Nunca aconteceu nada demais, vou logo avisando. Talvez tivesse sido melhor chamá-los de terríveis não-acontecimentos. Um dos primeiros foi o dia em que a cidade inteira procurou por mim. Nós morávamos numa cidadezinha de dez mil habitantes na beira do Rio Araguaia, onde meu pai foi juiz. Ele adorava pescar e possuía uma grande lanterna vermelha para as pescarias. Para poupar as pilhas, ele deixava a lanterna numa gaveta e as pilhas em outra. Eu sabia todos os esconderijos. E também achava a lanterna imensa. Tinha quatro ou seis pilhas médias, não me lembro direito. Mas sei que eu precisava fazer muita força para fechar a lanterna. Pois naquele dia minha mãe procurou por mim pela casa inteira e não me encontrou. Só achou a lanterna vermelha sobre a minha cama. Minha mãe vivia dizendo para ficarmos longe do rio, era um pesadelo para ela. Minha mãe procurou nos vizinhos e nada. E logo todos os vizinhos e vizinhas da rua inteira e das outras ruas saíram para me procurar. A notícia de que um dos filhos do juiz estava sumido e poderia estar no rio ou até se afogado correu pela cidade como se fosse rastilho de pólvora. Num instante, toda a cidade foi vasculhar a beirada do rio para ver se me achavam. Três horas de busca e nada, minha mãe estava aos prantos, meu pai já tinha abandonado o expediente no fórum, a polícia já pretendia começar a ouvir os suspeitos de sempre. Foi quando um vizinho, o velho Seu Dôdô, chamou a minha mãe e segredou alguma coisa no ouvido dela. Minha mãe saiu correndo para casa e não deu outra, lá estava eu debaixo da cama, escondido e com medo de levar uma bronca. Seu Dôdô sabia das coisas.
_Criança quando faz arte, se esconde debaixo da cama - ele disse para a minha mãe. Eu havia desmontado a lanterna e não conseguia fechá-la. Achei que havia quebrado a geringonça quando a mola do fundo voou longe.
Um ano depois, eu devia ter seis ou cinco anos, nós já estávamos morando em outra cidade. Minha mãe dava um duro danado. No interior, tudo era muito mais difícil. Mas havia segurança. As pessoas não tinham muito medo do que poderia acontecer. Eu também não, é claro. Por isso, minha mãe não estranhou muito quando não conseguiu me encontrar naquela manhã. Era uma outra cidade, não estava na margem do rio e nós morávamos bem ao lado da igreja. O que poderia acontecer? Bom, eu sumi de novo. Mas desta vez não houve multidão nem correria. Um dos vizinhos do final da rua ( e era uma rua bem comprida) veio correndo avisar minha mãe que havia me visto.
_E onde ele está? Onde? - disse a minha mãe.
Mas eu mesmo respondi que já havia voltado. Eu havia pedido uma carona para o leiteiro, que passava pela manhã em frente a todas as casas. Ele deu a volta no quarteirão e me deixou na porta de casa.
E depois teve o dia em que eu prendi o pé na porta sanfonada do elevador.
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