados. Por algum tempo foi ótimo andar pela casa vazia, as crianças adoravam levar os colchões para a sala e fingir que acampavam. Usávamos mesas e cadeiras de plástico emprestadas. A novidade da mudança combinava com um certo vazio.

Um dia, enquanto andava no shopping, vi uma mesa de madeira grande numa oferta relâmpago. Era pegar, em suaves prestações, ou largar. Eu aproveitei a chance mas assim que cheguei em casa me arrependi. Não tínhamos cadeiras. As de plástico eram muito baixas e inadequadas. Só poderíamos usar a mesa se tivéssemos dois grandes bancos. Isso é bem típico do que acontece comigo. Tomo decisões que são irreversíveis e depois tento correr atrás do prejuízo. Todo mundo sabe que as lojas não aceitam devolução de mercadoria em oferta, mesmo assim corri de volta para o lugar e tentar reverter a compra. Fui esnobado pelo mesmo vendedor que um hora antes havia elogiado o meu bom gosto e a excelente escolha da mesa "para a vida inteira". Vendo que não conseguiria reverter a aquisição, o jeito foi tentar conseguir uma oferta especial dos bancos. O vendedor me esnobou mais uma vez e disse que os bancos disponíveis não estavam em oferta. Na verdade, cada um custava o dobro do que eu havia pago pela mesa.

De volta a casa, decidi eu mesmo fazer os bancos usando sobras de madeira da reforma que havíamos feito na casa. Não ficaram bonitos. Usei parafusos e cantoneiras de metal e não fiz nenhum encaixe. As pernas dos bancos foram feitas de estacas de ipê, uma madeira duríssima. E apesar de não serem bonitos, os bancos estão em uso até hoje. Mais importante do que isto, naquela noite em que terminei o primeiro deles, usando um serrote manual e uma furadeira hobby, eu escrevi uma história sobre um sujeito parecido comigo, quase da mesma altura, que um dia resolve se vingar de um vendedor de móveis que se recusou a desfazer uma venda. Era a história de um crime brutal, cometido por um motivo banal. E só porque eu usava uma furadeira elétrica e um serrote manual essa história ficou bem sangrenta. Descobri então que a marcenaria combina com escrever. As duas atividades são bem solitárias e exigem muita concentração. Um pequeno descuido e um erro acontece, uma história que começou bem empaca e não há jeito de se aproveitar o material.

Outro dia fiz um baú para guardar cobertores. Mas ele acabou por ficar na sala, fazendo as vezes de um aparador. Cometi alguns erros ao fazer o baú, coisas que já deveria saber que não iriam funcionar. Mas já encaro os erros sem raiva ou desespero. Na verdade, algumas vezes eu me divirto com eles.

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