Naquelas férias nós não iríamos viajar, como sempre fazíamos. Naquele ano, era preciso economizar. Por isso, nós nos concentramos na piscina do clube. Eu achei que as férias iam ser muito chatas, mas logo descobri que naquele ano a crise tinha sido forte para todos e que uma porção de meninos e meninas da quadra e da escola ficaria em Brasília. E o melhor: o clube era praticamente a única opção de diversão. Estavam quase todos lá, no clube.
A piscina infantil do Clube Unidade de Vizinhança Número 1, na entrequadra da 108/9 sul, tinha uma pequena plataforma retangular de azulejos. Era vazada. Uma das melhores brincadeiras era mergulhar e passar por debaixo da plataforma. Era difícil porque a passagem não era muito larga, era preciso passar de lado, de olhos abertos. E havia muito cloro naquela piscina. Em pouquíssimo tempo, todos nós ficávamos de olhos muito vermelhos. Mesmo assim, ficávamos horas na piscina, mergulhando e descansando sobre a plataforma.
Mas a principal e melhor brincadeira, era de Rei da Ilha. Os meninos e até algumas meninas brincavam horas de Rei da Ilha naquela plataforma. Eu era franzino e baixinho, mas também participava da guerra pela ilha. Em geral, meu reinado sobre a plataforma durava apenas alguns segundos. Quando triunfava, eu era rapidamente derrubado por alguém mais forte e pesado.
Havia um menino, no entanto, que ninguém conseguia derrubar. Era negro, grande, forte e pesado, muito pesado. Não consigo recordar seu nome. Bastava esse menino conseguir subir na plataforma para que ninguém mais conseguisse tirá-lo de lá. Ainda antes do final da primeira semana, nós desistimos de tentar derrubá-lo. Era impossível. O melhor que poderíamos fazer era tentar interceptá-lo antes que subisse na plataforma. Mas logo descobrimos, depois de muitos goles de água, que isso também era impossível. Era muito forte, aquele menino negro.
Então alguém teve a ideía de escolhermos um menino para ser o Rei da Ilha, com uma porção de outros meninos dentro dágua, protegendo a ilha das investidas do menino negro. Isso funcionou um pouco melhor, porque o menino na plataforma conseguia repelir com mais eficácia as tentativas de subida do menino negro. Mas isso não adiantava por muito tempo, porque o menino da plataforma acabava se cansando, e o menino negro conseguia subir e derrubá-lo com facilidade. E o que é pior, ele mantinha o infeliz ex-rei da plataforma sob a água por alguns segundos, o suficiente para se beber um bocado de água.
Era uma prática dissuasiva muito eficaz. Em breve, ninguém mais queria ser o rei provisório e o Rei da Ilha tomou conta da plataforma. E então ninguém mais queria brincar de Rei da Ilha. Mas para esse menino, não fazia mais diferença. Quando ele estava na plataforma, ela era dele e somente dele. Ninguém mais poderia se deitar ali. Não adiantava você gritar que não estava brincando, que só queria descansar um pouco. O Rei da Ilha era ele, e pronto.
Ninguém mais se arriscava a mergulhar e passar debaixo da plataforma. Um de nós foi pego fazendo isso pelo Rei da Ilha e obrigado a engolir um monte de goles de água com cloro.
_Vocês não me enganam, fingindo que só querem passar debaixo da plataforma. Ninguém vai me tirar daqui - ele disse.
Uma das crianças chamou os pais e isso piorou a situação. Primeiro porque era contra as regras chamar os pais para resolver encrencas de crianças, isso todo mundo sabia, não precisava falar. E segundo, porque o Rei da Ilha disse aos pais do menino que tinha o direito de estar ali. Ele havia topado a brincadeira e não havia machucado ninguém. E também disse que se os pais do menino quisessem, era só entrar na piscina e tentar derrubá-lo da plataforma. Juntou gente à beça para assistir o embate. O pai desse menino cagueta entrou na piscina e nadou até a plataforma. Subiu e foi derrubado em dois segundos pelo Rei da Ilha.
Depois disso, não houve mais desafios. Todos os dias, o Rei da Ilha nadava até a plataforma e tomava conta do lugar. Acabamos enjoando da piscina. Aquele menino havia tirado toda a graça das duas brincadeiras. De longe, nós olhávamos e ele estava lá, estirado na plataforma, a piscina vazia de gente ao seu redor.
Um dia, fora do clube, eu o vi no supermercado. Estava com o pai, um gigante negro, muito forte e também muito, muito pesado. Eu acompanhava minha mãe empurrando o carrinho, sempre fazia isso. Durante as compras, prestei muita atenção por onde andava para não encontrarmos o Rei da Ilha. Isso deixou a minha mãe irritada, porque eu às vezes mudava o trajeto repentinamente para não encontrar a dupla. Apesar dos meus esforços, acabamos nos encontrando nos caixas. Um de frente para o outro. Para minha surpresa, o Rei da Ilha acenou para mim. Eu não respondi. Minha mãe viu aquilo e ficou irritada.
_Não seja mal-educado. Cumprimente o seu amigo - ela disse.
_Não é meu amigo, mãe. É só um cara do clube - eu disse.
Então eu fiz um aceno contido com a mão esquerda e trinquei os dentes. O Rei da Ilha também trincou os dentes. Seu pai olhou para nós e fez um cumprimento de cabeça, com sorriso.
Depois disso, todas as vezes em que eu me aproximava da piscina, o Rei da Ilha acenava para mim. Eu me sentia na obrigação de responder. Os outros meninos notaram e começaram a falar que eu deveria convencer o meu amigo a abandonar a plataforma. As férias estavam acabando e não era justo que a piscina ficasse só para ele. Eu dizia que não era amigo do Rei da Ilha, mas os meninos não acreditavam. Um dia me envolvi numa briga com outro menino porque me irritei com aquela história de ser amigo do Rei. As férias terminaram pouco depois e nunca mais ouvimos falar no Rei da Ilha. Por algum motivo, a história daquele menino teimoso, que venceu todos os garotos unidos e até um dos pais, permaneceu na minha memória.
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