quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O Careca sente a dor que deveras dente

Hoje eu corri pelo meu dente. Começou ainda pela manhã. Uma dorzinha aqui e ali, mal consegui terminar o café da manhã. Levei as crianças na escola e lembrei que era dia de reunião de apresentação da próxima série do meu filho. Putz! Eu não poderia faltar. Também lembrei que era o penúltimo dia do prazo para renovação de matrícula com desconto na mensalidade. Gente, eu preciso de todos os descontos que eu puder arrumar, então preparei a papelada com dor de dente e tudo.

É lógico que estava de mau-humor. Se existissem apenas três coisas que deixassem o ser humano de mau-humor, uma seria dor-de-dente, a outra seria dor-de-dente e a terceira seria uma puta dor-de-dente. E essa doía. Nem fiz festa de 3 minutos de rock´n´roll com as crianças dentro do carro. Botei notícia, que elas detestam. Quando você tem dor de dente, há um momento em que você sente o desejo de compartilhar dor ou inflingir dor em outro ser, não precisa ser humano. É muito importante manter a calma nessa hora e respirar fundo. Por isso, liguei o rádio para desanuviar.

_Pô, paiê, coloca música - disse a minha princesa de sete anos de idade.

_Não, hoje eu quero saber se mais um ministro vai rodar - eu disse.

E no mesmo instante eu descobri que tem mais um perigando. A dor de dente aumentava e eu imaginava corruptos e corruptores sentados na cadeira de um dentista sádico e debochado. Eu mesmo.

_Rá, toma esse motorzinho aqui, seu corrupto!! E olha o jato de ar água gelada nesse pré-molar furado, seu corruptor de uma figa!! - eu delirava no volante.

_Pai, já chegamos, tem reunião na minha sala, não se esqueça - disse o meu filho.

E eu desci correndo pois enquanto eu fantasiava flagelos dentais para os subtraidores dos cofres públicos o tempo voou. Cheguei na reunião e já estavam passando slides. Reunião de escola, gente, tem sempre um monte de slides. E é tudo muito bacana e bonito, tem vezes que até colocam música durante a projeção. Eu gosto, de verdade, mas não quando estou com dor de dente. Minha vontade era de infligir dor, provocar dor, causar dor, qualquer coisa, menos sentir dor. Ao mesmo tempo, eu me sentia humilde, muito humilde, porque a dor de dente tem isso, faz a gente se sentir bem coitado, ai, ai, ai, olhando pro céu à espera de aspirina e tylenol.

Durou uma hora. Eu já estava quase subindo pelas paredes e saí da sala feito louco para aplacar a fúria da dor do meu dente. Consegui fazer isso por acaso, no bebedouro, enchendo a boca de água. Milagre! Bastava um pouco de água fria para fazer a dor ir embora. Uau! Era o primeiro momento sem dor do dia e conseguira isso com apenas um pouco de água. Ai! Mas bastava engolir a água que a dor lancinante voltava. Enchi a boca de água e fui fazer a matrícula com desconto. Tem coisas que é melhor a gente não deixar para o dia de amanhã.

Deixei um borrachudo na escola e já ia saindo quando a moça da secretaria disse:

_Por obséquio, será que o senhor não se incomodaria de passar um pouquinho, se não for muito incômodo, é claro, no departamento financeiro?

_Oglub - eu disse, tentando evitar engolir a água, mas não teve jeito.

Eu agora me dirigia ao departamento financeiro, a dor de dente já começava a avançar para o meu ouvido. Infligir dor. Alicatão. Urutau. A outra moça do departamento financeiro começou a falar em débitos antigos. Minha dor-de-dente começou a sussurrar em sânscrito pré-cambriano no meu ouvido. Eu pensava naqueles instrumentos utilizados pelos inquisidores da Idade Média. Será que vendem essas coisas pela Internet? A moça girou a tela do computador e me mostrou o débito.

_Aham, mas moça, a pendência é a mensalidade de dezembro. Ainda estamos em novembro - eu disse.

Ela ficou vermelha. Disse que o sistema era novo. Ela mesma era nova na atividade. Ela é professora, tinha sido remanejada para a atividade, que era muito difícil, e que o sistema também tinha muitos problemas e que eu já era a vigésima pessoa que encontrava erros no sistema.

_Moça, não está errado. O sistema está correto - eu disse.

_Mas o senhor mesmo disse que não está pendente - ela disse.

_Sim, meu dente, digo, não, não estou pendente - eu disse.

_Sim ou não, o senhor se decida - ela disse.

_...

Bom, isso se prolongou por mais alguns minutos. Saí da escola com as matrículas renovadas às nove e meia. Pra encurtar a história, fui atendido na emergência às quatro e meia da tarde. O Instituto em que fui atendido não aceitava o meu convênio. Por 119 reais e 12 centavos, o sujeito que me atendeu disse que um dos meus dentes será demitido. Ele também me receitou um monte de antibióticos e analgésicos. Fiquei legal, mas agora estou morto de sono. Bye.

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